O primeiro concerto da Orquestra Light da Rocinha terá arranjos natalinos, além de tradicionais músicas clássicas de Villa-Lobos e de Tchaikovsky. A iniciativa aposta na inclusão social de jovens por meio da arte. Jovens musicistas de comunidades do Rio compõem a Orquestra Light da Rocinha, criada em setembro de 2024
Divulgação Nurb Studio
Quarenta e cinco jovens musicistas de comunidades do Rio de Janeiro se apresentam às 17h desta quarta-feira (18) no Centro Cultural Light, no Centro do Rio. O concerto, apenas para convidados, é a primeira apresentação oficial da Orquestra Light da Rocinha, criada em setembro deste ano.
O projeto surgiu com o propósito de transformar a vida de jovens no mundo da música por meio da inclusão social. E, além de oferecer formação, também aposta na geração de empregos.
Segundo o coordenador técnico Gilberto Figueiredo, os integrantes têm entre 16 e 35 anos e, além da Rocinha, vêm de outras comunidades, como Santa Marta, Chapéu Mangueira e Grota do Surucucu, ou de Volta Redonda, no interior do Rio.
“O primeiro passo foi selecionar os jovens da Rocinha. A ideia era que o máximo de músicos fossem da Rocinha. Os outros, nós buscamos em outros projetos sociais”, disse Gilberto.
Para o coordenador, a formação de jovens no campo das artes é uma tendência em projetos sociais, mas a Orquestra Light da Rocinha “cumpre uma etapa que os projetos não conseguem cumprir, que é gerar renda e trabalho”.
A orquestra é composta em sua maioria por mulheres, que representam 54% dos jovens músicos do grupo.
A música como sustento
Mariana Cristina, de 22 anos, é arquivista e musicista da Orquestra Light da Rocinha
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Com a oportunidade de receber apoio financeiro ao participar da Orquestra Light da Rocinha, Mariana Cristina, de 22 anos, nascida e criada na comunidade que dá nome ao grupo, é uma das jovens que teve a vida transformada pela música.
Mariana hoje é arquivista. Na orquestra, ela trabalha diretamente com o maestro, auxiliando-o com arquivos e partituras que serão tocados em concertos.
Mas a ligação da jovem com a música começou ainda na infância. “Desde pequena eu gostava muito de assistir vídeos de orquestras, de grupos tocando.” E foi aos 12 anos, na Escola de Música da Rocinha, que ela teve o primeiro contato com um instrumento musical: a viola.
Segundo Mariana, foi seu irmão mais velho, Marcelo Santana, que já frequentava a Escola de Música da Rocinha, quem percebeu seu amor por esse universo. Ele comentou que tudo o que ela assistia em vídeos na internet existia na escola e a incentivou a conhecer o espaço.
Foi na escola que a arquivista recebeu sua formação musical. Atualmente, ela trabalha como monitora e ministra aulas para crianças participantes do projeto social.
Há 30 anos, a Escola de Música da Rocinha atua no campo da formação musical de jovens que vivem em regiões de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O espaço também é parceiro da Orquestra Light da Rocinha e foi responsável pela construção da proposta conceitual e pela formação da equipe.
Jovem musicista, Mariana Cristina, é mãe solo e acredita que a música pode ser um caminho também para o filho de 3 anos
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Da família, Mariana é a única que seguiu carreira na área.
“A música representa para mim portas se abrindo. Eu tenho filho e falo ‘filho, você também pode seguir essas oportunidades na música’”, conta a jovem.
A jovem é mãe solo do pequeno Heitor, de 3 anos, que já tem um violininho para acompanhá-la.
“Ano que vem o meu projeto é entrar na faculdade, aprender mais. Os projetos sociais abrem muitas portas, sou mãe, sou mãe solteira, então essa oportunidade é muito boa”, disse Mariana.
A possibilidade de viver da música surgiu ao longo da sua trajetória. “Esse incentivo de dinheiro é muito importante porque eu consigo participar inteiramente na música. No início do ano eu cheguei a procurar um emprego, mas hoje eu consigo me sustentar com a música”.
Trompa virou paixão
Nascida e criada na Rocinha, Victoria Souza, de 20 anos, diz que a música transformou sua vida
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Assim como Mariana Cristina, Victoria Souza também foi formada na escola e atua como monitora.
