Voz da frustração americana, campanha focada em homens brancos e falhas dos democratas em tentar unir o país explicam o resultado, segundo analistas na imprensa americana e britânica. Trump aparece em televisão na bolsa Alemanha
AP Photo/Michael Probst
O republicano Donald Trump voltará à Casa Branca depois de uma vitória esmagadora contra a democrata Kamala Harris.
Ele conquistou com vantagem todos os sete estados-chave, decisivos para determinar a vitória de republicanos ou democratas. Obteve ainda uma vitória tanto no Colégio Eleitoral como no total de votos, algo inédito desde 2004. E o fez apesar de condenações na Justiça e de ter incentivado a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, inflamando seus apoiadores com falsas acusações de fraude eleitoral.
Analistas apontaram as razões pelas quais o republicano conseguiu se eleger. Veja a seguir:
‘A voz da frustração’
“A presidência de Trump reflete a sensação de marginalização profunda por aqueles que acreditam estar no isolamento cultural há tempo demais, e a fé que depositam na única pessoa que deu voz à sua frustração e tem a capacidade de colocá-los no centro da vida americana”, disse ao jornal The New York Times Melody C. Barnes, diretora executiva do Instituto Karsh para a Democracia da Universidade da Virgínia, ex-assessora na gestão do presidente democrata Barack Obama.
‘Trump representa dimensão profunda da personalidade americana’
“Trump reverbera profundamente dimensões mais profundas da personalidade americana (…) As pessoas são atraídas por Trump e pelo desprezo que ele expressa em relação aos seus oponentes, especialmente os políticos liberais e a mídia, precisamente por causa do desprezo que ele atrai em troca. Essa é a linha mestra de sua política”, disse John Harris ao site Politico
‘A desintegração da classe trabalhadora’
“Trump ganhou ou se manteve firme com todos os grupos demográficos, até mesmo grupos de esquerda, como eleitores brancos com ensino superior e mulheres. Ele ganhou mais com eleitores jovens, menos politizados e eleitores de cor de todos os matizes. Como isso aconteceu? A organização da classe trabalhadora, a sociedade civil e as instituições básicas que mantiveram o país unido se desintegraram. Existem muito poucos lugares onde as pessoas falam com alguém fora de seus colegas de trabalho —durante o trabalho— e um pequeno número de amigos. Não conhecemos nossos vizinhos. Não temos sindicatos. Esta é uma sociedade onde a confiança se corrói a um grau extremo, e a política é praticada no nível do indivíduo em vez da comunidade”, disse Ben David, da organização Socialistas Democráticos da América, ao jornal britânico The Guardian.
‘Falha dos democratas em tentar unir o país’
“A coalizão que os elegeu [Biden e Kamala] queria que eles unissem o país, e eles falharam em fazer isso”, disse também ao Times Carlos Curbelo, republicano anti-Trump da Flórida. “O fracasso deles resultou em mais desilusão com a política do nosso país e empoderou a base de Trump para dar a ele outra vitória apertada”, afirmou.
‘Washington desconectada da realidade’
“Para os aliados de Trump, a eleição valida seu argumento de que Washington está desconectada da realidade, que os Estados Unidos são um país cansado de guerras no exterior, de imigração excessiva e da política ‘woke””, escreveu Peter Baker, chefe dos correspondentes da Casa Branca do jornal The New York Times.
‘Campanha focada nos homens brancos’
“Trump conduziu uma campanha abertamente direcionada aos homens, apresentando Hulk Hogan rasgando a camisa na convenção republicana, um discurso ‘macho’ em seu comício de encerramento no Madison Square Garden e até mesmo o ex-presidente aparentemente simulando um ato sexual com um microfone nos últimos dias da corrida. No dia da eleição, o assessor de Trump, Stephen Miller, postou uma mensagem nas redes sociais dizendo: ‘Se você conhece algum homem que ainda não votou, leve-o às urnas”, escreveu Baker no mesmo artigo.
‘Atração de americanos pobres para o Partido Republicano’
“Trump reformulou o Partido Republicano em um partido multiétnico, de classe trabalhadora, que atrai mais aqueles na extremidade inferior do que na extremidade superior da escala de renda”, disse ao Washington Post Whit Ayres, um pesquisador do Partido Republicano. “Uma coalizão republicana tradicional era mais sofisticada, educada, mais rica — não rica, mas mais de classe média — em oposição à classe trabalhadora mais de classe baixa, de colarinho azul. Esse costumava ser o Partido Democrata, e não é mais.”
‘Muitos americanos querem o que Trump oferece’
“Uma grande parte da história é que um número suficiente de americanos quer o que Trump está vendendo”, diz um artigo de Edward Luce ao “Financial Times”. “Deportação em massa de imigrantes ilegais, o fim da globalização e um dedo médio para a abordagem muitas vezes autoparódica da elite liberal à identidade, mais conhecida como ‘wokeness’. Tudo isto superou quaisquer dúvidas que os eleitores tivessem sobre o caráter de Trump.”
‘A adesão de públicos até então hostis e o contexto histórico’
“Trump estava até ganhando entre os eleitores jovens, negros e hispânicos —grupos historicamente assumidos como veementemente anti-Trump”, disse Nate Cohn no The New York Times. “Tudo isso ocorreu no contexto de uma convulsão política no mundo industrial. Na esteira da pandemia e do aumento dos preços, os eleitores em um país após o outro, eleição após eleição, votaram contra o partido no poder. Mais amplamente, as últimas duas décadas apresentaram a ascensão de partidos populistas de direita e um declínio correspondente na força da centro-esquerda entre os eleitores da classe trabalhadora.”
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