O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou nesta terça-feira (26) o sigilo do relatório final da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022. Com mais de 800 páginas, o documento apresenta as conclusões da investigação e aponta um esquema articulado pelo entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em janeiro de 2023. O ex-presidente Jair Bolsonaro é mencionado 643 vezes no relatório elaborado pela Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de Estado ocorrida no fim de 2022.
Segundo o relatório, a PF indiciou 37 pessoas, incluindo Bolsonaro, por participação na trama. O material foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá se apresenta denúncia.
Bolsonaro como figura central no plano golpista
De acordo com a PF, o então presidente Jair Bolsonaro “efetivamente planejou, ajustou e elaborou um decreto que previa a ruptura institucional”. A corporação aponta que Bolsonaro tinha “plena consciência e participação ativa” nas ações do grupo para subverter a ordem constitucional e evitar a posse de Lula.
A PF escreveu no relatório: “Dando prosseguimento à execução do plano criminoso, o grupo iniciou a prática de atos clandestinos com o escopo de promover a abolição do Estado Democrático de Direito, dos quais JAIR BOLSONARO tinha plena consciência e participação ativa.”
A investigação revela que Bolsonaro utilizou transmissões ao vivo e reuniões para sustentar narrativas de fraude eleitoral, reforçando apoio entre seus aliados. “As provas demonstram de forma inequívoca que o então presidente planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa”, afirma o relatório.
Os objetivos do plano eram “ subverter a ordem constitucional e inviabilizar a transição democrática de poder” por meio de ações clandestinas altamente elaboradas e deliberadas.
Busca de apoio militar e articulações
Bolsonaro teria buscado respaldo de instâncias inferiores das Forças Armadas para consolidar o golpe. A PF destaca que o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, demonstrou apoio, mas os líderes do Exército e da Aeronáutica, generais Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Júnior, recusaram-se a aderir ao plano.
Segundo os investigadores, o plano de golpe de Estado seria consumado no dia 15 de novembro. No mesmo dia, estava em curso uma operação clandestina para prender o ministro Alexandre de Moraes.
Com essa resistência, Bolsonaro reuniu-se, em dezembro de 2022, com o general Estevam Theophilo, comandante de Operações Terrestres do Exército, que teria aceitado liderar as tropas terrestres caso o então presidente assinasse o decreto golpista.
“Lula não sobe a rampa”
A PF apreendeu, junto de um assessor do general Braga Netto, um manuscrito da “Operação 142”. O objetivo final do documento era traçar um golpe para impedir Lula (PT), então presidente eleito, de subir a rampa do Palácio do Planalto e completasse a posse como presidente do Brasil.
Netto era vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL), principal opositor da chapa de Lula e Alckmin. O número do arquivo seria alusão ao artigo 142 da Constituição Federral, erroneamente interpretado como veículo de intervenção militar.
Dentro do arquivo, existia um plano em seis etapas para “implementar a ruptura institucional após a derrota eleitoral”, como disse a PF em relatório.
“O documento demonstra que Braga Netto e seu entorno, ao contrário do explicitado no documento anterior, tinha clara intenção golpista, com o objetivo de subverter o Estado Democrático de Direito, utilizando uma interpretação anômala do art. 142 da CF, de forma a tentar legitimar o golpe de Estado”, afirma a PF no inquérito do golpe.
De acordo com foto divulgada pela PF, no documento apreendido lê-se:
– Avaliação da conjuntura: “relacionar todas as ingerências do Judiciário nas ações do Executivo e do Legislativo desde 2019”;
– Linhas de esforço: “Enquadramento jurídico do Decreto 142 (com Advocacia-Geral da União e Ministério da Justiça), convocar conselho da República e da Defesa, discurso em cadeia nacioanl de rádio e TV, preparação da tropa para ações diretas, mobilização de juristas e formadores de opinião, preparar releases para difusão posterior, interrupção do processo de transição e anular atos do TSE”;
– CG ESTRT (Centro de Gravidade Estratégico): “Decretar o artigo 142 “Dia D””;
– EFD ESTRT (Estado Final Desejado Estratégico): “Restabelecer a ordem constitucional e o livre exercício dos direitos fundamentais”;
– CG POL (Centro de Gravidade Político): “Anulação das eleições, prorrogação dos mandatos, substituição de todo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e preparação de novas eleições”
– e EFD POL (Estado Final Desejado Político): “Lula não sobe a rampa”.
