Governo federal lançou mais um mutirão de renegociação de dívidas. Volta do ciclo de alta de juros e falta de planejamento financeiro são pontos de atenção. Endividamentos dívidas
Caíque Rodrigues/g1 RR/Arquivo
Os juros elevados, somados à falta de planejamento financeiro das famílias, já têm se refletido no mercado de crédito.
Segundo dados compilados pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 85% dos consumidores que estavam no cadastro de negativação em outubro eram reincidentes, ou seja, já haviam ficado inadimplentes nos últimos 12 meses.
O levantamento ainda apontou que o tempo médio de vencimento de uma dívida para outra é de 75,5 dias (aproximadamente 2,5 meses, em média).
Nesta segunda-feira (16), o governo federal lançou mais um mutirão de renegociação de dívidas. Pode ser um bom momento de tentar tirar o nome do vermelho, mas, antes, veja dicas de como se organizar para fazer um bom negócio.
Entenda nesta reportagem:
Qual o atual cenário da inadimplência no Brasil?
O que leva o devedor a voltar para o cadastro de negativação?
Como evitar voltar para o cadastro de inadimplente?
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Qual o atual cenário da inadimplência no Brasil?
Apesar de o nível da inadimplência no Brasil ter melhorado em relação ao ano passado, momento em que o país vivia uma taxa de juros de 13,75% ao ano, o cenário ainda traz preocupações.
Isso porque houve melhora do ambiente macroeconômico — com resultados melhores do que o esperado para a atividade brasileira e para o mercado de trabalho —, mas não representa uma mudança definitiva no perfil de consumo.
Os últimos dados divulgados pelo Banco Central do Brasil (BC), por exemplo, indicam que o endividamento total das famílias atingiu 48% em setembro deste ano.
O número representa uma redução em comparação ao mesmo mês do ano passado, quando o índice estava em 48,1%, mas ainda está longe dos patamares alcançados no período pré-pandemia. Em fevereiro de 2020, por exemplo, esse indicador estava em 42,1%.
Segundo a especialista em finanças da CNDL Merula Borges, parte do que explica esse cenário é o nível ainda alto das taxas de juros do país.
“Primeiro porque fica mais caro e mais difícil tomar crédito. E outro ponto é que, às vezes, alguma dívida que estava atrelada à Selic também pode acabar se ajustando com as novas altas de juros”, explica Borges.
“E como vemos, o endividamento das famílias ainda é alto. Isso significa que qualquer coisa que comprometa um pouco mais o orçamento vai fazer diferença na hora do pagamento”, completa a especialista.
Apesar de o BC ter promovido um ciclo de queda de juros entre agosto de 2023 e maio de 2024, o cenário já mudou. Depois de manter as taxas inalteradas durante três meses, a instituição começou um novo ciclo de alta em setembro. Na última reunião, o Copom elevou a taxa básica em 1 ponto percentual. Atualmente a taxa básica de juros, a Selic, está em 12,25% ao ano.
O que leva o devedor a voltar para o cadastro de negativação?
De acordo com as especialistas consultadas pelo g1, o principal fator que influencia a reincidência desses consumidores nos cadastros de negativação é a falta de organização e de planejamento financeiro.
“No geral, esses consumidores já têm um custo de vida maior do que o valor que recebem. Além disso, muitos acabam tentando sair do endividamento contraindo novas dívidas ou vendendo algo que já possuem. Mas o dinheiro acaba e o problema volta, porque é algo estrutural, de base”, afirma a educadora financeira Aline Soaper.
Ainda segundo o levantamento, por exemplo, o tempo médio entre o vencimento de uma dívida para outra é de 75,5 dias — o que significa que esse consumidor reincidente só consegue ficar cerca de 2,5 meses com o “nome limpo” antes de voltar a atrasar o pagamento de alguma conta.
Entre os devedores reincidentes:
60,8% ainda não tinham pagado dívidas antigas até outubro;
24,2% tinham saído do cadastro de devedores nos últimos 12 meses, mas retornaram; e
15% não tiveram restrições no CPF ao longo dos últimos 12 meses e, por isso, não foram considerados reincidentes.
Segundo Borges, da CNDL, a leitura da confederação é que muitos consumidores não conseguem cumprir os acordos que fazem quando renegociam alguma dívida, não por má-fé, mas por falta de organização.
“Muitas vezes, quando perguntamos se tem intenção de resolver esse cenário nos próximos meses, o devedor diz que sim. Mas quando perguntando se isso vai comprometer as despesas básicas dele, essa resposta também é positiva. E é isso o que dificulta”, diz.
