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De mapa na escravidão a símbolo de empoderamento: tranças ressignificam autoestima da mulher negra ao longo da história


Penteado vem ganhando notoriedade e caiu no debate: afinal, todos podem usá-lo? Mulheres utilizam tranças como forma de empoderamento
Bruna Bonfim/g1
Se sentir bonita, livre e empoderada. Estes sentimentos são o que muitas mulheres querem alcançar para si através de sua imagem. O cabelo costuma ser um fator importante para muitas conseguirem transmitir sua personalidade. Para grande parte da população, também é uma forma de carregar a história de seus antepassados adiante. As milhares opções de combinação de tranças são a forma que muitas mulheres utilizam para mostrar esse empoderamento.
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Apesar de estarem em alta nos dias de hoje em diversos penteados, as tranças não nada atuais. Oriunda do povo negro, elas surgiram há mais de cinco mil anos e era uma forma de até identificar a origem de um determinado indivíduo.
“As tranças eram uma forma de demonstrar qual a origem daquela pessoa, a sua posição social dentro de uma tribo, o seu estado civil, podia ser um indicador da idade das meninas no seu florescer. Então, o ato de trançar, de fato, ele é muito sagrado e tem uma conexão muito forte com a espiritualidade”, conta Sueyla Ferreira da Silva dos Santos, doutora e supervisora do Núcleo Negro de Pesquisa e Extensão (NUPE) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Presidente Prudente (SP).
Ao longo das décadas, o ato de entrelaçar os cabelos também foi uma forma de uma mãe passar para a filha a cultura de seu povo. Foi assim que a Gabriela Alves Vieira, de Presidente Prudente (SP), teve seu primeiro contato com sua ancestralidade.
“Eu cresci no salão de beleza da minha mãe e, em um certo dia, ela fez tranças em mim e eu me apaixonei. Pesquisei, estudei tudo sobre as tranças e comecei a tentar fazer em mim mesma na frente do espelho. Deu super certo, elas ficaram feias, mas eu me senti super bem com elas”, contou.
Seguindo a tradição, Gabriela também trançou o cabelo da filha e postou no Facebook. A imagem ganhou muitos elogios e questionamentos de quem tinha feito o penteado. Dali surgiu a ideia de levar a beleza das tranças para outras mulheres.
“Muitas mulheres começaram a me procurar, até que eu comecei a pegar modelos e cobrar um pequeno valor de R$ 14. Então fiquei sem horários, somente treinando nas mulheres”, relembra.
Gabriela Alves Vieira se qualificou como trancista após a mãe ter feito o penteado nos seus cabelos
Bruna Bonfim/g1
A Gaby, como gosta de ser chamada, decidiu se especializar através de um curso sobre tranças e aprendeu a forma correta de valorizar sua arte e conquistar seus sonhos.
“Vi que não precisava mais trabalhar para ninguém. Através dos meus penteados de tranças eu estava conseguindo realizar sonhos, como sustentar a minha família e ter meu nome como minha marca de trabalho. Me sinto muito reconhecida”, contou a trancista ao g1.
Hoje a trancista atende mais de 50 mulheres por mês em seu próprio salão de beleza.
Tranças eram usadas no tempo da escravidão como uma forma de se comunicar
Bruna Bonfim/g1
Além de um penteado, uma rota de liberdade 🏃🏿‍♂️
Atualmente, as tranças têm o poder de transformar a autoestima do povo negro. Essa valorização foi conquistado ao longo da história, já que elas sempre foram símbolos da resistência principalmente nos países construídos pela escravidão.
“No período da escravidão, a gente sabe que as pessoas negras escravizadas foram sequestradas e trazidas para o Brasil. Por exemplo, as mulheres tinham suas cabeças raspadas, era tirada o seu modo de se vestir, tirada a sua vaidade, mas, mesmo assim, como resistência, após os cabelos crescerem, elas voltaram a trançar o cabelo umas das outras, a ensinar isso para a geração futura”, enfatizou Sueyla.
Conforme a doutora e pesquisadora, o ato de trançar o cabelo também era uma forma que os povos escravizados aproveitavam para desenhar mapas de fuga e guardar sementes para produzi-las após a possível liberdade.
Após quase 20 anos de alisamento, Joyce Aline decidiu passar pela transição capilar e usou as tranças para se sentir mais bonita
Bruna Bonfim/g1
Nos dias de hoje, as tranças também proporcionam liberdade às mulheres de uma forma diferente. Há cerca de três anos, Joyce Aline da Costa Carneiro decidiu parar de alisar o cabelo e passar pela transição capilar.
“Eu fiquei uns 18, quase 20 anos, fazendo progressiva. Nunca aceitei o meu cabelo natural. Até que um dia eu me olhei e falei ‘vou deixar ele ficar natural pra ver como é’. Porque eu não tinha conhecimento do meu cabelo. Com o passar do tempo, eu fui amando, nunca mais alisei e não pretendo alisar”, disse ao g1.
