Danilo Victor Campos da Silva morreu no dia 4 de dezembro de 2023, 12 dias depois de nascer na Maternidade Nossa Senhora de Nazareth. Um ano depois da partida dele, a mãe Daiane Campos luta para que a Justiça reconheça que a morte foi causada por negligência médica. Daiane Campos com o filho Danilo quando estava internado na UTI Neonatal.
Arquivo pessoal
“Se ele estivesse aqui, ele já teria um ano e nós estaríamos comemorando, eu estaria feliz”. O desabafo é de Daiane Campos, de 34 anos, que há um ano perdeu o filho, ainda recém-nascido. O bebê morreu na Maternidade Nossa Senhora de Nazareth, unidade de referência no estado, em Boa Vista.
No dia 4 de dezembro de 2023, Daiane lembra que viveu o momento mais difícil da vida dela: o primeiro filho, Danilo Victor Campos da Silva, morreu 12 dias depois de nascer na unidade. Um ano depois da partida dele, ela ainda vive o luto, enfrenta sequelas psicológicas e luta para que a Justiça reconheça que o que aconteceu foi negligência médica.
“Só Deus sabe o que eu passei, o que estou passando, o tanto que orei para que o meu filho ficasse bem e saísse daquela UTI com saúde. O pai dele também [orou], toda a nossa família. Ele foi muito amado e esperado por todos e hoje não está aqui”.
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Para ela, uma das piores dores é a falta que o filho faz no dia a dia da família, da criação de uma rotina com ele. Antes mesmo do nascimento, os pais já idealizavam a primeira festa de aniversário de Danilo, das brincadeiras que ele teria com os familiares e os eventos com a mãe, pai e os avós.
“Se ele estivesse aqui, ele já teria um ano e nós estaríamos comemorando juntos, eu estaria feliz porque a gente planejou muita coisa, planejamos a festinha dele de aniversário, os mesversários, já tinha uma viagem prevista pra gente fazer com ele, tudo. O enxoval que a minha mãe preparou com muito amor e carinho. Minha família estava totalmente pronta para receber ele”.
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O parto e a perda
Danilo Victor Campos da Silva nasceu no dia 22 de novembro de 2023, um mês antes do Natal, após um trabalho de parto de mais de cinco horas. Ele nasceu sem respirar e precisou passar por uma massagem cardiorrespiratória.
A mãe estava com nove meses de gestação quando foi internada na maternidade quatro dias antes do nascimento da criança, no dia 19 de dezembro de 2023. Na unidade, ela foi diagnosticada com diabete gestacional e hipertensão, doenças que podem causar complicações no parto.
Em denuncia ao g1, ela contou que apesar disso e mesmo após pedir uma cesariana, a equipe médica da unidade induziu o parto e forçou ela a ter o bebê de forma natural, o que trouxe sequelas para a criança. À época, a maior maternidade de Roraima funcionava sob uma estrutura de lona, instalações das tendas do hospital de campanha feito durante a pandemia da Covid-19.
Bebê ficou internado por 12 dias na maternidade de Roraima e não resistiu.
Arquivo pessoal
Respirando com a ajuda de aparelhos, a criança ficou internada na maternidade até o dia 4 de dezembro do ano passado, quando não resistiu e morreu. O menino era o primeiro filho de Daiane com o agora ex-marido, de 43 anos.
Na certidão de óbito consta que o bebê morreu por falta de oxigenação no parto, insuficiência renal aguda, encefalopatia — quando uma doença altera o funcionamento do cérebro —, além de redução de oxigênio ao tecido. Para Daiane, a morte dele foi causada por negligência no parto.
“Se não tivesse tido negligência meu filho estaria fazendo um ano”, disse Daiane Campos.
“Naquele momento eu quase morri, forçaram o meu parto, era para ser uma cesárea. O pior é que parecia que eu estava pressentindo tudo que iria acontecer. Eu fiz um apelo, só faltei me ajoelhar perante a equipe médica explicando que não tinha condições de ter o meu filho de forma natural, mas eles não atenderam o meu pedido”, ressaltou.
Em janeiro deste ano, um boletim de ocorrência sobre o caso foi registrado no 2° Distrito Policial pelo crime de omissão de socorro. Procurada pela reportagem, a Polícia Civil informou que um inquérito foi instaurado para esclarecer o caso e várias diligências estão em andamento.
A Polícia Civil isse ainda que as investigações incluem a oitiva das partes envolvidas e que estão sendo aguardados os laudos complementares solicitados pela autoridade policial.
“A Polícia Civil esclarece que as investigações estão em andamento, de forma ininterrupta, para o devido esclarecimento e conclusão dos trabalhos”, disse.
Sequelas físicas e psicológicas
Por conta do parto, Daiane Campos desenvolveu problemas de saúde como uma hérnia abdominal, uma protrusão parcial ou total de um ou mais órgãos por um “buraco” na parede abdominal, que causa constantes dores a ela.
A cirurgia é a única forma de corrigir a hérnia de forma permanente, mas Daiane ainda não foi chamada pela saúde estadual para fazer o procedimento e não tem condições de custear uma cirurgia em um hospital particular.
