Levantamento da Faculdade de Tecnologia da Unicamp identificou altas concentrações de pesticidas e medicamentos. Pesquisa alerta para necessidade de modernização de sistemas de tratamento, que atualmente não são capazes de remover completamente esses compostos. Professora Cassiana Montagner, orientadora da pesquisa, durante coleta em rio da região
Divulgação
Pesticidas e medicamentos estão entre 38 contaminantes encontrados em um mapeamento de 14 rios da Bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) realizado por pesquisadores da Faculdade de Tecnologia (FT) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O estudo lança um alerta para a série de danos causados pela contaminação, que vão da perda de biodiversidade da fauna ao risco de câncer a longo prazo entre os humanos. Para a orientadora da pesquisa, uma das soluções passa pelo aperfeiçoamento de estações de tratamento de esgoto e água.
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Entre os rios analisados na região estão o Piracicaba e o Corumbataí. Também foram avaliados o Atibaia, Capivari, Jaguari, Jundiaí, Atibainha, Cachoeira, Camanducaia e Pirapitingui. Em Campinas, foram colhidas amostras, ainda, dos ribeirões Anhumas e Pinheiros.
Os pesquisadores identificaram nessas águas os chamados contaminantes emergentes – que são compostos per-e e polifluoroalquilados (PFAs) -, utilizados em muitos produtos, como antiaderentes, surfactantes e pesticidas. Eles são encontrados em materiais como a espuma de extintores de incêndio, colchões, estofados, carpetes, embalagens de fast-food e produtos revestidos com antiaderentes, tais como panelas e frigideiras.
Em seis das 14 amostras analisadas, foram identificados valores de PFAS acima da concentração limite. A tese foi orientada pela professora Cassiana Montagner, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, que explica que o consumo contínuo e a longo prazo de águas com essa substância podem levar até ao desenvolvimento de câncer.
“Embora sejam concentrações baixíssimas comparadas com outros contaminantes que a gente normalmente estuda, são concentrações que já são consideradas preocupantes. O risco está associado à exposição crônica”, explica.
Ela observa que a pesquisa, inicialmente, analisou as águas extraídas diretamente dos rios e não depois de passarem pelas estações de tratamento. Mas aponta que já há estudos no exterior a respeito da falta de capacidade dos sistemas tradicionais de tratamento para remover completamente essas substâncias dos recursos hídricos.
“Tem muitos dos contaminantes emergentes que a gente estuda no grupo e a gente sabe que o processo de remoção pela ETA [estação de tratamento de água] remove quase nada. Nas mesmas concentrações que estão no rio acabam sendo encontrados na nossa água de torneira”, acrescenta.
Ela também chama a atenção para a concentração de medicamentos identificadas nas análises. “Você fala: ‘Ah, tudo bem eu beber Paracetamol. Eu já tomo porções muito maiores que aquela que estaria na nossa torneira’. Mas e os outros, os psicoativos, os hormônios? E as pessoas que não precisam fazer ingestão desses medicamentos e estão tomando um pouco deles todos os dias? Então, é esse combinado de substâncias que a gente precisa entender que volta para nós sem que a gente enxergue”.
Rio Piracicaba foi um dos que teve amostra de água analisada em estudo
Edijan Del Santo/EPTV
Efeitos na fauna
Entre os pesticidas encontrados, os mais frequentes foram Atrazina, Diuron, Ametrina e Imidacloprido. Todos apresentam coeficientes com grande risco para a vida aquática. A avaliação para a vida aquática apresentou quocientes de risco (QR) entre 8,7 e 20,9, sendo o rio Piracicaba o ponto mais preocupante.
Segundo Cassiana, os contaminantes causam efeitos chamados de subletais na fauna local, que a longo prazo são capazes de afetar seu comportamento e seus organismos.
“Essas concentrações não são daquelas que causam efeito agudo, de aparecer um monte de bicho morto na região. Mas acontece, por exemplo, dos organismos passarem a não se reproduzirem como deveriam, ter algumas disfunções no metabolismo que acabam diminuindo o potencial de procriação, e acabam acarretando perda de biodiversidade”.
Ela acrescenta que, neste ciclo, é afetado o autocontrole da cadeia alimentar e são extintas algumas espécies que estão sendo mais sensíveis a esse tipo de contaminação.
“O ciclo de vida desses organismos é bem menor e a gente consegue enxergar esse efeito em gerações de forma mais rápida. […] Tem alguns casos em que a gente já viu que eles diminuem a capacidade do organismo de nadar. E, ali, eles acabam se tornando uma presa fácil, não conseguem buscar alimento e acabam não se proliferando como deveriam normalmente e acaba tendo esse desequilíbrio na cadeia alimentar”.
Rio Corumbataí, em Piracicaba
Edijan Del Santo/EPTV
Modernização do tratamento
Segundo a pesquisadora, a melhoria no cenário passa pelo aperfeiçoamento nos sistemas de tratamento.
“Nossos tratamentos de água e esgoto são os mesmos de 100, 150 anos atrás, quando a preocupação era remover patógenos, microbiológicos e carga orgânica basicamente. Agora, com nossa vida moderna nas últimas décadas, pensa em quantos compostos novos apareceram […] Tudo isso vai parar no meio ambiente e esses tratamentos precisam ser modernizados para fazer a remoção”.
A orientadora da pesquisa também cita que é dever do poder público, com o novo marco do saneamento, exigir que as cidades que ainda não têm tratamento básico passem a oferecê-lo e, consequentemente, melhorem a qualidade da água tratada.
Conscientização e filtragem extra
Já à população, Cassiana aponta que cabe uma maior conscientização sobre o destino de seu esgoto e outros materiais descartados, para cobrar melhorias.
“O esgoto vai sem tratamento para o rio e esse mesmo rio é utilizado para captação de água para abastecimento público […] Nosso esgoto precisa ser coletado e tratado adequadamente antes de ser jogado novamente no rio. Se não, esse ciclo vai voltar, está voltando o problema para a nossa casa. Embora 50% dos nossos esgotos ainda sejam jogados in natura nos rios, isso não é algo que a gente possa considerar normal. A gente precisa cobrar que seja melhor destinado”.
Para buscar uma melhoria no recurso que chega às tornas a curto prazo, a indicação da pesquisadora e usar filtro. “O que a gente pode fazer na prática, no curto prazo, é tentar um processo de fitração extra em casa, usando carvão ativado, por exemplo, que faz uma etapa complementar. Principalmente para as residências que estão localizadas em cidades que usam um manancial bastante impactado para abastecer a população”, recomenda.
O grupo de estudos pretende buscar uma parceria com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e ampliar o levantamento para um nível estadual. “Para levantar os pontos mais preocupantes. E, com base nesses pontos mais preocupantes, de maiores concentração, tentar entender quais são as principais fontes para poder fazer esse processo de mitigação antes de acontecer uma tragédia”, finaliza Cassiana.
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