Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) disse que tomou a decisão considerando as questões trazidas pela comunidade da Vila de Jericoacoara sobre a cronologia do terreno desde que ele foi adquirido. Entenda como acordo entre PGE-CE e empresária sobre terras de Jeri está suspenso.
Edson Silva
O acordo entre a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) e a empresária que reivindica a posse de cerca de 80% de terras na Vila de Jericoacoara está suspenso por tempo indeterminado. A informação foi confirmada ao g1 por meio de nota enviada pela PGE:
“A PGE-CE informa que, considerando as questões trazidas pela comunidade da Vila de Jericoacoara sobre a cadeia dominial do imóvel, realizará uma série de diligências a fim de ouvir outros órgãos e aprofundar a análise de todos os pontos colocados. O objetivo é garantir a segurança jurídica com relação ao andamento e conclusão do acordo extrajudicial com a proprietária do imóvel. Diante disso, o processo está suspenso por tempo indeterminado até que sejam cumpridas todas as diligências e que todos os órgãos se manifestem sobre a matéria, não restando dúvidas quanto ao legítimo domínio.”
A cadeia dominial à qual a PGE se refere a um estudo da cronologia do terreno, considerado todas as transmissões que aquela área foi repassada a alguém, indo desde a atual proprietária, até o proprietário original.
A Vila de Jericoacoara, um dos destinos turísticos mais procurados do Nordeste, em Jijoca de Jericoacoara, no litoral do Ceará, vive um impasse desde que a empresária Iracema Correia São Tiago, de 78 anos, passou a reivindicar parte das terras. Um acordo extrajudicial foi a solução encontrada pelo Governo do Estado para resolver a situação. Agora, ele está suspenso por tempo indeterminado.
Empresária reivindica 80% da área de paraíso turístico no Ceará
Arte/g1
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A procuradoria também informou que notificou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para que, com apoio do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), realize perícia cartorária “acerca do registro do imóvel visando atestar sua dominialidade.”
Foi notificada também a Superintendência do Patrimônio da União no Ceará (SPU) para se manifestar sobre a negociação.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também foi acionado pela PGE. O Instituto é o órgão do governo federal responsável pelo Parque Nacional de Jericoacoara que, embora não faça parte da Vila de Jericoacoara, também se encontra em parte do terreno reivindicado por Iracema.
“Ainda serão oficiados o Ministério Público Estadual (MP-CE) e o Ministério Público Federal (MPF), a fim que se manifestem sobre a matéria”, pontuou a procuradoria.
No dia 26 de outubro, o MPCE havia pedido a suspensão do acordo até que mais informações sobre os documentos da fazenda Junco I fossem investigados.
A ideia agora, segundo a PGE, é examinar cada trâmite do processo para que seja assegurada a permanência das pessoas e construções que estão atualmente na Vila de Jericoacoara.
A defesa de Iracema Correia São Tiago, por meio de nota, disse que ela “está tranquila em relação à decisão da PGE de manter suspenso o acordo para novas verificações junto aos órgãos competentes, que já se manifestaram antes favoravelmente ao seu direito”.
“(Iracema) entende que tudo o que for feito para esclarecer os fatos ratificará seus direitos e dará mais segurança e transparência ao processo, independente do prazo para a finalização do acordo. Iracema salienta mais uma vez, que o acordo garante a manutenção de todos aqueles que já habitam e ocupam a Vila regularmente.”
Relembre o caso
As três propriedades da empresária estão inseridas no Parque Nacional de Jericoacoara (linha verde).
Reprodução
▶️ O que a empresária alega? Iracema Correia São Tiago afirma que a vila fica quase toda dentro de uma de duas imensas áreas reivindicadas por ela (veja o infográfico abaixo). A mulher diz que, em 1983, seu então marido, José Maria de Morais Machado, adquiriu três terrenos na região (totalizando 714,2 hectares): um deles pertencia à companhia Florestal Sobral LTDA; o outro, a um casal que morava na região; e o terceiro, a um morador local. Os três terrenos deram origem à fazenda Junco I.
▶️O que diz a escritura apresentada? A escritura pública aponta a compra dos terrenos, com situação regularizada conforme Certificado de Cadastro de Imóvel Rural.
▶️ Quantos hectares de Jericoacoara estariam nesse terreno supostamente particular? Dos 88,2 hectares que correspondem à vila, 73,5 (ou 83% do total) estariam na área que pertenceria à empresária.