“Sinto muitas dores e preciso fazer a cirurgia com urgência porque está muito grande. Tomo vários remédios e a dor não passa nunca, parece que está rasgando por dentro, tem vezes que durmo com dor e acordo com dor. É terrível”, disse a mulher.
A hérnia foi descoberta durante um exame de ultrassonografia de abdômen feito na Policlínica Coronel Mota, administrada pelo governo, em abril de 2024. A Secretária de Saúde (Sesau) afirma que a paciente recebeu o laudo no mesmo dia do exame e que deveria ter procurado o médico que solicitou a ultrassonografia “para dar andamento ao tratamento e isso não ocorreu”.
“Informa ainda que no SISREG, sistema de dados utilizado pelo SUS, não há registro de solicitação de consulta com cirurgião geral, tampouco encaminhamento para cirurgia. Dessa forma, a Sesau orienta a paciente a retornar a uma UBS e dar início ao fluxo, que, até o momento não foi feito pela própria paciente”, disse a secretaria em nota.
Outro problema é a falta de um suporte psicológico, com acolhimento para mulheres que perderam os filhos. Daiane afirma que em um ano nunca recebeu apoio por parte do governo do estado, responsável pela maternidade.
“O governo nunca ajudou, a maternidade nunca ajudou em nada e como vocês sabem eu ainda estou com as sequelas do meu parto. Eu não estou tendo apoio de nada e nem de ninguém a não ser da minha família, dessas pessoas que estão junto comigo, ao meu lado”, afirmou em entrevista ao g1.
Procurada pelo g1 sobre a oferta de assistência psicológica para a paciente, a Sesau informou que em um ano ela foi atendida duas vezes no setor de psicologia da maternidade, nos dias 22 de novembro e 4 de dezembro de 2023, dia do nascimento e morte da criança, respectivamente.
À época da morte do filho, Daiane registrou uma denúncia na ouvidora da maternidade, mas afirmou que só foi informada de que a equipe médica deveria tê-la acompanhado. Ela decidiu processar o hospital por negligência.
O processo foi iniciado em janeiro de 2024. Quatro meses depois, o juiz Breno Coutinho, do Núcleo de Justiça 4.0 — Saúde do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), nomeou uma empresa para realizar a perícia do prontuário médico da criança e concluir se houve ou não a negligência médica no parto.
De acordo com o advogado Thiago Amorim, que defende os interesses de Daiane Campos, os procedimentos de perícia ainda não foram iniciados, mas estão dentro do prazo judicial. A ação por danos materiais e morais pede que o estado pague uma indenização de R$ 500 mil.
Sobre a ação de indenização, a Secretaria de Saúde disse que “ações judiciais são respondidas dentro dos autos do processo, no prazo estabelecido pelo Juiz Responsável, respeitando o sigilo das informações quanto ao estado de saúde do demandante”.
Ressignificar a dor
Um ano depois da partida do filho, Daiane ainda vive o luto, mas decidiu transformar a dor da perda em uma missão: realizar todos os sonhos que tem. Em outubro de 2024, ela concluiu o ensino médio por meio da modalidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA), que havia paralisado na reta final da gravidez.
O vestido que usou na formatura, na cor azul serenity, foi planejado e criado em homenagem ao filho Danilo. A cor é associada a paz, pureza, tranquilidade, harmonia e serenidade.
“O vestido que usei na minha formatura eu pedi para a costureira fazer sob medida, um vestido na cor azul serenity, que estava representando, homenageando o meu filho, porque depois que ele faleceu eu prometi que iria realizar todos os meus sonhos e objetivos da minha vida, que tudo é por ele e para ele. A partir do momento que eu soube que estava grávida tudo na minha vida melhorou 100%, em todos os sentidos”, afirmou.
Daiane Campos usou vestido de formatura em homenagem ao filho.
Arquivo pessoal
Em novembro, quase um ano depois do nascimento do filho, ela voltou a trabalhar na área da estética como extensionista de cílios. Com o avanço da gestação, ela havia parado de trabalhar e, após perder o filho, não conseguia voltar a rotina. Agora, Daiane quer restabelecer o controle da vida.
“Eu comecei a trabalhar a pouco tempo, voltei a estudar e agora em outubro eu me formei. Eu estou voltando novamente a minha rotina normal, a minha vida em todos os sentidos. Então, assim, para mim ainda está bem difícil porque eu ainda não me recuperei psicologicamente, mas estou vendo se consigo pagar uma psicóloga para poder fazer a minha terapia, meu acompanhamento. Mas, eu já estou muito feliz por ter voltado [a rotina]”, contou Daiane Campos.
Neste ano, ela também decidiu incentivar e orientar mulheres vítimas de negligência médica e violência obstétrica a denunciarem os casos e lutar pela Justiça. Além de apoio para as mães que perderam os filhos ainda no início da vida deles, assim como aconteceu com ela há um ano.
“Eu estou tão feliz. Isso me deu uma injeção de ânimo, força e esperança até pra viver. Eu descobri que eu posso ser o que eu quiser, só depende de mim. Eu estou muito feliz, muito, muito feliz por tudo isso, por poder ajudar outras pessoas”, declarou.
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