Produzido e veiculado pela TV Globo, festival mobilizou nomes como Alceu Valença, Luiz Melodia, Jards Macalé, Leci Brandão e Clementina de Jesus. Djavan canta o samba autoral ‘Fato consumado’ no festival realizado entre janeiro e fevereiro de 1975 no Teatro Municipal de São Paulo
Reprodução / Facebook Djavan
♫ MEMÓRIA
♪ Principal plataforma para a projeção de cantores e compositores que se tornariam ícones da então nascente MPB, os festivais da canção tiveram o auge na segunda metade dos anos 1960. Iniciada em 1965, a era dos festivais terminou melancolicamente em 1º de outubro de 1972 com o fim do sétimo e último Festival Internacional da Canção (FIC), marcado por pouca audiência e muitos problemas políticos.
Menos de três anos depois, em janeiro de 1975, a TV Globo tentou ressuscitar a força da era dos festivais com a criação, organização e exibição do Abertura – Festival da Nova Música. Foram quatro eliminatórias – realizadas em 7, 14, 21 e 28 de janeiro de 1975 com 40 músicas inéditas na disputa – e a final, realizada em 4 de fevereiro.
Tanto as eliminatórias quanto a final tiveram como palco o Teatro Municipal de São Paulo, de onde foram transmitidas ao vivo para todo o Brasil pela Rede Globo.
Pouco lembrado, o festival Abertura completa 50 anos neste mês de janeiro de 2025 como tentativa louvável de reeditar a era dos festivais. Mas o fato é que o festival teve somente uma edição. A abertura política viria somente a partir de 1979. O sinal estava fechado para a MPB. Os compositores viviam sob censura implacável da ditadura de 1964, endurecida a partir de 1968. Não havia clima para festa.
Ainda assim, o festival Abertura deu ao menos uma grande contribuição à MPB: projetou Djavan em escala nacional e em certo sentido o revelou, embora Djavan já tivesse dois anos de carreira na época.
Premiado com o segundo lugar pelo júri presidido por Aloysio de Oliveira (1914 – 1995), do qual constavam nomes como Marcos Valle, Maurício Kubrusly e Sérgio Cabral (1937 – 2024), o samba Fato consumado revelou Djavan como grande e original compositor. O artista alagoano já vinha tentando a sorte na cidade do Rio de Janeiro (RJ) desde 1972, mas até então trabalhava como crooner na noite carioca enquanto gravava sucessivas músicas para trilhas de novelas da TV Globo, desde 1973, sem repercussão.
Com o estouro de Fato consumado, Djavan ganhou a chance de gravar o primeiro álbum, podendo registrar músicas de própria autoria no LP lançado em 1976. Ou seja, de certa forma, o festival de 1975 abriu o caminho para que Djavan se tornasse o gênio temporão da geração da MPB e, somente por isso, o Abertura já mereceu ter existido.
Hermeto Pascoal no ‘Abertura’, festival em que ganhou prêmio pelo arranjo da música ‘Porco na festa’
Reprodução / Memória Globo
O vencedor do festival Abertura foi Carlinhos Vergueiro, compositor e intérprete da música Como um ladrão. Paulistano, Vergueiro já estava em cena desde 1973 e tinha lançado singles e um álbum, Brecha (1974), mas nunca tinha recebido tamanha projeção. Só que, diferentemente de Djavan, Carlinhos Vergueiro não permaneceu nas paradas após o festival, embora tenha construído discografia extensa.
Revelado com a música Cabeça no último FIC, o já mencionado derradeiro festival de 1972, o cantor e compositor paulistano Walter Franco (1945 – 2019) já tinha prestígio como artista de vanguarda, por conta do álbum Ou não (1973), quando voltou a disputar um festival. No Abertura, Franco foi o compositor e intérprete de Muito tudo, música laureada com o terceiro lugar.
A melhor intérprete foi Clementina de Jesus (1901 – 1987), cantora que deu voz à composição A morte de Chico Preto (Geraldo Filme). Já Hermeto Pascoal foi premiado pelo arranjo de Porco na festa, composição de Hermeto apresentada pelo músico no festival.
Por fim, Alceu Valença ganhou inusitado prêmio de “pesquisa” com Vou danado pra catende, música autoral que misturava a pegada do som nordestino com a pulsação do rock no arranjo e no canto de letra que embutia versos do poeta pernambucano Ascenso Ferreira (1895 – 1965), falecido dez anos antes.
Saíram sem prêmios grandes nomes como Jards Macalé (autor e intérprete de Princípio do prazer, música que ficaria esquecida na obra do compositor), Leci Brandão (Antes que eu volte a ser nada) e Luiz Melodia (1951 – 2017), autor e intérprete de Ébano.
Música que se tornaria um dos maiores sucessos de Melodia, Ébano é outra prova de que, mesmo sem ter reeditado a magia da era dos festivais, o Abertura deu contribuições à música brasileira e chega aos 50 anos com a glória de ter impulsionado em escala nacional a carreira do então desconhecido Djavan.