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Ceará realiza primeira cirurgia de feminização da voz em mulher trans pela rede pública de saúde


A auxiliar administrativa Davina Morais, de 33 anos, foi a primeira a conseguir o procedimento, feito no Hospital Leonardo da Vinci. Ceará realiza primeira cirurgia de feminização da voz em mulher trans pela rede pública de saúde.
Sesa/Reprodução
O Ceará realizou a primeira cirurgia de feminização pela rede pública em uma mulher trans na história. A auxiliar administrativa Davina Morais, de 33 anos, foi a primeira a conseguir o procedimento, feito no Hospital Leonardo da Vinci (Helv), em Fortaleza.
“Sinto minha voz mais suave, tranquila”, disse Davina após a cirurgia. Conhecida como “glotoplastia de Wendler”, a cirurgia permite que mulheres trans tenham uma voz mais feminina, condizente com a identidade de gênero com que se identificam. O procedimento passa a fazer parte do catálogo de cirurgias do hospital.
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Davina Morais relatou que, antes da cirurgia, costumava chegar ao final do dia com uma rouquidão e um desgaste na voz. O incômodo acontecia após esforço feito no modo de falar para que a voz não saísse tão grave.
“Mesmo ajustando a minha voz de forma automática, eu ainda sentia que havia um timbre grave que me incomodava. Isso me levava a evitar situações em que eu precisava falar em público, por exemplo. No meu caso, minha voz me causava disforia [quando uma pessoa não se sente confortável com as características masculinas ou femininas de seu corpo] porque ela não correspondia à imagem que eu via de mim mesma”, declarou Davina.
Davina com a mãe durante o processo da cirurgia.
Sesa/Reprodução
Além do desconforto com a imagem, a violência era outro risco para ela. “Fugir do timbre grave me dá um conforto maior para transitar pelo mundo sem ser atingida por certas violências. Já fui vítima de diferentes tipos de violência, inclusive física, e essa cirurgia é uma forma de evitar algumas dessas situações”, complementou a auxiliar administrativa.
Para Davina, o receio e o medo ficaram para trás, trazendo um novo momento para a própria vida. “Fiquei extremamente satisfeita porque a cirurgia não alterou a personalidade da minha voz de antes. O que ela fez foi remover o tom grave que me incomodava. Sinto minha voz mais suave, tranquila, e consigo perceber isso tanto nas conversas quanto nos áudios que envio”, comemorou.
Cirurgia de feminização
Cirurgia de feminização da voz é feita sem a necessidade de cortes externos.
Sesa/Reprodução
A coordenadora médica do Serviço de Otorrinolaringologia do Helv, Débora Lima, explicou que o processo cirúrgico é feito sem a necessidade de cortes externos. “Com o auxílio de instrumentos especiais, como o microscópio, o comprimento da prega vocal é reduzido. São dados dois pontos para haver maior tensão e diminuição do comprimento e da massa dessa corda vocal”, detalhou a médica.
O procedimento é auxiliado por sessões de fonoterapia, realizadas antes e após a cirurgia. A coordenadora do Serviço de Fonoaudiologia do Helv, Wigna Raissa Matias, explicou que, durante as sessões pré e pós-cirúrgicas, foram aplicados dois protocolos internacionais:
Qualidade Vida em Voz (QVV), que ajuda a compreender como o problema de voz pode interferir nas atividades da vida diária;
Questionário Autoavaliação Vocal para Transexuais (TWVQ, em inglês), que quantifica a autopercepção de uma mulher trans sobre sua voz, avaliando resultados de qualidade de vida de mulheres trans que buscam cuidados vocais de afirmação de gênero.
“A paciente está apresentando uma qualidade vocal feminina, alcançando uma frequência de até 200 Hz. Antes da cirurgia, ela não conseguia atingir esse alcance, permanecendo em uma faixa de frequência de 120 a 140 Hz, que estava no padrão de dúvida em relação à identidade de gênero”, explicou Wigna Raíssa.
Para o acompanhamento e as comparações da voz, utilizou-se um software específico para Avaliação Acústica do Sinal Vocal. A coordenadora de fonoaudiologia explicou ainda que a adesão da paciente à terapia foi fundamental para o sucesso da transição vocal.
“Davina foi presente nas sessões, seguiu as orientações em casa e sempre foi muito ativa. Nossas sessões duravam de 40 a 50 minutos, e ela aproveitava para tirar todas as dúvidas. Por ser algo novo, Davina tinha muitas questões, inclusive relacionadas ao impacto social, que foram sendo resolvidas ao longo do tratamento”, destacou.
Davina Morais foi acompanhada também por uma fonoaudióloga.
Sesa/Reprodução
A médica Débora Lima reforçou que a voz é parte da personalidade humana, servindo como identificação para os indivíduos. “A cirurgia não vem só como um fator estético, mas também como um fator de inclusão. Muitas pacientes relatam que passam, às vezes, por constrangimentos, porque elas já passaram por todo aquele processo de reafirmação de gênero”, disse.
“Estão bem na parte psicológica, mas a voz acaba identificando a paciente e trazendo alguns prejuízos”, complementou a coordenadora médica do serviço de otorrinolaringologia do Helv.
Regulação
O encaminhamento para as cirurgias de feminização da voz é realizado via Central de Regulação do Estado. A busca pelo procedimento parte principalmente de pessoas em processo de transição de gênero, como as atendidas pelo Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero (Sertrans).
O serviço da Sesa oferece assistência de uma equipe multiprofissional formada por assistentes sociais, endocrinologistas, enfermeiros, psicólogos e psiquiatras. Para a cirurgia, as pacientes precisam fazer uso de hormonioterapia há pelo menos seis meses e ter acompanhamento psicológico há dois anos.
A terapia hormonal é utilizada para iniciar o processo de feminização de mulheres transgênero. O objetivo de serviços como esse, oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é promover mudanças corporais que fazem com que a aparência física da pessoa corresponda à sua identidade de gênero.
A coordenadora do Sertrans, Andie de Castro Lima, comentou que a atuação da equipe técnica minimiza os sofrimentos relativos à disforia de gênero. “Oferecemos procedimentos endocrinológicos (como a terapia hormonal), bem como assistência psicossocial para trabalhar a (re)inserção familiar e comunitária das pessoas trans, auxiliando com procedimentos que vão desde a retificação do nome delas e o acesso a outras políticas sociais, até o acompanhamento de fatores que limitam ou potencializam o bem-estar de forma generalizada”, disse.
Ainda segundo a gestora, a glotoplastia é fundamental para minimizar o sofrimento dessas mulheres. “Procedimentos cirúrgicos de redesignação vocal como a glotoplastia podem ter impactos consideráveis na autoestima e na autoeficácia das pessoas trans, promovendo também o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários”, reforçou.
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