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Da várzea às salas de aula em SC: a trajetória de Walter Maldonado até o Prêmio Jabuti

Foi em uma sexta-feira à tarde, na Biblioteca Pública de Santa Catarina, que tive a chance de conhecer a trajetória de Walter Maldonado, o Waltinho, escritor, morador de Florianópolis há 25 anos, empresário e ótimo chefe de cozinha para os amigos, que colocou seu livro “Vão” entre os cinco melhores livros do país na categoria “Escritor estreante – Romance” do Prêmio Jabuti na edição de 2024.

Walter Maldonado

Criador e criatura: obra de Walter Maldonado está disponível nas livrarias e em plataformas como a Amazon – Foto: Germano Rorato/ND

A escolha do cenário da entrevista foi pensada por um motivo: para que pudesse relembrar e contar as várias etapas vividas até a conquista do reconhecimento nacional. Com simpatia e simplicidade, evidentes durante a conversa de quase duas horas e nas 196 páginas do livro, ele torna a entrevista um grande bate-papo.

O encontro foi marcado por risadas, emoções e muitas histórias. Vestindo jeans, camiseta preta e sorrindo, já no “boa tarde” animado, evidenciou que aquela seria uma entrevista para ficar guardada na memória. Em cada situação, prendeu a atenção da equipe.

Filho caçula de uma família com quatro irmãos, Walter nasceu em Bauru, no interior de São Paulo. Entretanto, a maioria das lembranças estão em Piratininga (SP), até a mudança para Florianópolis, há cerca de 25 anos. O amor pela leitura foi influência dos irmãos e do pai.

Apegado à família, optou por mudar de Estado também para ficar mais próximo deles.

A primeira tentativa de graduação foi no direito, formação logo deixada de lado para seguir os estudos em letras. Entretanto, foi no curso de jornalismo que conseguiu se encontrar. Até que a vida colocou como opção a rotina em uma redação ou em sala de aula, e a escolha foi pela segunda, onde Walter se realizou, ensina e aprende diariamente.

As lembranças do tempo de criança, o processo de criação da obra, o reconhecimento nacional do livro e a relação com a filha Luísa, de 13 anos, são assuntos que Walter aborda com lágrimas nos olhos.

Entre o vão literário e o interior de cada um

Lançado em maio de 2023, “Vão” tem como ponto de partida um prédio com quatro andares e 16 apartamentos, 15 deles habitados. A trama se dá a partir de um vão central que une todos os moradores, e a ligação entre os personagens ocorre após todos ouvirem, de dentro dos seus banheiros, três gritos vindos deste espaço, despertando nos indivíduos a curiosidade de descobrir a origem dos sons.

“Uma vez, passei pelo quarto da minha filha e vi minha ex-parceira lendo um livro para ela. Por uma fresta na porta, percebi que eu as via, mas elas não. Foi ali que toda a história começou a se construir”, conta o autor.

Mas engana-se quem pensa que a história tem como foco apenas o que acontece dentro das residências. Na verdade, a forma de agir de cada figura e a relação com o vão são convites para repensar o que somos, nossas escolhas e a ligação com as lacunas interiores.

“Cada um dos personagens era como se fosse um estado de espírito. Então, você tinha, entre tantos, uma menina que é uma montanha-russa de emoções, um sujeito que é o macho-alfa, um ligado ao exoterismo e uma mulher deprimida pelas escolhas da vida, por exemplo”, explica o autor.

Produzido em uma época em que todos estávamos “ensimesmados”, como rotula o escritor, referindo-se à pandemia, o processo de uma autoavaliação foi compartilhado por meio de perfis e como cada um dos personagens enxergava a vida — reflexão capaz de instigar e mexer com diversos leitores.

“Tem gente que se depara com aquilo e se reconhece, se alivia. Temos uma mania de imaginar que todos os encontros com os nossos vazios são doídos, e nem sempre são.”

“Acredito que escrever não é sobre o autor. Acho que é a vida como um todo, é como você lê, não um livro, como você lê as pessoas, como você lê o mundo de uma forma geral.” Walter Maldonado, professor e escritor, autor de “Vão”, finalista do Prêmio Jabuti em 2024 – Foto: Germano Rorato/ND

A maior realização de uma vida

Por mais que a inscrição para o Prêmio Jabuti tenha sido feita sem pretensão de ganhar – Walter conta que a intenção era a de reorganizar a própria vida ou “questão de autoestima”, e cada etapa da seleção foi marcada pela emoção. Ele relembra o momento em que viu seu nome na lista de finalistas.

