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A cada 96 minutos, um pedestre morre vítima de acidente de trânsito no Brasil

O país registra, em média, 15 mortes de pedestres em acidentes de trânsito no Brasil diariamente. O número equivale à queda de um avião Boeing com a perda de todos os passageiros mensalmente. Os dados fazem parte de um levantamento exclusivo feito pelo R7, com base em informações disponibilizadas pelo Ministério da Saúde.

Lesões de trânsito são consideradas “um grave problema de saúde pública global, gerando elevada demanda por atendimentos e internações, especialmente em UTIs”, diz Ministério da Saúde

Lesões de trânsito no Brasil são consideradas “um grave problema de saúde pública global, gerando elevada demanda por atendimentos e internações, especialmente em UTIs”, diz Ministério da Saúde – Foto: Freepik/ND

Entre 2014 e 2023, mesmo que os números ainda sejam preliminares, foram 60,8 mil mortes de pedestres no trânsito. As maiores vítimas foram pessoas entre 50 a 59 anos, que somam pouco mais de 10 mil mortes. Nesse intervalo, contudo, a quantidade de ocorrências fatais com pedestres no país caiu 30%.

Até o fim da década, a ONU (Organização das Nações Unidas) espera que as mortes no trânsito em todo o mundo diminuam 50% em relação ao período anterior, entre 2011 a 2020. O Ministério da Saúde reconhece as lesões de trânsito como “um grave problema de saúde pública global, gerando elevada demanda por atendimentos e internações, especialmente em UTIs”.

Redução de acidentes fatais é trabalho coletivo

Para o professor de medicina legal da UnB (Universidade de Brasília) e ex-diretor do IML (Instituto Médico Legal), Malthus Galvão, é necessário um olhar duplo voltado para os motoristas e para os pedestres, atuando em diversas frentes para conseguir reduzir o número de acidentes fatais de trânsito no Brasil.

Para Galvão, seria necessário um diagnóstico dos principais motivos que levam aos acidentes fatais no trânsito no Brasil. Isso é fundamental na construção de ações concretas voltadas diretamente para esses problemas.

“Por isso, precisamos pensar também no aspecto da engenharia de trânsito, pensar em soluções que não expõem o pedestre a risco. Devemos lembrar que o pedestre é o mais vulnerável em relação a qualquer outro veículo. E mesmo quando o acidente não é fatal, ele pode deixar lesões graves e incapacitantes”, diz.

O professor defende, no entanto, que a imprudência do trânsito no Brasil deve ser combatida. Por exemplo, basta ao pedestre andar 20 metros para chegar a um semáforo ou a uma faixa, em vez de se arriscar em uma travessia sem segurança.

“Por isso, a engenharia de trânsito no Brasil precisa pensar em soluções melhores, eficazes e com abordagens educativas. E claro, sempre deixar o alerta: o pedestre é quem mais sofre dano em atropelamento, ou seja, ele precisa ter consciência disso para não se arriscar”, pontua.

Homem morreu ao tentar atravessar a BR-101 em Araquari, no Norte de Santa Catarina

Homem morreu ao tentar atravessar a BR-101 em Araquari, no Norte de Santa Catarina – Foto: Google Maps/ND

Limite de velocidade no trânsito no Brasil

Para o secretário executivo do MDT (Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos), Wesley Ferro Nogueira, os indicadores de segurança trânsito no Brasil podem não ser atingidos conforme os preceitos da ONU, de redução pela metade dos mortos e feridos, porque é preciso investir em vários aspectos. Um deles é a redução da velocidade no trânsito no Brasil.

“A vida é incompatível com a velocidade praticada principalmente em áreas urbanas e centrais das cidades”, observa. A chamada curva de Ashton, por exemplo, avalia a relação do aumento da velocidade com a mortalidade dos sinistros de trânsito no Brasil. Ela aponta que quando um carro está a 30 km/h, quase todos os atropelados sobrevivem. Mas quando o veículo ultrapassa 60 km/h, quase todos morrem.

Nogueira analisa que reduzir a velocidade nem sempre tem um impacto significativo no tempo de viagem do motorista, mas pode aumentar consideravelmente a chance de sobrevivência de uma vítima de sinistro de trânsito no Brasil. “É preciso investir em medidas que chamamos de acalmamento de tráfego, principalmente nos locais com maior incidência e risco de colisões. Também é necessário estabelecer processos de travessia segura, com respeito às faixas, e reforço do processo de fiscalização”, afirma.

O especialista defende também o incentivo a outros meios de transporte. “Se você fortalece o transporte público e os modais ativos, você contribui para a redução de sinistros, melhora a qualidade do ar, com menos emissão de gás carbônico, e gera menos veículos nas vias e menos riscos de colisão. No país como um todo, precisamos ter o pensamento de visão zero: em que nenhuma morte é aceitável no trânsito”, afirma Nogueira.

O secretário executivo do MDT reforça, ainda, que as fábricas de veículos também podem contribuir. Isso porque há uma tendência da indústria do setor de investir cada vez mais em veículos pesados, com frotas de carros cada vez maiores. Assim, haveria um risco maior para pedestres e motociclistas.