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Como evitar voltar para o cadastro de inadimplentes?
Uma série de atitudes pode ajudar o consumidor a acertar sua vida financeira e não voltar para o cadastro de negativação. Veja abaixo.
📝 O primeiro passo está na organização do orçamento familiar.
“O primeiro passo é olhar para o custo de vida que essa pessoa tem. E custo de vida não é só aluguel, transporte e alimentação, é tudo o que envolve dinheiro. Vai desde os gastos de lazer e internet até o que ela gasta comendo na rua”, afirma Soaper.
A educadora financeira diz que outro ponto importante durante a organização do orçamento é saber que o salário mensal não é exatamente o valor cheio acordado na hora da contratação.
“Para quem é celetista, o valor que cai na conta é menor do que o valor cheio do salário porque já vem com os descontos de imposto de renda, eventualmente de um seguro de saúde ou de vale-transporte e alimentação”, explica.
💳 Já o segundo passo é conseguir sair das restrições de crédito com renegociações que sejam possíveis de honrar.
Um dos pontos fundamentais é que os novos acordos não comprometam as despesas básicas — ou seja, aqueles gastos fixos mensais necessários para sobrevivência, como aluguel, água, luz e mercado, por exemplo.
Para essa negociação dar certo, a ideia é que a família separe os gastos fixos da receita mensal e consiga uma parcela ainda menor do que o montante que sobrar.
➡️ Veja o exemplo abaixo:
Se a família tem uma renda mensal total de R$ 5 mil e gastos fixos e com despesas básicas de R$ 2,5 mil, o ideal é que a parcela de renegociação da dívida seja menor do que os R$ 2,5 mil restantes.
Dessa forma, a família conseguirá pagar a dívida sem comprometer toda a renda mensal — podendo, inclusive, ter dinheiro para manter as atividades de lazer ou para uma reserva de emergência.
Segundo Borges, da CNDL, outro fator que pode ajudar é juntar um valor mais significativo antes de propor uma renegociação da dívida.
“Além de separar o valor das despesas básicas, o consumidor também pode tentar cortar e reorganizar seus gastos. Se ele conseguir fazer sobrar algum valor ali, e juntar por um tempo, ele também pode conseguir dar uma proposta inicial. Isso pode diminuir a parcela da dívida ou até trazer condições melhores”, afirma.
As especialistas ainda reforçam que, caso o consumidor consiga implementar uma renda extra na família, é ainda melhor.
“Criar uma nova fonte de renda pode ajudar muito nessas horas. E não precisa nem ir muito longe, essa renda extra pode vir de horas extras trabalhadas na empresa ou na venda de alguma habilidade, seja em forma de produto ou serviço”, diz Soaper.
Veja algumas dicas abaixo.
Organize o orçamento. Separe um tempo com a família para entender quanto cada um contribui. Lembre-se sempre de considerar os valores líquidos, ou seja, o que realmente entra na conta, quais são os gastos fixos e as despesas básicas da família;
Opte por fazer uma renegociação com parcelas menores e que sejam mais fáceis de adequar ao orçamento familiar;
Se possível, crie uma nova fonte de renda para ajudar a quitar seus compromissos;
Use o menor volume de recursos de crédito possível. Se perceber que há uma tendência a extrapolar nos gastos com o cartão de crédito, por exemplo, evite usá-lo;
Evite linhas de crédito emergenciais, como o cheque especial e o rotativo do cartão, que são as mais caras do mercado;
Não comprometa as despesas básicas na hora de fazer a renegociação das dívidas. Isso pode evitar a reincidência no cadastro de negativação;
Faça perguntas ao seu credor quando necessário. Não tenha vergonha de tirar dúvidas com o banco sobre sua dívida ou sobre quais são suas opções e alternativas de pagamento.
Faça pesquisas em órgãos públicos e entidades de ajuda ao consumidor, como o próprio Procon, por exemplo. Muitas vezes eles têm iniciativas que ajudam quem está inadimplente;
Evite contrair novas dívidas para pagar débitos antigos;
Pense duas vezes antes de vender seus bens. “Isso é uma armadilha, porque uma hora a pessoa não tem mais o que vender e a dívida vai voltar”, diz Soaper;
Tenha consciência do valor líquido exato da sua receita mensal. Isso pode ajudar a evitar confusões sobre quanto você realmente tem para gastar.