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Presos estrangeiros ficam sem contato com família no exterior após governo de SP exigir RG e CPF para visitas por videochamada


Presídios estão com programa ‘em implementação’ há mais de quatro anos. Justiça viu violação de direitos e determinou que presídios adotem medidas para garantir ‘igualdade’. Detento na Penitenciária de Itaí
Carlos Dias/G1
Homens e mulheres de nacionalidade estrangeira estão sem contato com parentes que vivem no exterior há pelo menos quatro anos por causa de uma exigência da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP) que impede o cadastro para visitas virtuais.
Após uma denúncia feita pelo Consulado das Filipinas, a Defensoria Pública da União (DPU) obteve liminar na Justiça que obriga o governo de São Paulo a garantir “igualdade” entre as pessoas custodiadas e adote medidas que possibilitem que as famílias que vivem fora do Brasil possam se conectar com os presos.
Atualmente 977 homens estrangeiros cumprem pena na unidade de Itaí (SP). Outras 181 mulheres estrangeiras estão presas em penitenciárias da capital e interior. A maioria dos não-nativos responde por tráfico internacional de drogas e, segundo a DPU, não tem recursos financeiros para pagar o deslocamento de seus familiares ao Brasil para visitas presenciais.
A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo tem até o fim de dezembro para recorrer, mas ainda analisa o caso para se manifestar.
Chamadas virtuais
O acesso de presos estrangeiros no Brasil com parentes que vivem no exterior por meio de chamadas virtuais é debatido entre a Defensoria Pública da União e o governo de São Paulo desde a pandemia da Covid-19. A Defensoria Pública do estado também acompanhou o caso.
Na época, com a restrição de viagens e visitas presenciais, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) estabeleceu uma portaria que permitia a comunicação por e-mail e, em outra fase, havia prometido a viabilização de chamadas virtuais para brasileiros e não-nativos. Até hoje, essa etapa não foi colocada em prática.
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A organização para o atendimento a famílias de presos é feita por meio do programa Conexão Familiar. No entanto, no site do programa, dos quatro primeiros campos obrigatórios, dois deles são RG e CPF, documentos que – segundo a Defensoria Pública – parentes de presos estrangeiros normalmente não possuem, o que inviabiliza o pedido de ligações em vídeo previamente agendadas.
“Como o preso que não pode ter contato com a sua família? Me parece que hoje esse programa está vedado não pela lei em si, mas porque a não houve os atos práticos. A política pública para concretizar um direito. Então, hoje em dia, o preso tem à sua disposição é o familiar mandar uma carta, mas todos sabemos que estamos falando de uma postagem internacional e que custa caro. A DPU não teve notícia de que presos conseguem acessar e-mail com regularidade, restando a carta física que, como eu falei, os custos internacionais são proibitivos”, disse o defensor regional dos direitos humanos da DPU, Erico Oliveira.
Alerta do Consulado das Filipinas
A DPU foi comunicada no começo de 2024 sobre falhas no processo de cadastro para as chamadas em vídeo após a prisão de dois filipinos por tráfico de drogas, que relataram estar impedidos de ter acesso a seus familiares no exterior.
O Consulado das Filipinas se baseou na regulamentação prevista pela própria SAP, e alegou que os seus cidadãos também deveriam ter acesso ao programa de visita virtual. Ao longo do ano, a Defensoria chegou a enviar pelo menos quatro ofícios para o governo cobrando soluções.
“O nosso escritório recebeu uma resposta extremamente vaga de novo e que o programa está em fase de implementação. Não resolvia de maneira nenhuma o pleito dos nossos assistidos. Não só desses 2 cidadãos das Filipinas, como também de todos os presos estrangeiros que porventura se encontrem nessa situação”, completou o defensor Erico Oliveira.
A GloboNews localizou um dos filipinos presos que relatou o problema ao Consulado. Depois de dez meses preso por tráfico internacional de drogas, ele responde ao crime em liberdade, trabalhando na cidade de São Paulo, mas ele optou em não dar entrevista. Durante todo o tempo em que ficou preso em Itaí, o filipino não teve autorização para a visita virtual com a família.
