Texto exige que militares que querem concorrer nas eleições passem para reserva. Líderes do governo têm posições distintas e relator afirma que governo ‘cedeu à pressão dos militares’. Os indiciamentos de 25 militares ou ex-militares por tentativa de golpe de Estado pela Polícia Federal (PF) reacenderam, no Congresso, a discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que barra integrantes das Forças Armadas na política.
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Apresentada em 2023 pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a PEC foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em novembro do ano passado, mas está paralisada no plenário do Senado há um ano.
Segundo a proposta, militares devem ir para a reserva não remunerada se quiserem concorrer às eleições –e não podem retornar à função caso não sejam eleitos. A reserva remunerada só vale para aqueles que estão há mais de 35 anos na ativa.
Tema divide governo
Apesar de o texto ter sido construído pelo próprio governo, com articulação do ministro da Defesa, José Múcio, hoje o tema divide governistas.
De um lado, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), defende a aprovação ainda neste ano e diz que vai levar o tema a reuniões nesta semana.
“A PEC dos Militares é necessária e urgente, a despeito da extrema-direita não querer. O golpismo escalou o passo. É golpismo combinado com terrorismo de estado. Todas as medidas para garantir que militar fique no quartel têm que avançar”, disse Randolfe.
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Já o líder interino do governo no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), diz que o tema não foi discutido e que trazê-lo à tona neste momento seria “revanchismo”.
“Não se discutiu absolutamente nada. Seria uma forma de revanche inserir um episódio como esse, não é o espírito do presidente [Lula], não é o meu espírito. A iniciativa de tentar matar autoridades deve ser punida com o rigor da lei”, diz. “Uma parte pequena [das Forças Armadas] foi contaminada com o desejo de ter um golpe militar.”
Para o líder do PSD, senador Omar Aziz (AM), o Congresso deveria ter se antecipado ao assunto já que “é ruim que a discussão volte à tona depois desses fatos”, mas defende o debate.
“Quem quiser ser candidato tem direito, mas não pode fazer militância dentro da corporação”, afirma. O senador afirma, ainda, que irá conversar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre o assunto nesta semana.
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A oposição também pressiona contra a proposta, em especial o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que é general da reserva e foi vice-presidente do governo de Jair Bolsonaro.
Para Mourão, o texto é “inconstitucional” já que não permite o retorno à ativa do militar que não foi eleito, o que, segundo ele, transforma os militares em “cidadãos de segunda categoria”, como já defendeu anteriormente.
Relator da proposta, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) diz que o tema “está travado porque o governo está cedendo à pressão dos militares” e que foi procurado pelo governo para alterar o texto.
“O ministro [da Defesa, José] Múcio se reuniu com o senador Mourão e ligou para mim, perguntou se eu podia mudar alguma coisa no relatório. Eu não mudo nada”, disse Kajuru. “Se vocês [governo] quiserem [mudanças] me tirem, coloquem outro relator”, disse Kajuru.
A aliados, o ministro José Múcio tem dito que quer que o texto passe como foi protocolado e que quem quer mudanças é o senador Mourão, com quem ele se encontrou uma vez.
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Outra PEC na Câmara
Na Câmara, tramita desde 2021 uma PEC com um texto semelhante. À época, o texto foi encabeçado pela ex-deputada Perpétua Almeida, do PCdoB, e impede que militares da ativa ocupem cargos políticos no governo.
“Quando a política entra pela porta de um quartel, a disciplina e a hierarquia saem pela outra. Além de reforçar o papel constitucional das Forças Armadas, a PEC evita a politização dos quarteis”, defende a ex-deputada Perpétua.
Nesse caso, a proposta é ainda mais abrangente do que a que está no Senado, pois veda a participação de militares também nos ministérios, por exemplo – e não apenas nas eleições.
O texto foi protocolado semanas depois que o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello – hoje deputado federal – participou de um evento político ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Participação do então general da ativa Eduardo Pazuello em evento de Bolsonaro em maio de 2021 levou à apresentação da PEC na Câmara.
Jorge Hely/Framephoto/Estadão Conteúdo
Reservadamente, quem defende esta PEC diz que o texto apresentado pelo Senado é sutil demais e não teria impedido a atuação de alguns dos indiciados pela Polícia Federal – que atuavam no governo, mas sem cargo eletivo.
A PEC ficou paralisada ao longo do governo Bolsonaro, mas em 2023 o governo Lula ensaiou apoiá-la. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) foi escolhida relatora da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e apresentou parecer favorável ao texto.
A deputada afirma que “não é simples mexer com os militares” no Congresso e que o pacote do Ministério da Fazenda para cortar gastos do Ministério da Defesa “talvez seja um teste”.
“A partir daí, e das investigações sobre o golpismo em geral, o envolvimento dos militares, [a proposta] ganha força, sim. A depender também do peso que o governo queira dar pro assunto. Por ora, não deu muito”, afirma.
Em 2024, Sâmia foi destituída da relatoria da proposta já que deixou de ser integrante da CCJ. Com o colegiado sob a presidência da deputada Carol de Toni (PL-SC), aliada de Bolsonaro, o texto está parado desde então.