“Hoje, vendo a nova geração, e vendo que eu estou ensinando uma nova geração, mesmo que próxima à minha, eu me sinto emocionada. Eu vejo nos olhos deles o que eu quis, viver do que gosta, viver do que se ama” contou a musicista.
O apoio e a influência da família incentivaram a jovem trompista a seguir a carreira musical. Ela entrou na Escola de Música da Rocinha pela influência da irmã mais velha, Leticia Sousa, e na infância teve contato com a flauta doce, fez canto e coral, além de tocar trompa.
A escolha de qual instrumento tocar veio aos 16 anos. “Eu fui curiosa. Eu lembro quando em uma aula de flauta a professora chegou na sala e apresentou um novo instrumento para a gente, a trompa. A Escola de Música estava sem trompa nenhuma, então resolvi dar uma chance. Nenhum encaixava como a trompa encaixou. Tentei tocar piano e violão”, relembrou a jovem.
Com a trompa, Victoria já teve a oportunidade de sair do RJ. Ela se apresentou no Paraná e em Gramado.
A parceria entre a Escola de Música da Rocinha e a Orquestra Light da Rocinha fez com que Victoria fosse convidada para integrar o grupo. “É um projeto dentro da minha, sobre a minha comunidade e não e tinha como eu não participar”.
O auxílio financeiro também foi um ponto importante para que a trompista pudesse se dedicar à música. “A ajuda financeira do projeto me dá estabilidade financeira para que eu siga meu sonho com mais afinco. Eu não preciso largar a música, e procurar um trabalho CLT”.
Para a jovem, a Orquestra Light da Rocinha “é um lugar onde outros jovens podem se ver em outros jovens, mostrar o lado bom da Rocinha, que traz esperança”.
E o apoio da família e dos professores faz com que os jovens musicistas consigam enxergar perspectivas de futuro.
“Minha mãe nunca deixou de me apoiar, minha família inteira também me apoia, eu sempre tive esse apoio em casa. O meu sonho é entrar na Unirio. Eu acho que a faculdade é uma coisa importante”.
O primeiro concerto com a Orquestra Light da Rocinha é também um momento especial para a jovem. “Minhas expectativas estão bem altas, porque o nosso repertório é bem rico, desde Tchaikovsky a Villa- Lobos”.
‘Meu ganha pão’
Henrique Machado, de 31 anos, é maestro residente da orquestra e também teve sua formação musical por causa de projetos sociais.
Reprodução Nurb Studio
“Dei a sorte de estar no lugar certo, na hora certa”, conta Henrique Machado, maestro da Orquestra Light da Rocinha, ao relembrar que a escola onde estudou na infância foi escolhida para ter um projeto social de música.
Foi nesse momento que Henrique viu a oportunidade de seguir na música e descobriu o desejo de ensinar. “Eu tive as primeiras vontades de conduzir grupos e de escrever. Depois que o projeto se encerrou, fui procurar parcerias com outros projetos”, disse o maestro.
Regente profissional desde 2019, Henrique dá aula de instrumentos e teorias, mas teve o primeiro contato ainda na infância com a flauta doce, o piano e o fagote.
Desejo de Henrique Machado, maestro da Orquestra Light da Rocinha, de escrever e de estar à frente de grupos vem desde a infância.
Acervo pessoal
“Esse trabalho para mim é um dos mais importantes do cenário de música de concerto brasileira”, disse o maestro que está na orquestra desde o início. ”Ela (a música) é meu ganha pão, a minha forma de ver o mundo”.
A ideia de criar uma orquestra na Rocinha surgiu da parceria da empresa Novo Traço com a Light.
Pelo menos 90% dos musicistas tiveram a base da formação musical em iniciativas sociais e mais da metade dos componentes do grupo está cursando faculdade de música. Além disso, quase um terço daqueles que ainda não ingressaram no ensino superior está em fase de preparação.
Além da possibilidade de transformar a vida de jovens musicistas, a Orquestra Light da Rocinha também cria espaços de convivência e aprendizado para as crianças da Rocinha.
A conexão com a comunidade está nos ensaios abertos, que são feitos na Igreja Metodista da Rocinha.