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Como João Pessoa foi de capital ‘esquecida’ a nova ‘queridinha’ do verão do Nordeste


Capital da Paraíba tem ganhado mais visitantes e despontado como destaque do verão de 2025 — e a cidade já sofre com engarrafamentos e alta nos preços Região de Cabo Branco, em João Pessoa, deve receber mais dezenas de milhares de turistas nos próximos anos
Getty Images
“Os turistas vão para Recife e pulam direto para Natal.”
Era isso que a professora Adriana Brambilla dizia até pouco tempo atrás a seus alunos do curso de Turismo na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa.
No meio do caminho de um dos trechos mais movimentados do litoral do Nordeste, a capital paraibana era conhecida pela tranquilidade, praias vazias e uma orla de prédios baixos com pequenos hotéis.
“João Pessoa não chamava atenção nacionalmente. Por muitos anos, ficamos de lado”, diz Brambilla, coordenadora do Grupo de Cultura e Estudos em Turismo (GCET) da UFPB.
Mas quem visita a cidade hoje pouco vai encontrar da João Pessoa “esquecida” de décadas atrás.
Novos prédios de luxo surgem por todos os lados, beach clubs ocupam o litoral e a rede hoteleira só cresce.
Ao mesmo tempo, o trânsito tem começado a dar um nó, atrações como bancos de corais e de areia no meio do mar cristalino estão lotadas e restaurantes se enchem de filas.
Nas redes sociais, pessoenses têm feito centenas de vídeos e comentários (em geral, em tom de brincadeira) pedindo para os turistas se afastarem da cidade.
“Não cabe mais ninguém”, escreve uma moradora num vídeo que mostra um engarrafamento no TikTok.
Ao que tudo indica, porém, a procura vai aumentar.
Em sua recém-divulgada lista anual dos dez destinos em alta no mundo, a Booking.com, uma das maiores plataformas de reservas do turismo global, João Pessoa é colocada em terceiro lugar.
“Estará no topo da lista de todos em 2025”, diz a projeção.
A capital paraibana ficou atrás apenas de Sanya, considerada o “Havaí chinês”, e Trieste, na costa italiana do mar Adriático.
Piscinas naturais como Picãozinho atraem turistas em João Pessoa
Getty Images
Na alta temporada que vai de dezembro a fevereiro, a prefeitura projeta uma ocupação hoteleira de quase 100%. E a Paraíba foi o Estado que mais cresceu na preferência dos brasileiros nesta atual temporada de verão, segundo pesquisa divulgada pelo Ministério do Turismo.
Nos próximos três anos, a expectativa é de que a cidade ganhe mais de 10 mil novos leitos com os hotéis em construção. E, até novembro deste ano, o Aeroporto Castro Pinto, em João Pessoal, registrou um aumento de 13,3% no movimento de passageiros
No entanto, o “inchaço” em João Pessoa não vem apenas do turismo.
A cidade também foi uma das que mais ganhou população no Brasil nos últimos anos, segundo o censo de 2022.
Foram 110 mil novos moradores em 12 anos (censo de 2010), um aumento de 15,3% — o maior salto entre as 20 cidades mais populosas do país.
Muitos desses novos residentes — entre aposentados e profissionais que podem trabalhar à distância — conheceram a cidade justamente em viagens, como mostraram diversas reportagens na imprensa paraibana.
O boom tardio
Se as atrações naturais de João Pessoa sempre estiveram ali, por que só nos últimos anos aconteceu o boom turístico?
Na visão do ex-secretário de Turismo da capital paraibana Roberto Brunet (2012-2014), a demora se deve principalmente a uma falta de prioridade de políticas públicas estadual e municipal no setor, em comparação a outros destinos nordestinos próximos.
É como se João Pessoa tivesse se deixado ofuscar diante de cidades de porte historicamente maior, como Recife, ou que viu primeiro no turismo uma oportunidade de crescimento, como Natal, que encheu as paredes e folhetos de agências de turismo com fotos do famoso Morro do Careca desde os anos 1990.
“A cidade não tinha visibilidade” e o “turismo era regional”, avalia Brunet, que também é ex-presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) e empresário do setor.
Lei de zoneamento impede prédios altos na orla de João Pessoa, mas logo atrás são erguidos alguns dos maiores edifícios do Brasil
Getty Images
Vale lembrar também que João Pessoa brigou durante muito tempo para ter o protagonismo dentro da própria Paraíba.
Até meados do século 20, Campina Grande chegou a ser a cidade mais populosa do Estado e manteve forte sua influência política e comercial na região.
Nos anos 1990, quando Brunet tinha uma agência em João Pessoa, eram muito populares os passeios de um dia de turistas que estavam hospedados em Natal ou Pipa, no Rio Grande do Norte, e no Recife e em Porto de Galinhas, em Pernambuco.
