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Minas de ouro e geopolítica: entenda os interesses da Rússia no conflito do Sudão


Integrantes do grupo Wagner, de mercenários russos, apoia uma das milícias que brigam pelo poder. Presença da Rússia no país africano, no entanto, não é novidade. Um incêndio é visto perto de um hospital em Cartum, Sudão, no domingo, 16 de abril de 2023.
Planet Labs PBC via AP
Região estratégica entre a África e o Oriente Médio, o Sudão é um país pobre que enfrenta a violência endêmica. Em 2005, dois anos após o início de uma rebelião sangrenta em Darfur, que deixou cerca de 300.000 mortos, Moscou violou o embargo da ONU, tornando-se o único fornecedor de armas do regime. O país continua representado em solo africano pelo grupo armado de mercenários Wagner, que defende os interesses do Kremlin, e que apoia, segundo experts, uma das milícias que brigam pelo poder.
A evacuação de estrangeiros continuou a todo vapor na segunda-feira (24) no Sudão, onde dez dias de lutas pelo poder entre o exército e os paramilitares das Forças Revolucionárias Sudanesas (RSF) já deixaram centenas de mortos, um conflito que ainda não deixa esperanças de ser mitigado, pelo menos nos próximos dias.
Explosões, ataques aéreos e tiros continuam na capital Cartum e outras cidades sudanesas, mas países estrangeiros conseguiram negociar a retirada de seus cidadãos com os dois beligerantes: o exército do General Abdel Fattah al-Burhane, líder de fato do Sudão, e seu vice — o General Mohamed Hamdane Daglo, conhecido como “Hemeti”, que comanda as FSR. Foi necessário “aproveitar uma pequena janela de oportunidade”, explicou nesta segunda um porta-voz do governo britânico.
Ele disse que “com combates pesados em Cartum e o fechamento do aeroporto principal”, que tinha sido cenário de combates desde o primeiro dia de hostilidades, em 15 de abril, “uma evacuação temporária de maior amplitude seria impossível”.
Mais de mil cidadãos da União Europeia (UE) foram evacuados do Sudão em uma “operação complexa”, anunciou nesta segunda-feira o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell.
Além do bloco, que tem uma delegação em Cartum, sete países membros (França, Alemanha, Itália, Espanha, Holanda, Grécia e República Tcheca) estão representados na capital. Cerca de 1.500 cidadãos da UE viviam no país antes do início do conflito, de acordo com um funcionário da UE.
Mas nem todos os países se posicionam da mesma forma desde o início das hostilidades. A Rússia parece ter razões de sobra para querer continuar no país, mas para entender melhor os interesses russos na região, é preciso voltar algumas décadas no tempo.
A leste do continente africano, e dominando a entrada de navegação ao Mar Vermelho, o Sudão (ou seus atuais líderes) também parece(m) ter alguns interesses na presença do aliado russo. O país foi um dos únicos a se abster da votação na Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o texto que condenava a invasão russa na Ucrânia.
Minas de ouro e geopolítica aumentam apetite russo
“Os russos estão por trás de Hemeti, que prometeu fidelidade e recebe suas ordens de Moscou”, declarou ontem o coronel Peer de Jong, um especialista em empresas militares privadas, à revista francesa Le Point. “Ele vai precisar do apoio material deles (russos) para enfrentar o exército sudanês”, sublinhou o especialista.
Ainda segundo ele, sem sinais de desescalada no conflito no momento, “é preciso recuar alguns anos para entender como Moscou conseguiu se enredar em todos os níveis do Estado sudanês”. Mais precisamente, é preciso voltar ao início dos anos 2000, quando a Rússia cresceu os olhos para este país de cerca de 30 milhões de habitantes, a maioria sunitas muçulmanos.
Em 2014, o Sudão reconheceu a anexação da Crimea pela Rússia, uma decisão diplomática importante, na contramão de quaisquer parceiros ocidentais. Em 2017, Moscou e Cartum assinaram um acordo para a criação de uma base naval russa, que seria construída em Port Sudan, a segunda maior cidade do país, respondendo por 90% das exportações nacionais. Um símbolo forte para a Rússia, que não tinha base na África desde a queda da URSS.
Nas margens do Mar Vermelho, o porto está localizado hoje no coração de uma das rotas de navegação mais movimentadas do mundo. China, Estados Unidos, França e Japão já se encontram presentes lá, com suas forças estacionadas em Djibouti, no sul da baía sudanesa.
Apesar dos repetidos golpes de Estado (nove, desde os anos 1960), nos quais Cartum detém o triste recorde africano, a cooperação com Moscou tem permanecido forte ao longo dos anos. Em outubro de 2021, mais um golpe sacudiu o país, quando o chefe de gabinete do governo anterior, general Abdel Fattah al-Burhan, finalmente tomou o poder, compartilhado com seu braço direito: “Hemeti”, o chefe da RSF, as chamadas forças revolucionárias sudanesas.
“Os egípcios, que tinham muita influência no Sudão, não queriam civis no poder. O mesmo vale para os russos, que, no entanto, precisam de um parlamento para aprovar leis que lhes sejam favoráveis”, analisa Roland Marchal, pesquisador da Sciences Po Paris e especialista em Sudão, ao site Slate.
Treinadas e equipadas por Moscou, as RSF deixaram o grupo Wagner no controle de novas minas de ouro, das quais o Sudão é o terceiro maior produtor na África.
Apesar das reiteradas negativas oficiais da Rússia, as visitas diplomáticas de alto nível continuam entre os dois países.
Em fevereiro de 2023, o chanceler Sergei Lavrov finalizou seu giro africano com uma visita ao Sudão, onde insistiu em acabar com as sanções impostas pelas Nações Unidas, elogiando os esforços de Cartum “para atrair investimentos russos”.

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