JENS SCHLUETER
Uma lei que facilita os trâmites para mudança de gênero entrou em vigor nesta sexta-feira (1º) na Alemanha e foi recebida com alívio pela comunidade LGTBI+, após uma dura batalha do governo do chanceler social-democrata Olaf Scholz para tirá-la do papel.
A Alemanha soma-se, assim, ao grupo de países com uma legislação liberal nesse campo: uma dezena na Europa, incluindo a precursora Dinamarca, além de Bélgica, Suíça e a Espanha desde o ano passado.
“Estou muito feliz, porque é um dia histórico para o reconhecimento da diversidade sexual e para o reconhecimento dos direitos do ser humano e das pessoas transgênero e não binárias na Alemanha”, declarou à AFP a ecologista Nyke Slawik, uma das duas deputadas trans no Parlamento alemão. Basta, agora, um trâmite administrativo.
A “lei sobre a autodeterminação” permite às pessoas que quiserem trocar de nome e gênero fazer um pedido ao escritório do registro civil local e torná-lo oficial voltando três meses depois. Elas podem escolher entre quatro possibilidades: feminino, masculino, diverso ou “sem menção de gênero”.
As pré-inscrições foram abertas em 1º de agosto. Cerca de 15.000 pessoas já estão inscritas, segundo a revista Der Spiegel.
– ‘Avaliações degradantes’ –
O novo texto substitui uma legislação de 1981, que previa um processo longo e custoso, no qual os candidatos precisavam de dois boletins psicológicos sobre sua sexualidade. No final, um juiz acatava ou negava a solicitação.
O Tribunal Constitucional já havia abolido parcialmente essa lei e, nos anos 2010, anulou a obrigação de esterilização e intervenção cirúrgica prévias à mudança de gênero.
“Depois de mais de 40 anos, a chamada lei sobre os transsexuais, sinônimo de avaliações degradantes, de violações dos direitos fundamentais, é abolida”, comemorou a Associação alemã de Defesa dos Direitos das Pessoas Transgênero (BVT).
O novo texto também esclarece o caso dos menores: antes dos 14 anos, somente os pais ou tutores poderão dar início ao trâmite, e, a partir dessa idade, os próprios poderão iniciá-los, ainda que com o consentimento dos pais até a maioridade.
Eles também terão que apresentar uma declaração na qual indiquem que pediram a opinião de um psicológico ou de um serviço de proteção da juventude, e não serão autorizados a realizar nenhuma outra mudança durante um ano.
– ‘Projeto ideológico’ –
Em pesquisa publicada nesta quinta-feira pelo instituto YouGov, 47% dos alemães se declararam totalmente ou em boa parte favoráveis à nova lei, contra 37% que a repudiaram. Mas, no campo político, continuam as críticas, alimentadas pela direita e extrema direita.
Na quarta-feira, a deputada Dorothee Bar, do partido conservador bávaro CSU, acusou o governo Scholz – uma coalizão entre social-democratas, verdes e liberais do FDP – de ter criado um “projeto ideológico” e permissivo demais.
Organizações de defesa dos direitos das mulheres temem que homens predadores abusem das novas normas para terem acesso a espaços reservados a mulheres e meninas, como vestiários e saunas.
Uma centena de pessoas contrárias à nova lei se manifestaram nesta sexta-feira em Berlim. Esse tipo de receio “está muito expandido”, mas não se justifica perante a nova lei, afirmou a deputada Nyke Slawik.
Por um lado, os estabelecimentos afetados continuarão fixando suas próprias normas de acesso, embora as associações transgênero o considerem discriminatório. Além disso, a aplicação de leis similares em outros países “não provocou um aumento das agressões contra as mulheres”, acrescentou Nyke, lamentando que os conservadores tendam a “criar um clima de medo e preconceito contra as minorias para tirar proveito” político.