▶️ Qual é a atual situação da Vila de Jericoacoara? A vila fica no município de Jijoca de Jericoacoara e é uma área arrecadada. Isso quer dizer que ela foi incorporada ao patrimônio público, uma vez que não havia sido localizado um proprietário com escritura pública. O processo de regularização fundiária começou em 1995 e concluiu-se em outubro de 1997. No início, a vila tinha 55,3 hectares. Hoje, são 88,2.
▶️ O que a empresária pediu? Em julho de 2023, Iracema apresentou a escritura ao Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace). Inicialmente, o ofício foi entregue como uma proposta de conciliação, segundo a qual Iracema cederia ao estado as áreas que estivessem tituladas a terceiros até dezembro de 2022. Isso correspondia a 55,3 hectares (cerca de 62% da área de Jericoacoara). O restante deveria ser excluído da matrícula da vila, ou seja, devolvido à empresária.
▶️ Qual foi a contraproposta? Em resposta, o Idace propôs que toda a área da Vila de Jericoacoara continuasse dentro da matrícula do estado. A defesa de Iracema não aceitou. Em agosto de 2023, o Idace encaminhou o caso à Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE), que tem atribuição legal de defender direitos e interesses sobre o patrimônio imobiliário do Ceará. Recentemente, o órgão emitiu um parecer oficial apontando a escritura como legítima. O g1 teve acesso a documentos do processo.
▶️ Qual foi o parecer da procuradoria? Segundo a PGE-CE, o estado é obrigado a reconhecer a propriedade da empresária. Em nota, o órgão diz: “Ficou comprovado, à vista de documentos oficiais, que, na matrícula arrecadada referente à Vila de Jericoacoara, havia um registro anterior de propriedade abrangendo praticamente toda a Vila”.
▶️ Qual foi a decisão da PGE? A PGE está tentando negociar um acordo extrajudicial, instrumento utilizado quando duas partes de um conflito negociam a resolução do problema de modo consensual e sem recorrer a um tribunal.
▶️ O que o acordo extrajudicial prevê? Que a empresária renuncie às áreas ocupadas por moradores ou construções, preservando também vias e acessos locais; por outro lado, seriam repassados a ela terrenos não ocupados e que ainda estão em nome do estado. Nenhum título foi emitido em nome de Iracema. Atualmente, o detalhamento sobre os terrenos a serem desmembrados da vila está em fase de estudos.
▶️ O que a PGE argumenta? Em nota, a Procuradoria-Geral afirma que conduziu um acordo que protege as famílias que trabalham e residem na região. Segundo o órgão, caso toda a área reconhecida fosse retirada da matrícula do estado, residentes e comerciantes locais poderiam ser obrigados judicialmente a sair de suas casas e estabelecimentos.
▶️ O que dizem moradores da região? Ao g1, disseram que ficaram sabendo do processo há menos de uma semana. Eles alegam estar surpresos com a negociação sobre áreas públicas da vila e temem prejuízos à paisagem e à preservação do lugar. Temem ainda que sejam erguidas novas construções em áreas verdes e em locais que hoje compõem a paisagem local. No domingo (13), eles fizeram um protesto.
Iracema Correia São Tiago aparece em foto antiga revelada pela família ao Fantástico.
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▶️ O que é o Parque Nacional de Jericoacoara? O parque tem uma área de 8.863 hectares e atualmente é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do governo federal responsável pela gestão de unidades ambientais. Ao g1, o ICMBio informou que sabe do caso e que vem acompanhando informações repassadas pelo Conselho Comunitário de Jericoacoara.
▶️ A vila faz parte do parque? Não. Segundo o ICMBio, a vila turística fica fora do território do Parque Nacional de Jericoacoara e faz parte da área urbana do município de Jijoca de Jericoacoara.
▶️ Qual a atualização sobre a história? A Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) informou ao g1 que o acordo extrajudicial está suspenso por tempo indeterminado. O órgão disse que considerou, para esta decisão, “as questões trazidas pela comunidade da Vila de Jericoacoara sobre a cadeia dominial do imóvel”. Agora, a procuradoria realizará uma “série de diligências a fim de ouvir outros órgãos e aprofundar a análise de todos os pontos colocados.”
Em azul, as terras que passariam a ser da empresária após acordo.
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