Benefício passou a ser bancado em agosto, mas cada vereador é responsável pela negociação e apresenta a nota para a Casa. Laura Carneiro, por exemplo, contratou de empresa de colega vereador. Câmara municipal do Rio já gastou mais de um milhão de reais com aluguel de carros blindados
Em agosto do ano passado, os vereadores da cidade do Rio de Janeiro foram autorizados a alugar, por conta própria, carros blindados para sua segurança. E têm sido reembolsados com dinheiro público. Desde então, 30 dos 51 vereadores apresentaram contratos, recibos ou notas fiscais do aluguel de carros blindados à Casa, que já depositou de volta R$ 1,1 milhão.
A Mesa Diretora apenas estipulou um teto de R$ 7.495 por mês, e cada político negocia o contrato individualmente, sem licitação, pesquisa de preços e transparência — a GloboNews só conseguiu descobrir as empresas escolhidas depois de um requerimento com base na Lei de Acesso à Informação.
Welington Dias e Laura Carneiro
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Colegas de plenário e de negócios
Até fevereiro, Laura Carneiro (PSD) e Welington Dias (PDT) eram colegas de plenário. Para o aluguel de um sedã blindado, a vereadora escolheu a DMV Transportes — empresa de Dias.
O documento teria sido feito em 1º de novembro de 2022, mas a assinatura digital do vereador data de oito meses antes, em fevereiro de 2022.
Apesar das inconsistências, Laura ganhou dos cofres da Câmara três repasses de R$ 22.485 — justamente o teto do serviço.
Pela documentação apresentada, a vereadora usou o carro blindado durante três meses, entre novembro e janeiro deste ano — metade desse período foi recesso parlamentar.
Em 2017, antes de tomar posse na Câmara, Welington Dias foi acusado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) por improbidade administrativa. A investigação apontava que Dias era diretor de uma ONG e contratou com dinheiro público a própria cooperativa de transporte.
“Esse tipo de contratação esbarra de forma bastante gritante no princípio da impessoalidade e no princípio da moralidade. Dá para lembrar no velho princípio da Roma antiga: ‘Não basta ser honesto, tem que parecer honesto’”, disse Fernando Barbalho, especialista em direito administrativo.
“O ideal é que essa contratação fosse feita pela própria Câmara de Vereadores em uma licitação para 51 carros, que tende a ser mais econômica. O valor que você vai pagar pela locação de cada carro tende a ser menor do que se cada vereador negociar isoladamente”, explicou Barbalho.
Marcio Reis, também especialista em direito administrativo, afirmou que “a Câmara perde o controle das contratações”. “Cada gabinete vai ser responsável por escolher uma empresa, que não necessariamente vai ser a melhor, a mais qualificada tecnicamente e com o melhor preço.”
“Podemos imaginar que eventualmente algum vereador possa querer fazer a contratação de um parente, de um amigo, isso não é adequado. Isso viola claramente o princípio da impessoalidade”, emendou Reis.
O teto de R$ 7.495 estipulado pela Mesa Diretora veio de um contrato assinado pela própria Casa para a locação de carros blindados. Mas outros órgãos públicos que fizeram licitação estão pagando mais barato que isso.
Para o Degase, Departamento de Ações Socioeducativas do Estado, um carro com o mesmo nível de blindagem e as mesmas especificações está custando R$ 6.491 por mês.
Os dois blindados alugados pelo Instituto Estadual do Ambiente são ainda mais em conta: R$ 4.900.
O que dizem os envolvidos
A Câmara do Rio informou que criou o mecanismo de reembolso para o aluguel de carros blindados depois de ataques e ameaças sofridos por parlamentares. “O modelo é semelhante ao da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa do RJ”, disse.
A Casa informou que o valor de mais de R$ 7 mil é inferior ao gasto de outros órgãos — ao contrário do que levantou a reportagem.
O vereador Welington Dias, dono da empresa contratada pela vereadora Laura Carneiro, admitiu a relação de amizade e alegou que não teve intenção de fazer negócios com a Câmara.
Sobre a acusação de improbidade, Dias afirmou que nunca foi dirigente da ONG investigada e que está sendo injustiçado.
Laura Carneiro, que em fevereiro assumiu um mandato na Câmara de Deputados, disse à reportagem não ver problemas no contrato com Dias.
“É o trabalho dele”, justificou. “Não é o vereador que está recebendo, é a empresa dele. Na medida que o carro utilizado é de uma empresa que presta um serviço até mais barato que as outras, não tem problema nenhum”, disse.
Sem licitação ou pesquisa de preços, Câmara do Rio reembolsa vereadores em R$ 1 milhão pelo aluguel de carros blindados
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