Presidência dividida entre marido e mulher vai controlar os demais poderes do Estado e oficializar milícias paramilitares para sustentar a repressão. Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, discursa enquanto é observado por usa mulher e vice, Rosario Murillo
INTI OCON / AFP
Da Nicarágua, os ventos políticos sopram apenas na direção do casal Daniel Ortega e Rosario Murillo, que acaba de consolidar o controle total do poder, após a aprovação de uma reforma da Constituição na qual 38 artigos foram revogados, e 143 dos 198, substituídos.
Entre outras discrepâncias, a preservação sucessória da dinastia está assegurada, com a criação do cargo de copresidente para a mulher de Ortega, atual vice-presidente, que passa a ter o mesmo nível de poder do ditador, de 79 anos. A vice-presidência deverá ser destinada ao filho Laureano Ortega Murillo.
A Presidência dividida entre marido e mulher controlará os demais poderes do Estado, coordenando órgãos legislativos, judiciais, eleitorais, regionais e municipais. Alvos de perseguição, imprensa e Igreja, serão monitorados com o aval da Carta Magna.
Tem mais. O mandato presidencial foi ampliado de cinco para seis anos, o que significa que as eleições previstas para 2026 só ocorrerão em 2027. A reforma oficializa as milícias paramilitares, chamadas de política voluntária, como órgão auxiliar de apoio à Polícia Nacional, e muda as cores da bandeira nicaraguense para vermelho e preto — o símbolo do partido Frente Sandinista de Libertação Nacional.
Funcionários públicos que não concordem com os “princípios fundamentais do regime serão destituídos do cargo. A “nova” Constituição oficializa a figura do apátrida para dissidentes considerados traidores do país, na visão de Ortega e Murillo. Nos últimos anos, 450 nicaraguenses perderam a nacionalidade.
Ditadura familiar
Desde que voltou ao poder, em 2007, Ortega promoveu 11 reformas constitucionais, entre elas a que instituiu a reeleição indefinida. Do cargo, ao que tudo indica, só sai morto.
Esta mudança aprovada na sexta-feira entra em vigor em janeiro e consagra a ditadura familiar no país, conforme bem definiu a ex-guerrilheira e historiadora Dora María Téllez, que lutou ao lado de Ortega para derrubar o regime Somoza e passou ao lugar de detratora.
“Estamos notando há alguns meses o processo sucessório de Daniel Ortega, que está doente e idoso, para garantir Rosario Murillo como sucessora. Trataram de juntar as peças para acelerar a sucessão. Rosario já é vice-presidente, agora ela tem todo o poder real e o poder formal”, resumiu a Téllez ao canal “100% Notícias”.
No entender da escritora Gioconda Belli, o casal Ortega deixou evidente que a Constituição, que ela chama de fantoche, foi adaptada às suas necessidades e aos seus medos. “Nunca as Constituições de nosso país foram feitas com a descarada intenção de se ajustarem à conveniência do casal.”
Num artigo publicado pelo jornal digital “Confidencial”, Belli chama a atenção para outro cenário temido por Rosario Murillo — o de que, com Ortega morto, o Exército possa rebelar contra ela.
“É por isso que torna constitucional um exército paramilitar voluntário, uma força que a defenderá, formada por seus fiéis, que será dotada financeiramente, ideologizada e que será treinada pelos mesmos que saíram em 2018 para matar jovens”, ponderou.
A ideologia do apego ao poder, acima de tudo, na Nicarágua se entrelaça aos regimes aliados na Venezuela e em Cuba.