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Antes mesmo do ano acabar, número de mortes por intervenção policial quase dobra em Sorocaba


Número é 85% maior do que o registrado no ano passado inteiro. 40% das vítimas têm entre 15 e 19 anos. Estado diz que não compactua com excessos ou desvios de conduta. Câmera corporal em uniforme de policial militar do Estado de São Paulo.
Divulgação/Secom/GESP
A Polícia Militar foi responsável por pelos menos 13 mortes, entre janeiro a outubro de 2024, em Sorocaba (SP), apontam dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP). O número é 85% maior do que o registrado no ano passado inteiro, quando sete pessoas foram mortas em ações policiais.
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Desde 2020, o estado de São Paulo é palco de uma crescente no número de mortes causadas por policiais, sejam civis ou militares (veja no gráfico abaixo).
Para o ex-ouvidor da PM, Claudio Aparecido da Silva, os dados são a soma de diversos problemas e falhas das políticas de segurança pública. “A política que está sendo empregada no estado de São Paulo é política do ‘libera geral’ para a polícia e para a tropa. E esse libera geral tem suas consequências.”
“Hoje existe uma política de morte em curso no Estado de São Paulo. E essa política de morte é quem dirige essa subjetividade e dirige a política no estado”, acrescenta Claudio.

Sorocaba
Em Sorocaba, 123 pessoas morreram em decorrência de intervenção policial nos últimos 11 anos. Os dados divulgados pela SSP ainda não contabilizam mortes registradas em novembro e dezembro de 2024 e, por tal motivo, as estatística ainda devem subir.
Recentemente, o g1 noticiou que três homens morreram durante confronto com a Polícia Militar na zona norte de Sorocaba. Essas mortes ainda não aparecem nos dados consolidados da SSP.
O assalto aconteceu na Avenida Itavuvu. O grupo tentou fugir em um carro e trocou tiros com policiais do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) no bairro Carandá, depois de atingir um trailer na Rua Abdias Ribeiro Dos Santos.
Em vídeos gravados por moradores da região, é possível ver a perseguição policial de carro e ainda ouvir os disparos de armas de fogo. Assista abaixo.
Criminosos suspeitos de assalto são mortos após troca de tiros com a PM em Sorocaba
Em novembro, um homem suspeito de integrar uma facção criminosa morreu baleado durante uma operação do 14º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) na região do bairro Jardim Vera Cruz, em Sorocaba.
De acordo com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o homem exercia função na alta cúpula da facção e era procurado pela Justiça pelo crime de homicídio e tinha diversas passagens por diferentes crimes.
O suspeito estava em um carro e tentou fugir no momento da abordagem, mas acabou batendo em uma viatura. Ele resistiu à prisão e foi baleado pelos policiais.
Suspeito de integrar facção criminosa morreu durante operação do BAEP em Sorocaba (SP)
Tom Dias/TV TEM
Das 123 mortes ocasionadas por intervenção da PM em Sorocaba, 91% (75) foram ocasionadas por policiais durante o expediente e apenas 9% (sete) por agentes de folga.
Mais de 68% (56) dessas mortes ocorreram em vias públicas da cidade e 18,6% dentro de residências, segundo dados da SSP.
O g1 também analisou os dados SSP dos últimos 11 anos para traçar um perfil das vítimas na cidade de Sorocaba. Confira:
O levantamento aponta que 58,8% (89) das pessoas mortas pela PM eram brancos;
32,3% (47) eram pardos;
7,8% (11) eram pretos;
Os registros ignoraram ou não especificam a cor de 1% das vítimas.
Para o ex-ouvidor Claudio Aparecido da Silva, as vítimas de violência policial não têm perfil, pois “ninguém está livre da truculência policial como a gente tem visto nos últimos 15, 20 dias. Nem preto, nem branco, nem pobre, nem rico. Nem a população da cidade e nem a população do campo.”
“O estado que deveria nos proteger tem promovido exatamente o inverso, a desproteção e a desordem.”

