Objetivo do governo é conter gastos obrigatórios para tentar manter operante o arcabouço fiscal, a norma para as contas públicas. Se a mudança for aprovada, governo deixará de gastar R$ 2 bilhões em 2025. Trabalhadores e aposentados receberão menos se governo mudar o cálculo do salário mínimo.
Joel Santana para Pixabay
A equipe econômica propôs nesta quarta-feira (27) uma nova fórmula para a correção do salário mínimo que, na prática, limita o crescimento dos valores nos próximos anos.
Para ter validade, o novo método de atualização anual do mínimo ainda terá de ser aprovado pelo Congresso Nacional.
Se receber o aval para 2025, por exemplo, o salário mínimo avançará — considerando a expectativa de inflação para este ano, divulgada pelo governo —, dos atuais R$ 1.412 para R$ 1.514,74.
Veja a comparação:
💰Como é: conforme modelo em vigor, que permanece valendo até o Congresso aprovar a mudança, o salário mínimo do ano que vem será equivalente a R$ 1.520,65, ou seja, R$ 1.521, em valores arredondados.
💰Como pode passar a ser: caso a mudança seja aprovada, em valores arredondados, o salário mínimo deve ser R$ 1.515.
Em abril, Haddad confirmou meta de déficit zero e disse que salário mínimo seria R$ 1.502 em 2025
Novo cenário
Levando em conta as mudanças, o trabalhador, assim como os aposentados e as pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), de natureza assistencial, deixarão de receber R$ 6 no salário do mês e também no décimo terceiro (quem tem direito), em 2025.
O valor final do salário mínimo em 2025 ainda não foi fechado, pois dependerá do resultado da inflação calculada em 12 meses até novembro deste ano.
Entretanto, somente pela limitação do reajuste acima da inflação, a perda será, necessariamente, de R$ 6 para os trabalhadores e aposentados.
Entenda a mudança
Pelo formato adotado atualmente, o reajuste do salário corresponde à soma de dois índices:
a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 12 meses até novembro – como prevê a Constituição; cujo valor está estimado em 4,66% pelo governo.
o índice de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores. No caso de 2025, vale o PIB de 2023 — que cresceu 2,9%.
A alta, nesse caso, seria de 7,71% a partir de janeiro de 2025, correspondente ao mínimo de R$ 1.521.
Com as mudanças propostas pelo governo, se aprovadas, o salário mínimo passaria a ter um aumento real, acima da inflação, limitado a 2,5% ao ano.
Com isso, seria dada a inflação do ano anterior, em 12 meses até novembro, acrescido do PIB de dois anos antes — mas com um teto de 2,5% (mesmo que o PIB de dois anos antes tenha crescido mais do que isso).
Esses 2,5% são, justamente, o limite máximo para os gastos do governo dentro do arcabouço fiscal, a regra para as contas públicas aprovada em 2023.
Desse modo, em 2025, se a nova regra já estivesse aprovada:
haveria um a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 12 meses até novembro – como prevê a Constituição; cujo valor está estimado em 4,66% pelo governo.
mais a variação real do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores. No caso de 2025, vale o PIB de 2023.
Mesmo o PIB tendo avançado 2,9% em 2023, com a nova trava de 2,5%, proposta pela equipe econômica, seria aplicado esse valor.
O aumento, com a aprovação da nova fórmula, seria de 7,29%, para R$ 1.515 em 2025.
Discussões sobre cortes de gastos no governo entram na terceira semana
Despesa menor em 2025
Com a nova proposta para o salário mínimo, o governo deixará de pagar em aposentadorias e benefícios sociais cerca de R$ 2 bilhões em 2025.
Isso porque, de acordo com cálculos do governo, a cada R$ 1 de aumento do salário mínimo cria-se uma despesa de aproximadamente R$ 392 milhões.
Os benefícios previdenciários, entre outros, não podem ser menores que o valor do mínimo.
Referência para 59,3 milhões de pessoas
De acordo com nota técnica divulgada em dezembro do ano passado, e atualizada em janeiro de 2024 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo serve de referência para 59,3 milhões de pessoas no Brasil.
Além dos trabalhadores que, por contrato, recebem um salário mínimo (ou múltiplos do mínimo), há também as aposentadorias e benefícios como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) vinculados ao mesmo valor.
O salário mínimo também gera impactos indiretos na economia, como o aumento do “salário médio” dos brasileiros e a elevação do poder de compra do trabalhador.
Cortes de gastos
Com as propostas de cortes de gastos, incluindo a limitação do valor a ser pago no salário mínimo nos próximos anos, o governo busca conter gastos obrigatórios para tentar manter operante o arcabouço fiscal, a norma para as contas públicas.
A regra geral do arcabouço prevê que o aumento de algumas despesas do governo esteja atrelado ao crescimento das receitas. Além disso, a alta das despesas não pode ser maior do que 2,5% por ano acima da inflação.
Entretanto, alguns gastos têm regras específicas (distintas das do arcabouço) e, por isso, têm apresentado crescimento anual acima dos 2,5% limite para as despesas totais do governo. São eles:
aposentadorias dos trabalhadores (vinculadas ao salário mínimo)
despesas em saúde e educação
emendas parlamentares (indexadas à arrecadação)
A lógica é que, sem o corte de gastos, o espaço para as despesas livres dos ministérios, conhecidos como “gastos discricionários”, terminará nos próximos anos.
🔎Entre esses gastos livres, há políticas públicas importantes, como bolsas de estudo, fiscalização ambiental e do trabalho, assim como o farmácia popular.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já admitiu que, no ritmo atual, gastos livres dos ministérios tendem a sumir: ‘Vamos ter de fazer um debate sobre isso’.
Por essa lógica, não adianta elevar a arrecadação, como vem fazendo a equipe econômica, para equilibrar as contas. É preciso, necessariamente, cortar gastos obrigatórios.
A previsão do TCU é que, se nada for feito, o espaço para essas políticas importantes para a população acabará nos próximos anos, paralisando a máquina pública.
Com o arcabouço fiscal em risco, podendo ser abandonado, deixaria de existir uma regra que controlasse as contas públicas, o que, por sua vez, elevaria mais a dívida do setor público, que já é alta para o padrão dos países emergentes.
Isso aumentaria ainda mais os juros futuros, que servem de base para os empréstimos às famílias, para o consumo, e ao setor privado — e também pressionaria para cima a taxa de câmbio (dólar).
Essa dúvida sobre as contas públicas, que está sendo chamada pelo mercado financeiro de “risco fiscal”, já está cobrando seu preço, com alta do dólar e dos juros futuros.
O próprio Banco Central cita o aumento de gastos em seus comunicados, explicando que isso também pressiona a inflação.
Segundo a instituição, a “percepção mais recente dos agentes de mercado sobre o crescimento dos gastos públicos e a sustentabilidade do arcabouço fiscal vigente, junto com outros fatores, vem tendo impactos relevantes sobre os preços de ativos [dólar, juros futuros e bolsa de valores] e as expectativas [de inflação]”.