“Eu gritava, chorava. A funcionária que estava lá em casa ligou para a minha irmã e disse: ‘Seu irmão está tendo um ataque cardíaco’. Em minutos, entra a minha irmã pela porta: ‘O que aconteceu?’, e eu digo que sou finalista do Prêmio Jabuti. Isso, para mim, já era surreal.”

No dia da premiação, 19 de novembro último, dia do aniversário da filha Luísa, a alegria de estar junto dela e de outros profissionais reconhecidos era evidente. Naquele momento, era difícil não lembrar das primeiras leituras e escritas, na infância e na adolescência.

“Eu sou um menino de Piratininga (SP) que ia pegar livros na biblioteca. O esquisito que ficava lendo na pracinha. E aí você vai para um lugar com a ‘nata’ da literatura… Eu era o mais feliz, disparado”, conta Walter, visivelmente emocionado. O livro vencedor foi “Os Náufragos”, de Patrícia Larini, da editora Patuá.

Proximidade com a leitura

Sobre a familiaridade com os livros, relembra que a família encontrou nas histórias uma forma de prender a atenção dele quando garoto. “Quando fazíamos uma viagem para o Litoral de São Paulo, que era um caminho longo, eu saía de casa e já perguntava: ‘Chegou?’.  Quando pequeno, eu era um moleque muito chato. Um dia, uma irmã me deu um gibi da Turma da Mônica e a família toda percebeu que fiquei em silêncio. Aí eu passei a sempre ganhar livros e gibis.”

Walter tem como inspiração autores como Machado de Assis, por exemplo, a quem lê desde a adolescência. “Acredito que escrever não é sobre o autor. Acho que é a vida como um todo, é como você lê, não um livro, como você lê as pessoas, o mundo de uma forma geral.”

Seu processo criativo se dá nos questionamentos, sem esquecer das situações vividas no cotidiano, aquilo que, na maioria das vezes, passa despercebido. É após observar o “comum”, que elabora as crônicas e as obras.

Da cobertura do futebol de várzea às salas de aula

Durante a faculdade, conciliou os dias entre o estágio em uma redação jornalística, cobrindo o futebol de várzea, e a rotina em um colégio, corrigindo redações.

Porém, desde os primeiros textos entregues aos editores, o padrão dele não era como o de outros jornalistas — sempre acreditou em uma linguagem que pudesse ser mais próxima do público, tendo como uma das influências jornalísticas Nelson Rodrigues. “Entendi que há uma necessidade do texto subversivo enquanto estrutura, dentro da estrutura do jornalismo.”

A passagem pelo jornalismo foi breve e intensa – durou dois anos. Até que surgiu o convite para ser professor. “Lembro de quando entreguei o pedido demissão para o meu editor-chefe. O ombro dele caiu e ele olhou para mim e disse: ‘Nunca vi tanto desperdício de talento numa pessoa só’”, conta.

O mesmo vínculo com a educação continuou em Florianópolis, fazendo com que o profissional coordenasse as próprias turmas — já são mais de 50 mil alunos em 25 anos nas salas de aula. O último desafio foi quando aceitou dar aula no colégio onde a filha estuda, motivado pelo desejo de compartilhar o amor pela leitura e também para passar mais tempo ao lado dela.

Filha é quem impulsiona criações

Para aqueles que tomam o desafio de traduzir sentimentos em palavras, há sempre alguém que segue na memória, como se fosse o ponto de partida para as criações. No caso do escritor, a filha Luísa é quem impulsiona boa parte das criações, no livro ou nas crônicas.

As lágrimas correm até mesmo quando lê um capítulo do livro inspirado nela. “A frase que eu tenho para a Luísa é: ‘Filha, se eu não te conhecesse, eu adoraria te conhecer’.”

Com uma dedicatória para ela em “Vão”, Walter se emociona ao lembrar do desejo que tinha pela paternidade, ainda na adolescência, contando que partilhar a vida com a filha é uma experiência fora do comum. “A Luísa é o motivo de eu viver”, constata.

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