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Entenda falhas na investigação do caso da advogada que caiu de prédio; família esperou 2 anos para que namorado se tornasse réu


Carolina Magalhães morreu em junho de 2022. Na época, a morte foi tratada como suicídio, mas investigações apontaram que ela foi assassinada pelo namorado, o também advogado Raul Rodrigues Costa Lages. Acusado de matar a advogada Carolina França, está solto
Dois anos após a morte da advogada Carolina da Cunha Pereira França Magalhães, morta em 8 de junho 2022, aos 40 anos, após cair do oitavo andar de um prédio, em Belo Horizonte, – com investigação concluída e denúncia que tornou réu o namorada da vítima – a família ainda tem perguntas, por exemplo, por que Raul Lages não foi conduzido à delegacia naquela noite, apesar da hipótese de suicídio.
A reportagem ouviu especialistas que analisaram o caso desde o pós-crime e o resultado da necrópsia até a falta de respostas. Para a família e amigos, sempre houve uma certeza.
“De que ela passou um sofrimento muito grande e que foi um assassinato, sabe? Foi ele que matou. Liguei pra todo mundo, gente investiga isso, tem coisa errada”, afirmou Vítor Magalhães, filho da Carolina e estudante de direito.
Familiares e amigos de Carolina Magalhães esperaram por mais de dois anos até que Raul Lages fosse acusado de homicídio triplamente qualificado. Ele não chegou a ser preso e espera o julgamento em liberdade.
Entenda, abaixo, quais as principais falhas na investigação, apontadas pela família, que dificultaram e impediram a prisão do acusado.
Carolina da Cunha Pereira França Magalhães
Reprodução/redes sociais
O circuito foi analisado pela polícia?
“Eu soube dos porteiros do prédio que ninguém tinha puxado as imagens antes de eu ir lá e pedir o acesso. Isso foi depois do sepultamento da minha irmã, que foi no dia seguinte. Os porteiros me disseram que a polícia, na noite do crime, não tinha tido acesso a essas câmeras, e eles poderiam constatar, se quisessem, que a narrativa que ele estava apresentando no momento das alegações iniciais, de lavratura do boletim de ocorrência, não batia com a realidade”, disse o advogado e irmão de Carolina Demian Magalhães.
As imagens desmontam a versão de Raul Lages, que disse à polícia que não estava no apartamento quando Carolina caiu.
O sensor da câmera da área de lazer do prédio marca o horário da queda: 23h10. Somente quatro minutos depois, Raul aciona o elevador para o oitavo andar, e entra carregando duas sacolas aparentemente pesadas.
“Até porque tem um tempo que a prova pode ser perdida. Então as câmeras têm que ser o primeiro ato de uma investigação. Se elas flagraram algum momento, ali de um ato criminoso, ou possivelmente criminosos, ela deveria ter sido solicitada de imediato”, explicou o presidente do Instituto de Proteção das Garantias Individuais (IPGI), Carlos Eduardo Gonçalves.
A perícia viu ferimentos provocados antes da queda?
A família também aponta falhas no laudo da necrópsia. O irmão de Carolina diz que a advogada tinha um corte profundo na cabeça, que não foi descrito pelos peritos no momento que coletaram vestígios no apartamento.
A reportagem teve acesso ao documento, que foi mostrado o médico perito Fernando Esbérard. Ele afirma que o corpo apresentava lesões que podem ter sido provocadas antes da queda e, provavelmente, Carolina estava viva quando foi jogada do oitavo andar.
“Esse ferimento corte contuso na região da cabeça dela pode ter sido provocado por um impacto dela contra uma parede. Inclusive foram achados vestígios de sangue na porta do banheiro. O que chama atenção também são as lesões nas costas da vítima. Esse ferimento, uma vez que a queda causou impacto do lado esquerdo do corpo, dificilmente foi causado pelo baque. Importante a gente ressaltar também que […] ela ainda estava viva, porque muitos desses ferimentos apresentam reação vital”, disse Esbérard, que é membro especialista da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícia Médica de Minas Gerais.
Raul Rodrigues Costa Lages
Reprodução/OAB-MG
As sacolas e mochila do acusado foram periciadas?
Pelas imagens, também é possível ver que Raul Lages sai do prédio carregando as sacolas e a mochila poucos segundos depois de ver Carolina morta.
O inquérito policial destaca que as “sacolas deveriam conter objetos de crucial importância para Raul, que mantém as mesmas consigo mesmo diante da visão trágica e desesperadora de sua mulher ao solo”.
Depois de ver o corpo de Carolina, o advogado guarda as sacolas e mochila no porta-malas e chega a arrancar com o carro. A luz de um giroflex aparece na esquina e ele então volta a estacionar o carro. Familiares acreditam que ele só retornou por acreditar que a iluminação vinha de alguma viatura da polícia, mas era de uma ambulância.
“Ele estava muito tranquilo pra quem estava vendo a sua namorada ali, de um relacionamento de dois anos caída e completamente deformada. O desespero dele só vem quando o Samu é acionado, o porteiro fala vamos chamar a polícia, vamos chamar os filhos. Aí ele liga para um dos filhos e demonstra um certo desespero. Ele já fala para um dos filhos, sua mãe pulou. Então ele já começa uma afirmação tentando dissimular os fatos”, conta a delegada Iara França Camargos.
As sacolas, mochila e celular de Raul nunca foram periciadas pela Polícia Civil. A busca e apreensão na casa do acusado foram feitas mais de um ano depois da morte de Carolina.
Imagens exclusivas mostram últimas horas de vida da advogada
A polícia registrou o namorado como suspeito?
Dos seis parágrafos de descrição da ocorrência, quatro trazem as alegações de Raul Lages, citado apenas como companheiro da vítima.
No quinto parágrafo estão as informações prestadas pelo porteiro, o primeiro a ver o corpo de Carolina.
O último consta informações técnicas do socorro médico e da perícia.
A reportagem também questionou à Polícia Militar sobre possíveis falhas no primeiro levantamento das informações, na noite do crime. A PM respondeu que “todas as informações apuradas no local, foram descritas em boletim de ocorrência”.
Carolina da Cunha Pereira França Magalhães morreu aos 40 anos
Reprodução/redes sociais
Mas o que havia nas sacolas?
A família acredita que se as imagens tivessem sido verificadas na noite da morte de Carolina, Raul Lages não estaria solto até hoje. Não foi possível saber ou identificar o que o acusado carregou para fora do prédio na noite do crime.
“O Raul, ele estava em estado de flagrância, né? Ele ainda estava no local do crime. Se a polícia tivesse visto, naquele momento, que ele na verdade estava lá em cima no momento da queda, ele tinha saído de lá preso. Isso é impunidade já acontecendo. A gente acha que era possível uma prisão em flagrante naquela noite e, por questões por fora do nosso controle, mas sob controle das autoridades, presentes naquela noite, poderia ter sido evitado. Então o sentimento é real e presente e vai permanecer até a condenação do júri que a gente está certo que vai vir”, desabafou o irmão da vítima, Demian Magalhães.
“Não temos valor para estimar o quanto a família sofre com toda essa demora, com toda essa angústia, em ver a justiça, tentar ser feita ou não poder por eventual perda de prova, ou por eventual falha na investigação. Isso com certeza não tem como pagar”, completou Carlos Eduardo Gonçalves.
Desde a semana passada, a TV Globo tenta contato com a defesa de Raul Lages, mas sem resposta. A reportagem também procurou a Polícia Civil e aguarda retorno para esclarecer os questionamentos da família.
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