Democratas em crise buscam culpados para entender a derrota retumbante para Trump. Kamala Harris faz discurso em Washington para admitir derrota na eleição presidencial de 2024
REUTERS/Kevin Lamarque
A humilhante derrota para Donald Trump lançou, pela segunda vez em oito anos, os democratas no limbo existencial, procurando as respostas para o fracasso de Kamala Harris na liderança da chapa presidencial. Elas começaram a surgir após a fatídica madrugada de quarta-feira (6), quando os republicanos redesenharam com uma mancha vermelha o mapa eleitoral americano. Além da Casa Branca, o partido reconquistou o Senado e tem grandes chances de manter o controle da Câmara.
O momento é de recapitular o que deu errado para Kamala e entender por que os eleitores preferiram perdoar a retórica racista e misógina do ex-presidente republicano, as mentiras corriqueiras e sua ficha criminal, em vez de abraçar a plataforma de união e defesa da democracia da vice-presidente.
Ao aterrissar na disputa a 107 dias da eleição, Kamala tentou fazer do pleito um referendo sobre Trump e não sobre o presidente Biden. Ela empreendeu uma campanha exaustiva e positiva, concentrada basicamente nos sete estados que decidiriam o pleito, apresentando-se como representante da nova geração de liderança democrata.
As pesquisas detectaram a insatisfação de dois terços dos americanos com a direção do atual governo, do qual Kamala fez parte nos últimos quatro anos. Mas, supostamente por lealdade, Kamala não conseguiu demarcar distância suficiente de Biden.
Os estrategistas democratas investiram em Kamala como uma tábua de salvação, para compensar a vitalidade que faltava em Biden, aniquilado pelo fracassado debate em junho com Trump. A energia inicial da nova chapa democrata estancou, e Trump reduziu a diferença para a vice-presidente nos estados-chave.
Kamala Harris: “temos que aceitar os resultados dessa eleição”
Quando perguntada, num programa da ABC News, sobre o que ela faria diferente em relação a Biden, Kamala pareceu congelar. “Nada que me venha à mente”, foi o que conseguiu responder. Em outras palavras, mostrou-se incapaz de romper com o presidente e justificar o rótulo de candidata da mudança.
No entender do pesquisador e consultor político Frank Luntz, ela perdeu a eleição ao focar exclusivamente em atacar Trump. “Os eleitores já conhecem Trump, eles queriam saber mais sobre os planos da candidata. Foi um fracasso colossal para a sua campanha lançar mais holofotes sobre Trump do que sobre as próprias ideias de Harris”, ponderou ele na rede X.
Responsabilidade de Biden
Na busca pelos culpados pelo massacre nas urnas, dedos acusatórios são apontados para o presidente, que no ano passado insistiu ser a única opção para derrotar Trump e, ainda que sob pressão de figuras proeminentes do partido, resistiu muito a abandonar a corrida.
Apelidado de “máquina ambulante de gafes”, ele foi mantido longe da campanha de Kamala. Ainda assim, atrapalhou-a no episódio da suposta piada de um comediante republicano, que retratou Porto Rico como uma ilha de lixo. Na tentativa de ajudar, Biden fez uma chamada de vídeo e pareceu chamar os simpatizantes do republicano de lixo.
A surra republicana calou fundo os caciques democratas, que precisarão dissecar por que o partido foi abandonado por uma parcela de homens negros e latinos em centros urbanos dos estados da Muralha Azul — Wisconsin, Pensivânia e Michigan — que seriam essenciais para a vitória.
Há outro agravante: uma pesquisa de boca de urna realizada pela NBC News revelou que o segmento de eleitores que se identificam com a legenda atingiu o índice mais baixo do século — apenas 32%, cinco pontos menos do que há quatro anos. Para superar essa crise, será preciso sair à caça de uma mercadoria em falta: novas lideranças para o partido.