Minuta golpista e alterações pedidas por Bolsonaro
A chamada “minuta de decreto golpista” previa medidas como a anulação das eleições e a prisão do ministro Alexandre de Moraes. Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou em depoimento que o ex-presidente pediu alterações no documento, mantendo os pontos sobre a prisão de Moraes e a convocação de novas eleições.
Segundo o ex-ajudante, Bolsonaro havia determinado que dois pontos principais fossem mantidos: “a determinação de prisão do Ministro ALEXANDRE DE MORAES e a realização de novas eleições presidenciais”.
Apesar das articulações, as ações foram barradas pela resistência de militares, como os comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Planos de assassinato e reunião estratégica
A investigação também aponta que o ex-ministro da Defesa Braga Netto aprovou um plano para assassinar Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes. O planejamento, intitulado “Punhal Verde e Amarelo”, foi apresentado em novembro de 2022 na casa de Braga Netto e contou com a presença de militares próximos a Bolsonaro.
O plano foi elaborado pelo general da reserva Mario Fernandes. Braga Netto, o tenentes-coronéis Mauro Cid e Ferreira Lima e o major Rafael de Oliveira teriam aprovado o documento.
A execução do plano, no entanto, foi abortada devido à falta de apoio da cúpula das Forças Armadas. A PF relata que, em dezembro, militares chegaram a posicionar-se em pontos estratégicos de Brasília para capturar e executar Moraes, mas recuaram por falta de adesão.
Segundo a PF, o plano também incluía a morte do ministro do STF Alexandre de Moraes, porém o plano falhou por falta de adesão da cúpula das Forças Armadas.
Em 15 de dezembro, de acordo com a PF, os militares estiveram em alguns pontos estratégicos no Distrito Federal para sequestrar Moraes e, depois, executá-lo.
“Apesar de todas as pressões realizadas, o general Freire Gomes e a maioria do alto comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República Jair Bolsonaro, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou. Com isso, a ação clandestina para prender/executar ministro Alexandre de Moraes foi abortada”, afirma a PF.
Documentos destruídos e tanques prontos
Mensagens revelam que um decreto golpista assinado por Bolsonaro teria sido destruído por generais do Alto Comando do Exército após uma negociação liderada pelo então vice-presidente Hamilton Mourão. Além disso, conversas indicam que “tanques no arsenal” estavam “prontos” para apoiar a ruptura, conforme mensagens de aliados de Bolsonaro.
Um dos personagens que atuou ativamente para reunir apoio ao plano golpista, segundo a Polícia Federal, foi o ex-ministro da Defesa Braga Netto.
Braga Netto
O ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, Braga Netto, seria um dos responsáveis por pressionar comandantes das Forças Armadas para aderirem ao “plano que objetivava a abolição do Estado Democrático de Direito”.
Segundo a PF, o Netto teria usado um mecanismo parecido com milícias digitais.
“Conforme consta nos autos, BRAGA NETTO utilizou o modo de agir da milícia digital, determinando a outros investigados que promovessem e difundissem ataques pessoais ao General FREIRE GOMES e ao Tenente-Brigadeiro BAPTISTA JÚNIOR, além de seus familiares”, diz a PF.
General tentou culpar Dino
O general Mário Fernandes agiu para “criar narrativa com a finalidade de tentar atribuir” ao então ministro da Justiça , Flávio Dino, responsabilidade pela tentativa de golpe de 8 de Janeiro, de acordo com o relatório da PF .
O relatório disse que havia anotações em um caderno apreendido de Fernandes explicando como armaram para culpar Dino:
“Nos materiais físicos apreendidos em poder de Mario Fernandes foram identificadas anotações que demonstram a atuação do investigado para criar narrativa com a finalidade de tentar atribuir ao então ministro da Justiça, Flávio Dino, a responsabilidade por omissão da tentativa de golpe de Estado realizada no dia 08 de janeiro de 2023.”
Plano de fuga para os EUA
Outro ponto revelado pelo relatório é o plano de fuga para Jair Bolsonaro. Em dezembro de 2022, o ex-presidente viajou aos Estados Unidos, onde aguardou os desdobramentos dos atos golpistas. A estratégia incluía proteção armada, ocupação de instalações estratégicas e uma operação militar para garantir sua saída do país.
Segundo a PF, o plano demonstra o nível de comprometimento de aliados com a ruptura institucional. “A criação de uma rede de apoio militar para retirar o ex-presidente do país reflete o temor de que ele pudesse ser responsabilizado por seus atos após deixar o cargo”, conclui o documento.
O relatório será analisado pela PGR, que determinará os próximos passos do caso.