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Na natureza não tem feriado


Coluna “Histórias Naturais” traz reflexão sobre serviços ambientais fornecidos gratuitamente pela biodiversidade que nos mantém vivos e com qualidade de vida. Abelhas são polinizadoras indispensáveis que garantem nossa qualidade de vida
Tatiana Magalhães
Todo mundo gosta de um feriado prolongado para descansar da correria do dia a dia. Mas e os serviços prestados pela biodiversidade? Esses não têm parada e o biólogo do TG, Luciano Lima traz uma reflexão importante sobre esses serviços que garantem a nossa qualidade de vida.
Na próxima segunda-feira, 1 de maio, é Dia do Trabalhador ou Dia do Trabalho. Para muita gente, a data se traduz em um merecido descanso por conta do feriado, que esse ano emenda com o final de semana e acaba sendo prolongado. Mas tem uma classe de trabalhadores que, para nossa sorte, irá trabalhar na segunda.
Não, não estou me referindo a profissionais da área da saúde ou da segurança, que, também para nossa sorte, irão trabalhar no feriado. Existe um outro grupo de trabalhadores que, embora geralmente não vistos como tal, atua sem descanso não apenas neste, mas em todos os feriados e que nunca tira férias. São os profissionais da biodiversidade: animais, plantas e outros seres vivos responsáveis por infinitos serviços ambientais.
Serviços ambientais, também chamados de serviços ecossistêmicos, são muitos e diversos. Esses benefícios não apenas tornam a vida humana possível, mas também nos trazem qualidade de vida e bem estar. Traduzindo para a prática, através dos serviços ambientais a natureza nos fornece benefícios como alimentos, remédios, energia, matérias-primas naturais e inspiração cultural e espiritual. Você é capaz de imaginar como seria viver sem esses benefícios?
São tantos os serviços ambientais que, para que eles sejam melhor compreendidos, são divididos em quatro categorias principais. “Serviços de provisão” incluem produtos fornecidos pela natureza, como alimentos, medicamentos, energia, madeira e inúmeras outras matérias-primas naturais. “Serviços de regulação” mantém os ecossistemas saudáveis e funcionando, incluem, por exemplo, polinização, controle de pragas e doenças, purificação da água e do ar e regulação do clima através do sequestro e carbono.
Minhocas são grandes aliadas para preparação do solo
BBC
Os “serviços culturais” se referem, entre outras coisas, à inspiração artística, científica, educacional e espiritual, identidade e valores culturais e históricos e diversas formas de recreação. Finalmente, os “serviços de suporte” são a base para os outros serviços e incluem grandes processos naturais como formação do solo, ciclagem de nutrientes e formação de produtividade primária através da fotossíntese.
Para entender melhor os serviços ecossistêmicos vamos pensar em uma simples fruta, a jabuticaba, por exemplo. Ela é um produto natural (um serviço de provisão) que é fornecido pela jabuticabeira. Mas para a jabuticabeira produzir frutos, suas flores precisam ser polinizadas, um serviço de regulação que, no caso da jabuticabeira, é exclusivamente executado por insetos, principalmente abelhas.
Jabuticabeira depende de polinização
Carlos Cazelato/Reprodução EPTV
Mas, além disso, para se manter viva a jabuticabeira precisa de solo fértil, água, clima correto, ambiente com poucas pragas, etc, etc, etc. Ou seja, a natureza precisa trabalhar bastante para que você seja capaz de saborear uma “simples” jabuticaba. Além disso, muita gente, incluindo esse que vos escreve, tem memórias de infância conectadas com chupar jabuticaba debaixo da árvore (um delicioso serviço cultural).
Você já deve ter ouvido alguém se referir à natureza como “provedora”. Essa referência está diretamente relacionada com o fato da natureza não nos cobrar monetariamente pelos serviços ambientais. “Ahhh Luciano, mas eu não conheço nenhum mercado que ofereça jabuticaba de graça”.
As abelhas nativas prestam um serviço fundamental à natureza
Felipe Thiago de Jesus/Gente da Terra
Concordo, mas quando você compra uma fruta você está pagando apenas pela mão de obra humana associada ao cultivo, transporte, e venda dessa fruta. Se as abelhas cobrassem pela polinização, a minhoca pela fertilidade do solo, as aves pelo controle de pragas e assim sucessivamente, pode ter certeza absoluta que uma única jabuticaba precisaria ser paga a prestação no cartão de crédito pela maioria das pessoas.
Em um dos últimos textos aqui escrevi sobre a importância ecológica dos urubus e apresentei uma estimativa de valor monetário de quanto vale o importantíssimo serviço de remoção de animais mortos prestado por essas aves.
E no caso da polinização?
Você é capaz de chutar o valor que teríamos que pagar somente para os polinizadores se eles cobrassem pelos seus serviços? Alguns grupos de cientistas já estimaram esse valor e ele poderia chegar anualmente a inacreditáveis 657 bilhões de dólares ou aproximadamente três trilhões e duzentos e oitenta e cinco bilhões de reais.
Morcego beija-flor, do gênero Glossophaga, pode polinizar flores até dentro das cidades
Sherri & Brock Fenton
Só no Brasil, o valor anual do serviço dos polinizadores é estimado em 13 bilhões de dólares. De acordo com um estudo realizado pelos pesquisadores brasileiros Paulo de Marco Jr. e Flávia Monteiro Coelho, apenas no cultivo do café no Brasil, o serviço dos polinizadores é estimado em cerca de R$ 12.975,00 por hectare por ano.
Levando em consideração que cada hectare de café produz em média no Brasil anualmente 1.500 kg, o valor do serviço dos polinizadores de cada pacote de café de 1kg custaria algo em torno de 86 centavos. Achou pouco? Agora imagina se além dos polinizadores o valor de todos os demais serviços ambientais envolvidos na produção de café fossem também cobrados.
Produção de café também depende da ajuda de insetos
Renata Silva/Embrapa
Mas mesmo a natureza não nos cobrando pelos serviços ambientais, nós conseguimos encarecer cada vez mais os produtos naturais simplesmente destruindo a natureza. Um caso emblemático é o fato de que, por conta da queda nas populações de insetos, agricultores de algumas regiões já estão precisando recorrer a polinização artificial feita por pessoas, que diferente dos insetos, certamente cobram pelo serviço. Parece sem sentido?
Se você paga por tratamento de água, você não está em uma situação muito parecida… Afinal, certamente bem perto de onde você mora havia alguma mina d’água ou riacho cristalino, que foi aterrada ou poluída por esgoto.
Aproveite o feriadão para visitar alguma área verde, como o parque nacional mais perto da sua casa. Se você passar por alguma mina, aproveite a chance de, literalmente, beber água da fonte, mas lembre-se que embora o gole seja de graça, tem muito trabalho envolvido até ele molhar a sua garganta. Segunda uma famosa frase: “o trabalho dignifica o homem”, mas o trabalho da natureza vai muito além, ele nos mantém vivos.
Cachoeira Poeira D’água em Piacatuba
Governo de Minas/Divulgação

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