Um mês após o crime, o médico e professor da USP Júlio Navarro disse na carta que a Polícia de SP age com “violência extrema contra pessoas pobres”, além de criticar as manifestações públicas de Guilherme Derrite e Tarcísio de Freitas sobre o assassinato. O presidente Lula e o médico Júlio Navarro durante o enterro do filho, assassinado em 20 de novembro por agentes da Polícia Militar de São Paulo.
Montagem/g1/Ricardo Stuckert/Paulo Pinto/Agência Brasil
O médico e professor da USP Júlio Navarro, pai do estudante de Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos – morto por policiais militares durante uma abordagem em um hotel de São Paulo, em novembro – enviou nesta semana uma carta ao presidente Lula (PT) criticando a demora da Justiça e do governo de São Paulo na punição dos policiais envolvidos no crime.
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Em tom desesperado e bastante emotivo, Navarro disse ao presidente que “cada manhã que acorda e não encontra o garoto em casa”, ele sente “dor dilacerante, angústia e a raiva, de lembrar as últimas imagens dele pedindo salvá-lo”.
“Hoje não tenho vida nem essência. Nada. Um fantasma vale mais, porque ele tem alma e eu não mais. A dor levaremos a vida toda até o final da nossa existência porque será o designo dos deuses, mas a angústia, a humilhação e raiva contra os criminosos em busca da ‘Justiça dos homens’ é o último que me resta agora. Os policias militares Guilherme Augusto Macedo e seu comparsa Bruno Carvalho do Prado, que em maior número, maior tamanho, treinamento militar, superprotegidos e armados com todas as armas atiraram cobardemente a queima roupa no meu filho que usava um short e um chinelo por opção de sua personalidade”, disse.
Estudante de Medicina Marco Aurélio e o pai
Reprodução/Arquivo pessoal
Na carta, o professor da USP afirmou que o filho foi assassinado “da maneira mais cruel e covarde pelo Estado de São Paulo” e pelas “mãos de membros da PM e cumplicidade da toda a hierarquia superior” da Segurança Pública de São Paulo.
“Somente que pelo que vi com muita dor nestes trinta longos dias de uma Justiça sem tempo, os assassinos não sendo presos, os chefes da PM dando declarações a grande mídia com falsidades sobre o meu filho e outros dando risadinhas passeando em jatos particulares”.
“Apelo ao Sr. Presidente, minha última esperança para aliviar a dor da minha família, de outras mais e poder amanhã salvar nossos próprios filhos”, declarou.
Marco Aurélio Cardenas Acosta tinha 22 anos e cursava Medicina em uma universidade particular. Segundo a família, ele era um rapaz amoroso, que se formou no ensino médio aos 15 anos e escolheu seguir o caminho profissional dos pais.
Críticas a Derrite e Tarcísio de Freitas
O secretário da Segurança Pública de SP, Guilherme Derrite (PL), atrás do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Rogério Cassimiro/Secom/GESP
A carta enviada pelo pai ao presidente Lula foi compartilhado com jornais estrangeiros como The New York Times, Washington Post, The Guardian e Le Monde.
Nela, o professor da USP – que é peruano e mora há anos com a família do Brasil – criticou as manifestações públicas do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PL), e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre o crime.
“Nesse inferno de fatos, ressalto a figura do Secretário de Segurança SP Guilherme Derrite, chefe superior da PM que apesar de ser um oficial com antecedentes e frases incentivando a morte e violência, paradoxal e inexplicavelmente, é o responsável pela segurança dos cidadãos. Ainda na sua primeira manifestação pública, após se esconder da mídia, Derrite definiu o trabalho dele como ‘o bem’ e as denúncias e reclamações pelos crimes da PM como a minha, com esta carta, define como ‘o mal’. Derrite mais parece um palhaço tirado dos tempos da Inquisição”, afirmou.
“O sr. governador Tarcísio de Freitas, celebre pela sua crueldade e desprezo pelo sofrimento de famílias, desafiando até a ONU, se burlando do público e afirmando publicamente que não estava ‘nem aí’ incentivando a mais assassinatos pela PM sobre a gente humilde. Tarcísio após 40 horas de pressão total de toda a mídia do país pelo covarde crime de Marco Aurelio anunciou um lamento público hipócrita e uma promessa de punição severa aos culpados. (…) Tarcísio não disse quando faria isso”, declarou.
Na época que as imagens do crime vieram a público, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) que os PMs envolvidos no assassinato foram afastados de suas funções até o final das investigações, mas continuam soltos.