O que se vê hoje, na avaliação da professora Adriana Brambilla, é uma João Pessoa alcançando “um novo patamar”, consequência de vários fatores, como uma campanha de marketing bem feita do setor público, que passou a vender melhor o destino, e o avanço da iniciativa privada, especialmente na área de construção civil.
Para o ex-secretário de Turismo Brunet, a capital paraibana também conseguiu aproveitar, especialmente após a pandemia de covid-19, um movimento comum no mercado do turismo em qualquer lugar do mundo: o fator novidade.
“As pessoas cansam de ficar repetindo destino turístico. E, nessa região do Nordeste, ficava concentrado apenas em Pipa, Porto de Galinhas, Maceió, Fortaleza e Natal”, diz Brunet.
“Então, aparece uma cidade como João Pessoa, com potencial turístico e gastronômico, como uma novidade no mercado nacional. Hoje, só se fala daqui”, completa.
O papel das redes sociais também é visto como fundamental. Entre turismólogos, costumava-se dizer que, em média, a cada visitante satisfeito com uma cidade visitada, seis pessoas eram atingidas pelo relato na volta para casa.
“Agora, com as redes, isso se multiplica para milhares”, diz a professora Brambilla, da UFPB.
De Parahyba a João Pessoa
O nome da capital paraibana, que antes de 1930 era Parahyba, é motivo de discussão.
Para alguns, o nome anterior deveria ser retomado, como forma de resgatar a identidade local.
A mudança aconteceu após o assassinato do governador paraibano João Pessoa, em 1930, em Pernambuco – episódio considerado estopim para a tomada de poder por Getúlio Vargas, que havia tido João Pessoa como concorrente a vice em sua chapa.
Em dezembro de 2024, no entanto, a Assembleia Legislativa da Paraíba aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que oficializou o nome da capital como “João Pessoa”, em substituição a uma previsão de realizar um plebiscito sobre o tema.
A nova redação, lida como forma de encerrar a discussão sobre a mudança do nome da capital, entrou em vigor na sexta-feira (3/1).
Aprender com erros?
É num cenário de rios, mata atlântica e falésias à beira-mar que construções em escala monumental começam a despontar no horizonte de João Pessoa.
São parques aquáticos, resorts, shopping e uma roda-gigante que vão encher o até então pouco explorado extremo sul da capital paraibana, onde fica ponto mais oriental da América continental.
É o chamado Polo Turístico de Cabo Branco, projeto atual do governo da Paraíba inspirado num plano do fim dos anos 1980 e chamado de “maior complexo turístico planejado do Nordeste”.
Região pouco explorada será tomada por resorts e parques nos próximos anos, em João Pessoa
Governo da Paraíba
O governo e empreendedores têm vendido o projeto como sustentável, preservando áreas de mata.
Pesquisadores, no entanto, têm feito alerta sobre impactos socioambientais, como diminuição da vegetação nativa, assoreamento de rio e impactos a comunidades de pescadores.
“João Pessoa está adotando um tipo de turismo predatório e arcaico”, diz um artigo na Revista Brasileira de Ecoturismo.
Mas se os impactos do novo polo serão mais sentidos com o seu funcionamento, fato é que a cidade já vê impactos no trânsito e nos preços, seja pelos novos moradores ou pelo movimento turístico.
“A gente está experimentando congestionamentos que a gente nunca tinha experienciado antes. Tem dia que gasto quase 1 hora de trânsito em percurso que fazia em 15 minutos”, relata a professora Adriana Brambilla.
Em nota, a prefeitura de João Pessoa disse que tem investido em novas vias e num sistema rápido de ônibus (BRS).
Em 2024, João Pessoa também foi a segunda capital do país com maior valorização imobiliária, de 16,13%, atrás apenas de Curitiba, segundo índice FipeZap. Mas imóveis à beira-mar em João Pessoa seguem sendo mais baratos do que em cidades como Fortaleza, o que segue atraindo investidores e turistas.
“O boom é ótimo para cidade, melhorou a autoestima da população, mas também é preocupante. É notório que teve uma inflação no custo de vida aqui, nos imóveis, na alimentação. Também temos visto aumento da prostituição e do tráfico de drogas. O poder público tem que atuar junto para combater tudo isso que vem com o turismo”, diz o ex-secretário Roberto Brunet.
“Esse é um momento de trabalhar com profissionalismo para que esse turismo não seja passageiro e predatório”, completa o empresário, ressaltando que João Pessoa teve a chance de aprender com erros de destinos vizinhos.
Apesar das reclamações com as mudanças repentinas na rotina da cidade vindas com o turismo de massa, a professora Adriana Brambilla diz que não vê sinais de “turismofobia”, que em 2024 ganhou manchetes pelo mundo com os protestos feitos por moradores de cidades da Espanha tomadas pelos visitantes.
“Mas é o que costumo dizer: a cidade só é boa para o turismo se ela continuar boa para a população”, conclui a professora.
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