O plano golpista exposto pela Polícia Federal contra o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes pôs em xeque a delação premiada de Mauro Cid, tenente-coronel que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Cid, inclusive, foi convocado para prestar depoimento a Moraes nesta quinta-feira (21).
Cid tem um acordo de colaboração premiada homologado pelo Supremo. Entretanto, o ex-ajudante de ordens agora precisa explicar possíveis omissões e até mesmo contradições em outros depoimentos. Mas o que acontece se a delação premiada de Mauro Cid for anulada pelo STF?
A Polícia Federal quer a anulação da delação premiada de Mauro Cid. O depoimento desta quinta-feira pode ser decisivo para o ex-ajudante de ordens na gestão de Bolsonaro.
O que acontece se a delação premiada de Mauro Cid for anulada pelo STF?
A delação premiada de Mauro Cid
Em setembro de 2023, Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, homologou o acordo de delação premiada de Mauro Cid. O tenente-coronel foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Agora, Cid deve explicar eventuais omissões e contradições em outros interrogatórios. Isso porque a Polícia Federal encontrou mensagens de texto do ex-ajudante de ordens sobre um suposto plano para assassinar autoridades.
A PF, na última terça-feira (19), prendeu quatro militares e um policial federal suspeitos de envolvimento em um plano que envolvia assassinar Lula e Geraldo Alckmin, chapa eleita em 2022, e o ministro Alexandre de Moraes.
Segundo a investigação da Polícia Federal, o planejamento, denominado de “Punhal Verde Amarelo”, ocorreu em dezembro de 2022. Os militares presos são Hélio Ferreira Lima, Mário Fernandes, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo, enquanto o policial federal preso é Wladimir Matos Soares.
E como a delação premiada de Mauro Cid entra na história? A investigação da PF aponta que o ex-ajudante de ordens sabia da trama. Cid trocou mensagens sobre o plano com Mário Fernandes, general da reserva.
A Polícia Federal, assim, apontou omissões e contradições na delação premiada de Mauro Cid. A PF quer a anulação da colaboração. O ministro Alexandre de Moraes vai ouvir Cid nesta quinta-feira (21) e também quer o parecer da Procuradoria-Geral da República. Mauro Cid, na última terça-feira, prestou depoimento e negou à Polícia Federal que soubesse do plano golpista.
O tenente-coronel foi preso em maio de 2023, no desdobramento da Operação Venire, que investiga a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 de Bolsonaro, parentes do ex-presidente e assessores nos sistemas do Ministério da Saúde. Mauro Cid foi solto em setembro, após a homologação da delação premiada.
Em março deste ano, no dia 22, Cid foi novamente preso. A Justiça entendeu que ele descumpriu regras da delação premiada ao falar sobre investigações em áudios vazados. O ex-ajudante de ordens fez ataques à PF e ao STF. Em maio, Alexandre de Moraes determinou a soltura de Mauro Cid, que se comprometeu a cumprir medidas restritivas, como usar tornozeleira eletrônica e não se comunicar com outros investigados.
Agora, a delação premiada de Mauro Cid está em risco, com a possibilidade de anulação dos benefícios. O ex-ajudante de ordens, inclusive, pode voltar a ser preso, por obstrução de Justiça.
Se a delação premiada de Mauro Cid for anulada pelo STF, o ex-ajudante de ordens perde os benefícios do acordo (sigilosos) e nenhum efeito de colaboração seria válido. O tipo de benefício varia de acordo com o grau de colaboração do acusado. Pode ser diminuição da pena em até 2/3, cumprimento da pena em regime semiaberto, extinção da pena e perdão judicial.
Outra possibilidade é a rescisão da delação premiada de Mauro Cid. Nesse caso, os efeitos da colaboração (provas produzidas e até as decisões tomadas) continuariam válidos.
O que diz a lei sobre delação premiada?
A legislação sobre o acordo de delação premiada aponta que é um negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos. Em 2013, a Lei 12.850/2013 unificou a legislação sobre o acordo de colaboração premiada, uma forma de contribuição para os órgãos de investigação e repressão ao crime organizado.
No acordo de delação premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados pelas autoridades. Para conseguir os benefícios, a colaboração precisa resultar em pelo menos um dos objetivos abaixo:
- a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas
- a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa
- a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa
- a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa
- a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada
A legislação também aponta: “Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.”
O que acontece se mentir na delação premiada?
O regramento da colaboração premiada aponta: “Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.”
Assim, também existe previsão legal para casos em que o colaborador não contribui integralmente com o que sabe/participou: “O acordo homologado poderá ser rescindido em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto da colaboração.”
Ainda neste sentido, cabe à defesa o papel de instruir que a colaboração tenha as provas necessárias.
“Incumbe à defesa instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração.”
Qual o benefício da delação premiada?
A colaboração premiada busca reunir provas e ajudar na investigação do crime organizado. Para quem se torna um colaborador, esse negócio jurídico pode significar benefícios em relação à gravidade da pena.
A lei determina: “O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.” Para isso, a colaboração precisa resultar em pelo menos um dos objetivos estabelecidos e elencados anteriormente.
Em qual momento processual é possível firmar um acordo de delação premiada?
O processo de delação premiada envolve algumas etapas. A primeira, que dá origem às negociações, é a proposta em si, como aponta a legislação.
“O recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial.”
A lei determina que: “O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.”
O juiz, então, analisa os termos e ouve, sigilosamente, o colaborador, acompanhado da defesa. Para homologar o acordo, o juiz avalia quatro pontos:
- regularidade e legalidade
- adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo
- adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo
- voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares
Delações premiadas anuladas
A delação premiada de Mauro Cid está em risco. E dois exemplos mostram colaborações anuladas, como a de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro condenado a mais de 300 anos de prisão por corrupção.
Após homologada, a colaboração de Cabral foi anulada por maioria dos votos do STF. O ex-governador acusou, sem provas, o ministro Dias Toffoli de receber R$ 4 milhões, quando integrava o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para favorecer prefeitos do RJ em decisões judiciais.
Em 2020, a Segunda Turma do STF anulou versões de acordos de delação premiada de alvos de um suposto esquema de corrupção na Receita do Paraná investigado pela Operação Publicano, contra organização criminosa que cobrava propina em troca de benefícios fiscais).