O advogado criminalista e especialista em direitos humanos, Carlos Augusto Passos, afirmou que a falta de contato com a família violou os direitos humanos de seu cliente e causou danos emocionais.
“Ele teve diversas dificuldades, como depressão, por falta de contato. Por mais que eu tivesse como passar a notícia, não era a mesma coisa do que eles tendo a notícia por ele mesmo. Então, gerou muita dificuldade nesses 10 meses preso. A falta de contato com seus familiares que violou os seus direitos humanos e, principalmente, a sua dignidade”, disse.
No começo de novembro, a DPU e a Defensoria Pública do Estado ajuizaram uma ação civil pública contra o estado de São Paulo. Uma semana depois, a Justiça acatou o pedido e deu prazo de 30 dias para que a SAP apresentasse “cronograma para viabilização permanente de correspondências e visitas virtuais de pessoas estrangeiras a seus familiares presos, com periodicidade mínima semanal, em igualdade de condições com as pessoas nacionais presas”.
Na decisão, a juíza Luiza Barros Rozas Verotti, da 13a Vara de Fazenda Pública, afirma que a Constituição Federal e as leis de execução penal garantem esse direito e que é indiscutível que a conservação dos laços familiares seja favorável aos presos.
“A despeito de tais previsões e iniciativas para a concretização do Projeto Conexão Familiar, os presos estrangeiros não têm tido seu direito de visita assegurado, uma vez que são exigidos de seus familiares documentos como CPF e certidão de nascimento aos quais eles não têm acesso. Há sérias evidências, portanto, de que os presos estrangeiros não conseguem estabelecer qualquer tipo de contato com sua família, ante a impossibilidade de se realizar videoconferências”, afirmou.
Problema de âmbito nacional
Apesar de a ação civil pública abranger apenas a situação de São Paulo, a avaliação da Defensoria Pública da União é de que o problema seja nacional e alerta sobre o risco de brasileiros presos em outros países também serem afetados.
“É uma questão que verdadeiramente atinge a todos os presos estrangeiros na República federativa do Brasil. E isso é muito importante. É a partir do momento em que o país não cumpre com os seus compromissos internacionais, isso torna os nossos cidadãos também suscetíveis à terem seus direitos desrespeitados por diversos países do Globo, né? Tudo bem que os direitos humanos não é uma questão recíproca, não é uma questão de ‘toma lá da cá’. Isso dá um argumento para que outras nações também não respeitem tanto os direitos dos nossos co-cidadãos que estão porventura detidos no exterior”.
Um documento obtido pela GloboNews confirma que o caso não é isolado. Em resposta a um ofício enviado pela Defensoria Pública da União, em 11 de julho de 2023, um diretor técnico do presídio de Itaí nega a possibilidade de acesso a familiares que residem no Chile de dois presos estrangeiros alegando que o projeto Conexão Familiar ainda estava em desenvolvimento.
“Dessa forma, considerando que ainda não há o regramento específico para a realização dessas visitas virtuais, informo que fica prejudicado o atendimento à referida solicitação, até para que, não se abra precedentes para que outros pedidos ocorram, sem que o regramento esteja normatizado”, consta no ofício.
Até dezembro de 2024, o problema não tinha sido solucionado.
A GloboNews procurou o Ministério das Relações Exteriores, do Direitos Humanos e da Justiça. O Itamaraty e o Ministério dos Direitos Humanos disseram que a pauta era de responsabilidade do Ministério da Justiça, que não se posicionou sobre o assunto.
O que diz a SAP
A Secretaria da Administração Penitenciária informa que atualmente as unidades de referência para custódia de presos estrangeiros no Estado de São Paulo são a Penitenciária de Itaí (masculina) e Penitenciária Feminina Sant´Ana (feminina, para detenção provisória e cumprimento de pena no regime fechado) e os Centros de Progressão Penitenciária (CPPs) Femininos de São Miguel Paulista e do Butantan (unidades femininas, para cumprimento de pena no regime semiaberto). São 1.158 presos estrangeiros sob custódia da SAP, sendo 181 mulheres e 977 homens. A maioria está presa por tráfico internacional de drogas. Sobre a decisão judicial, o caso está sob análise da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE/SP).
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