Como foi o crime
Novas imagens mostram estudante de medicina antes de ser morto por PM em SP
Morto com um tiro à queima-roupa durante uma abordagem policial na madrugada de 20 de novembro, o jovem Marco Aurélio Cardenas Acosta estava no quinto ano do curso de medicina na Universidade Anhembi Morumbi.
Segundo a versão da polícia, a confusão começou quando o estudante deu um tapa no retrovisor da viatura e correu para o interior de um hotel na Vila Mariana, na Zona Sul da capital, onde estava hospedado com uma mulher (leia mais abaixo).
Ele era o filho caçula de um casal de médicos peruanos naturalizados brasileiros que se mudou para cá há mais de duas décadas.
Segundo a mãe, a intensivista Silvia Mônica, o rapaz nasceu prematuramente e concluiu o ensino médio com apenas 15 anos.
Marco Aurélio Cardenas Acosta, estudante de medicina morto pela PM em SP
Reprodução/Instagram
A família conta que ele chegou a ser aprovado no vestibular para cursar direito, mas escolheu seguir o caminho dos pais e do irmão Frank, na medicina.
“Ele era um bom irmão, um bom filho, uma pessoa muito querida”, descreveu Frank Cardenas.
Às lágrimas, a mãe usou os termos “generoso” e “amoroso” para descrever o caçula. “Era meu filho mais amado, nasceu com 1,3 kg, quando eu já estava velha”, contou.
Marco era atleta do time de futebol do curso de medicina. Nas redes sociais, a faculdade publicou mensagem de condolências.
“Neste momento de imensa dor, nos solidarizamos com seus familiares, companheiros de time e colegas, que perderam não apenas um companheiro de jornada, mas também um amigo. Que sua memória seja sempre lembrada com carinho e que sua trajetória inspire todos nós.”
Enterro no Cemitério Gethsemani Morumbi, do estudante de medicina Marco Aurelio Cardenas Acosta, assassinado pela PM de São Paulo.
Paulo Pinto/Agência Brasil
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Os tiros
Marco foi baleado na escadaria de um hotel na Rua Cubatão, na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. A ação foi registrada por uma câmera de segurança, por volta das 2h50 (veja abaixo).
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Os PMs Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado estavam em patrulhamento pelo bairro quando o estudante, de 22 anos, teria dado um tapa no retrovisor da viatura e fugido.
Segundo o boletim de ocorrência, o jovem correu para o interior do Hotel Flor da Vila Mariana, onde estava hospedado com uma mulher. Os policiais relataram que ele estava bastante alterado e agressivo.
Nas imagens, é possível ver que o jovem entrou no saguão do hotel sem camisa e foi perseguido pelos policiais. Um dos agentes tentou puxar Marco Aurélio pelo braço, enquanto o outro o chutou. Em seguida, o estudante segurou a perna do policial, que caiu no chão.
Durante a confusão, o PM Guilherme atirou na altura do peito do estudante. No boletim de ocorrência, os policiais alegaram que o jovem teria tentado pegar a arma de Bruno.
O jovem foi socorrido e encaminhado ao Hospital Ipiranga, onde teve duas paradas cardiorrespiratórias e passou por uma cirurgia. Contudo, ele não resistiu aos ferimentos e morreu por volta das 6h40.
Na quarta, Marco Aurélio havia alugado, por uma hora, um quarto do hotel para levar uma garota de programa. Segundo o depoimento da mulher, eles se conheciam há dois anos. Momentos antes dos policiais aparecerem, eles estavam discutindo. Ela também relata que o estudante teria a agredido.
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Claudio Silva, ex-ouvidor das Polícias de São Paulo, afirmou que a ação é “mais um reflexo da lógica que está instalada no estado de São Paulo, de polícia que mata. Polícia que não respeita a vida”.
Segundo ele, é possível ver, pelas imagens da câmera de segurança, que “os policiais estão numericamente superiores à pessoa abordada, e o abordado, sem camisa, então, desarmado. E os policiais não fazem o uso progressivo da força, como está determinado por normas internas da própria Polícia Militar, então o uso excessivo da força foi feito. Isso culminou com a morte daquele jovem abordado”.
O caso foi registrado no Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) como morte decorrente de intervenção policial e resistência.
Durante a abordagem, os policiais estavam com as câmeras corporais acopladas ao uniforme. Entretanto, no BO, é informado que os agentes não usaram o equipamento.
Procurado pelo g1, o hotel preferiu não comentar o caso.
Enterro no Cemitério Gethsemani Morumbi, do estudante de medicina Marco Aurelio Cardenas Acosta, assassinado pela PM de São Paulo (22/11/2024).
Paulo Pinto/Agência Brasil