Jovens são as maiores vítimas
Os dados também mostram que, em Sorocaba, a maior parte das vítimas é composta por adolescentes e jovens entre 14 e 19 anos. As mortes nessa faixa etária se aproximam de 40%. Na sequência, aparecem os jovens entre 20 a 24 anos – que representam 23% das mortes por ação da polícia.
Já os casos entre 25 e 29 anos correspondem a pouco mais de 15%. O restante das faixas etárias correspondem a 22% das mortes.
Morte, luto e depressão: “Nada preenche o vazio”
Juliana Maria e o filho Howan Oliver, morto durante ação policial de janeiro de 2024, em Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
A foto de perfil do WhatsApp da dona de casa Juliana Maria Moraga Ramos, de 41 anos, mostra que ela ainda está de luto, mesmo quase um ano após a morte do filho, durante uma ação envolvendo policiais militares no bairro do Éden, zona industrial de Sorocaba. Mais do que isso. Ela está com depressão em função da perda.
Howan Oliver Steven de Oliveira, à época com 19 anos. “Tem muita coisa que prova que a polícia foi para executar meu filho. Em nenhum momento a polícia quis prender. A polícia chegou atirando”, afirma.
Ela diz ainda ainda que uma pessoa que viu o crime não foi considerada como testemunha porque teria fugido do local do crime. “Ele ia ficar pra morrer? Então, o juiz não entende”, desabafa.
“Com a morte do meu filho, eu me sinto uma pessoa derrotada, porque eu não pude fazer nada para defender meu filho (…) As polícias estão fazendo como pena de morte, porque não deu tempo para o meu filho ser julgado da maneira que deveria.”
Ela diz também que enfrenta o luto, a depressão e os desafios de cuidar de dois filhos especiais.
“A depressão não deixa eu trabalhar, não deixa eu levar ele [outro filho] na terapia. Tenho crise de ataque de pânico, crise de ansiedade. Saio vomitando, solto a barriga, perco a força nas pernas quando vejo a polícia. Me sinto horrível, horrível! Tem dia que eu falo pra Deus porque que eu existo ainda, se quem eu podia defender eu não consigo defender. Nada que eu faço muda, nada preenche o vazio do meu coração.”
Juliana também fala em indignação. Ela entrou na Justiça contra o Estado, questionando a morte do filho. “Eu tô tentando fazer justiça. Tenho muita coisa que prova que o meu filho foi executado de maneira cruel. Ele estava de joelho, porque ele tomou um tiro de cima para baixo, no coração”, lembra.
O processo segue em tramitação na Justiça.
Faltam câmeras corporais
Para contornar esses problemas, Claudio defende o uso de câmeras corporais pelos policiais. Conforme ele, o equipamento é bom para a comunidade e para os próprios policiais.
“As câmeras corporais são uma política tecnológica que vieram para ficar. Nós não temos nenhum dúvida de que as câmeras corporais garantem aos bons policiais, legitimidade para a sua ação, segurança jurídica e valorizam o policial que atuam dentro dos procedimentos operacionais padrão. Pra comunidade, ela se sente mais segura e é civilizatória no sentido de fazer com a comunidade se comporte da melhor forma diante de um policial.”
Uma decisão do do ministro Luís Roberto Barroso, Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o uso das câmeras corporais em todas as operações da Polícia Militar de São Paulo.
A decisão atende a um pedido da Defensoria Pública do estado de São Paulo e Barroso tomou a decisão em meio a vários casos de violência policial registrados em São Paulo nas últimas semanas.
Os equipamentos, no entanto, estão em falta, segundo a Procuradoria Geral de São Paulo (PGE-SP). O estado, afirmam os procuradores, possui cerca de 80 mil PMs – em todos os turnos -, mas somente 10.125 equipamentos de gravação, sendo que metade precisa ser atualizada e recarregada durante os turnos.
Como funcionam as câmeras corporais da Polícia Militar de São Paulo
Arte/g1
Entenda como funcionam as câmeras corporais usadas pela PM de São Paulo
O que diz o estado
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) foi questionada sobre os números. A pasta afirmo que “não compactua com excessos ou desvios de conduta, punindo exemplarmente aqueles que infringem a lei e desobedecem aos protocolos estabelecidos pela pasta”.
Ainda disse que “os números refletem o rigor das investigações conduzidas pelas corregedorias das polícias, que atuam de forma estruturada e independente para garantir que nenhuma irregularidade fique impune”.
Por fim, a pasta informou que desde o início do ano passado, mais de 280 policiais foram demitidos e expulsos, enquanto um total de 414 agentes foram presos.
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) tem um painel onde acompanha os casos de morte por intervenção policial no estado. No site é possível fazer denúncia sobre esse tipo de ocorrência ao Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp).
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