As tranças foram uma forma que Joyce encontrou para alcançar a liberdade do próprio cabelo e se sentir bonita.
“As tranças me ajudaram muito. Eu assumi as minhas origens e desde então não larguei mais as tranças. É algo encantador, que renova minha autoestima e eu não vivo sem. Geralmente, eu faço de três em três meses. Então eu não espero só uma ocasião especial, não. Eu sempre tô fazendo pra mudar”, conta a autônoma.
Mulheres utilizam tranças como forma de empoderamento
Bruna Bonfim/g1
Trança pode ser usada por todos? 💆🏻‍♀️💆🏽‍♀️💆🏿‍♀️
Com a popularização das tranças e de outros elementos da cultura negra, a sociedade passou a enxergá-las como um penteado bonito. Nas redes sociais há um debate constante sobre o uso das tranças em pessoas brancas e de outras etnias. Há quem considere errado e uma forma de apropriação da cultura do povo negro.
“A gente vê, historicamente, que quando as tranças, os turbantes, os dreads, estavam nos nossos corpos, isso era associado a algo negativo, como se fosse sujo, como se nos associassem a uma pessoa marginalizada, que não se cuida, que não tem uma boa aparência. E quando esses símbolos começaram a ser adotados por pessoas brancas, eles passaram a ser cool, um elemento de arte, um elemento de moda, e passaram a ser mais valorizados, midiatizados. Então a gente tem esse questionamento sobre a apropriação cultural de elementos que são da negritude”, explica a supervisora do Núcleo Negro de Pesquisa e Extensão da Unesp.
Mas afinal, além da população negra, todos podem usar as tranças? Há quem diga que é uma opinião pessoal e que será constantemente discutida.
“Eu acredito que mulheres brancas e pretas podem trançar seus cabelos. A gente tem essa liberdade de nos aproximar de outras culturas, mas o mais importante é a gente respeitar essa origem e se questionar ‘por que quando uma mulher branca trança o cabelo é considerado bonito, é considerado interessante, é tratado como se essa mulher fosse vaidosa, cuidasse da sua beleza, e que quando nossas avós, nossas tias, elas utilizavam os seus blacks com penteados trançados, isso era considerado como se ela não tivesse cuidado, como se ela não cuidasse do seu cabelo, não cuidasse da sua aparência?’, questiona Sueyla.
Para a trancista Gabriela, todos podem aderir às tranças como penteado
Bruna Bonfim/g1
Na perspectiva da trancista Gaby, todos podem aderir ao penteado.
“Eu sou do tipo que se tem cabelo e comprimento ideal, vamos fazer! Tenho clientes de todas as cores e raças e amo elas, super valorizam o meu trabalho e consigo passar uma visibilidade correta de como é o mundo das tranças”, ressalta.
Para elas, o mais importante é não banalizar a cultura do povo afro.
“Acho que é importante a gente não esquecer dessa história [da origem das tranças] para que a apropriação cultural não tire a identidade negra desses elementos que são de resistência do povo negro e que passe a ser valorizado e embelezado e ostentado esses elementos da trança, da cultura nos corpos negros”, disse a doutora.
Conforme Sueyla, as tranças são uma coroa para as mulheres negras. Ela, que é cacheada e também utiliza as tranças raiz, nagô e box braid desde pequena, ressalta que é uma forma de ressaltar a representatividade da cultura afro.
“A trança representa a gente reconhecer a nossa beleza, reconhecer a nossa cultura, os elementos que nos conectam com os nossos ancestrais. Hoje eu sinto que, para a mulher negra, a trança é uma forma dela se coroar e resgatar sua identidade cultural”, ressaltou Sueyla.
Doutora e supervisora da NUPE também utiliza as tranças como forma de empoderamento
Cedida
Primeiro feriado nacional ✊🏽✊🏾✊🏿
Nesta quarta-feira, dia 20 de novembro, é celebrado o Dia da Consciência Negra. Apesar da data estar no calendário dos brasileiros desde 2011, este será o primeiro ano que será feriado nacional.
A data foi escolhida para homenagear Zumbi, o líder do Quilombo de Palmares, que é símbolo nacional pela resistência a escravidão e enfrentamento ao racismo. Ele morreu dia 20 de novembro de 1695.
Mais de 320 anos depois, o Congresso Nacional aprovou a lei que transformou o Dia da Consciência Negra em feriado nacional a partir de 2024.
“Esse é um marco importante para reconhecimento da luta dos movimentos negros, que fizeram desse dia ser um momento de reflexão e de ação para a reparação social que o Estado deve ao povo negro. Porque os outros povos se emanciparam, se desenvolveram a partir do trabalho dos escravizados e isso gerou desigualdades que permanecem no nosso país até hoje. O dia 20 é um momento importante para a gente refletir e para estimularmos ações, políticas públicas, que de fato garantam essa reparação social”, ressalta Sueyla.
Tranças eram usadas no tempo da escravidão como uma forma de se comunicar
Bruna Bonfim/g1
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