Ciclista de 18 anos foi atropelado por caminhão na SC-447, em Araranguá

Ciclista de 18 anos foi atropelado por caminhão na SC-447, em Araranguá – Foto: Google Street View/ND

“Essa tendência é um perigo para a segurança viária, porque veículos de grande proporção, com altura excessiva, podem causar mais danos às vítimas. Estamos investindo cada vez mais em veículos com alta tecnologia, com preocupações para quem está na direção, mas esquecendo que também precisamos pensar em quem está fora do veículo”, defende.

Edução voltada aos pedestres

Na avaliação do especialista em trânsito no Brasil, Wellington Matos, é preciso mudar as perspectivas da educação de trânsito. Um exemplo: o brasileiro só tem contato com o trânsito quando vai tirar habilitação, ou seja, com pelo menos 18 anos.

“O certo seria ele ter contato pelo menos com algumas áreas desde cedo, porque o pedestre faz parte do trânsito: quando ele está caminhando, quando está de passageiro, ciclista, no patinete ou no skate, ele sempre está lidando com questões do trânsito”, afirma.

Matos pondera que o pedestre tem direito e deveres, mas normalmente eles conhecem alguns direitos e quase nenhum dever. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo, o pedestre que estiver a até 50 metros de uma passarela, passagem subterrânea ou faixa de pedestre, deve usar o recurso.

“É importante que o pedestre tenha esse tipo de conhecimento e entenda também sobre sinalização, como se atravessa uma rua e vários aspectos da mobilidade. Tem pedestre que atravessa a rua em diagonal, sendo que quanto mais tempo ele fica na faixa de rolamento, maior o risco de ser atropelado”, exemplifica.

“Se o condutor [habilitado] que recebeu o treinamento teórico e foi testado por examinadores cometem tantos erros, imagina o pedestre que nunca recebeu nenhuma orientação”, completa.

“O especialista acrescenta, por exemplo, que o pedestre muitas vezes desconhece o lado que o ciclista anda ou, quando está com bicicleta, não usa os equipamentos adequados de segurança. O pedestre precisa conhecer essas regras”, pontua Matos.

Entre 2014 e 2023, cerca de 60,8 mil pedestres morreram em acidentes de trânsito no Brasil

Entre 2014 e 2023, cerca de 60,8 mil pedestres morreram em acidentes de trânsito no Brasil – Foto: Freepik/ND

O que está sendo feito?

Questionado sobre o tema o alto índice de mortes de pedestres em acidentes de trânsito no Brasil, o Ministério dos Transportes disse que realiza diversas ações de forma integrada. As principais são:

  • Adequação da infraestrutura viária, como aprimoramento e ampliação das faixas de pedestres e das travessias elevadas para transposição de vias (conhecidas como passarelas), melhoria da iluminação pública nas áreas urbanas e nas proximidades das vias, entre outras medidas;
  • Gestão da velocidade em locais críticos de alta sinistralidade e circulação de pedestres, com implementação de lombadas físicas e eletrônicas e instauração de zonas cuja velocidade máxima é reduzida à 20 ou 30 km/h (medidas conhecidas para acalmamento do trânsito);
  • Campanhas educativas para fomentar a educação para o trânsito, a adoção de comportamentos mais seguros e a conscientização dos usuários das vias;
  • Operações de fiscalização, que contam com a utilização de tecnologia e inovação para monitoramento e controle de tráfego, bem como sistemas inteligentes de fiscalização eletrônica para autuação efetivas das infrações;
  • Atuação coordenada e sinérgica de órgãos e entidades das esferas federal, estadual e municipal, e de instituições privadas, visando a realização de uma gestão integrada e mais robusta da segurança viária”.

A pasta reforça que todas as atividades citadas estão alinhadas com o Pnatrans (Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito), que prevê a redução de 50% da mortes até 2030, além do desenvolvimento de diretrizes estratégicas pelos órgãos de trânsito.

O ministério disse também que a redução de mortes, entre 2014 e 2023, em acidentes de trânsito no Brasil, foi fruto da série de ações do governo. E que o intuito é intensificar o que já está sendo realizado, “com enfoque na preservação da vida e na segurança viária”.

“Sabemos que o desafio ainda é grande, mas acreditamos que utilizando o Pnatrans como a principal política pública balizadora em prol da segurança no trânsito, o objetivo de reduzir o número de mortes e lesões no trânsito se torna factível”, destaca o Ministério dos Transportes.

Em nota, a pasta acrescentou não poder admitir “que vidas continuem sendo perdidas nos sinistros” de trânsito no Brasil.

“Portanto, é essencial que este trabalho seja mantido de forma séria, contínua e eficaz, pois nenhuma morte no trânsito é aceitável. Assumimos que a principal prioridade é a vida humana, sempre, e reduzir as mortes no trânsito exige compromisso político, recursos financeiros adequados, aplicação de tecnologia, fiscalização eficaz e, acima de tudo, a participação ativa de todos os responsáveis, incluindo a sociedade, pois cada ação conta e a responsabilidade é compartilhada entre todos.”.

*Com informações do R7.

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