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O alto custo da guerra da Ucrânia para regimento de elite considerado ‘o melhor’ da Rússia


O declínio do 331º regimento pode ser medido em perdas de maquinário e pessoal. Presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante reunião em foto de 2020
Sputnik/Alexei Druzhinin/Kremlin via Reuters
Kostroma não é um mau lugar para analisar os efeitos da guerra da Ucrânia na Rússia. Essa cidade abriga um célebre regimento que leva seu nome e esteve na linha de frente de todas as principais batalhas da campanha do Kremlin contra seus vizinhos.
O 331º Regimento de Paraquedistas, muitas vezes chamado de Regimento Aerotransportado de Kostroma, tem sido alvo de investigações do programa Newsnight, da BBC, desde pouco tempo depois da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.
As investigações revelaram o preço pago pelo regimento e sua comunidade local. A BBC havia confirmado 39 mortes até abril do ano passado, 62 até o fim de julho, e agora esse número chega a 94.
Grande parte do trabalho de compilação desta lista envolveu a combinação de informações publicadas em perfis de rede social no V’Kontakte, o equivalente russo do Facebook, e reportagens da imprensa local. Conseguimos então cruzar esses dados com imagens de satélite e do Google Street View.
Um vídeo descoberto no V’Kontakte mostra os túmulos dos soldados em um cemitério a nordeste de Kostroma. As sepulturas que aparecem nos vídeos correspondem aos nomes dos soldados que coletamos.
O número real de mortos do 331º Regimento é provavelmente muito maior. Alguns dos soldados são de cidades fora de Kostroma, o que torna o rastreamento de informações sobre eles muito mais difícil. Vários soldados foram dados como desaparecidos — alguns deles podem estar entre os mortos.
Quando se leva em consideração os gravemente feridos ou feitos prisioneiros, é razoável supor que a guerra na Ucrânia custou ao regimento várias centenas de soldados.
Cemitério a nordeste de Kostroma
BBC
As mortes geraram bastante repercussão em Kostroma, que fica a cerca de 300km a nordeste de Moscou e tem uma população de cerca de 250 mil habitantes.
Um site local observou na primavera passada que toda a guerra soviético-afegã, que durou nove anos, havia custado à cidade a vida de 56 soldados. As fortes baixas na Ucrânia deram às autoridades locais uma difícil missão de gestão política.
Sergey Sitnikov, o governador de Kostroma nomeado pelo Kremlin, tem estado à frente das tentativas de convencer a população de que os soldados da cidade estão recebendo o devido apoio. As visitas de Sitnikov a hospitais, quartéis e até mesmo à linha de frente de combate foram transmitidas pela TV local.
Em uma visita à linha de frente em dezembro, o governador disse aos telespectadores que “precisamos ajudar [os] caras para que tenham condições decentes”. Ele levou consigo pacotes de suprimentos e drones vendidos comercialmente, obtidos por meio de crowdfunding (financiamento coletivo).
Sitnikov é o representante de Vladimir Putin em sua terra natal, então ele está longe de ser um rebelde ou um destemido contador de verdades incômodas. Mas sua disposição de visitar a linha de frente de combate e reconhecer falhas, mesmo que de forma codificada, marca um contraste interessante com seu chefe.
Quando a TV local mostrou paraquedistas convocados para a guerra no desfile do 331º regimento, seis meses atrás, também transmitiu as observações bastante francas do governador:
“Desejo a eles saúde, sucesso, realização de todas as atribuições… e que voltem para casa com vida.”
Sergei Sitnikov, governador de Kostroma
GTRK KOSTROMA
A convocação de paraquedistas, como parte da mobilização mais ampla da Rússia, evidencia o grau em que a guerra na Ucrânia exauriu o exército profissional do país, do qual o 331º regimento tem sido um exemplo. Na filmagem do desfile de novembro, 150 recrutas foram apresentados antes de serem enviados para a linha de frente de combate.
O tamanho total do 331º regimento pode ser estimado em 1,5 mil a 1,7 mil integrantes. Quando foi enviado pela primeira vez à Ucrânia em fevereiro de 2022, mobilizou dois batalhões, totalizando de 1 mil a 1,2 mil soldados. Depois de sofrer fortes baixas na tentativa fracassada de chegar a Kiev, o regimento se retirou e foi reconstituído na base militar da cidade de Belgorod, no sul da Rússia, no verão passado.
Na sequência, o regimento se deslocou entre todos os principais pontos de conflito — Izyum no início do verão, Kherson em seguida, e agora está de volta a Donbass.
Ao monitorar as datas fornecidas nos anúncios fúnebres nas redes sociais de Kostroma, é possível descobrir quando (e frequentemente onde) a unidade foi usada para liderar ataques e quando se retirou da linha de frente. Por exemplo, uma série de mortes em fevereiro sugere a presença de integrantes do 331º regimento em Kreminna.
Cada vez que combatentes substitutos — incluindo os recrutas exibidos na TV em novembro — são enviados para compensar as baixas, o efetivo original de soldados fica menor, e o tamanho geral da unidade diminui. Agora, podem não passar de 300 a 400 combatentes na linha frente.
As perdas, assim como o retorno de homens gravemente feridos, repercutiram na comunidade local. Algumas semanas após o início da guerra, um usuário da rede social V’Kontake escreveu: “Quase todos os dias, fotos de nossos rapazes de Kostroma são publicadas. Isso me dá arrepios na espinha. O que está acontecendo? Quando isso vai acabar?”
A imprensa local tem apresentado as homenagens aos soldados mortos de Kostroma. Em dezembro, uma estação de TV transmitiu a inauguração de uma placa para Eduard Reunov, um paraquedista do 331º regimento morto na Ucrânia. O estilo deste memorial e a linguagem usada na reportagem podem ser vistos como uma tentativa de remeter à Grande Guerra Patriótica (como os russos chamam o combate de 1941-1945 contra os nazistas), dando a entender que os soldados de hoje estão engajados em uma causa igualmente importante .
Mas nas redes sociais encontramos manifestações mais modernas de homenagem — e até mesmo pessoas em busca de vingança. Soldados aparecem segurando projéteis com mensagens rabiscadas pelos ex-colegas de turma de Reunov e, supostamente, por sua família.
Há uma tendência observada em algumas cidades russas com bases militares, de esposas e mães postarem fotos de si mesmas com um uniforme do soldado ausente.
A mãe inconsolável de um paraquedista do 331º regimento morto se lembra da Grande Guerra Patriótica e afirma: “Espero que haja histórias escritas sobre nossos rapazes”.
A mulher de um soldado russo posa com o uniforme dele
GTRK KOSTROMA
Aqueles que questionam o sacrifício tendem a ser repudiados. “A Ucrânia não é minha pátria, nossos rapazes estão morrendo por nada”, escreveu uma pessoa recentemente na página de Kostroma no V’Kontakte. Outro usuário respondeu rapidamente: “Essa é uma opinião estúpida. Não faz sentido escrever essas coisas aqui”.
É evidente pela cobertura das atividades do governador Sitnikov que as autoridades estão tentando apaziguar aqueles que estão preocupados com os mortos e feridos. Não está claro quanto apoio a guerra tem da população russa em geral, mas o vídeo que vimos sugere que há bastante solidariedade entre as famílias de militares em Kostroma.
O declínio do 331º regimento também pode ser medido em perdas de maquinário — particularmente de veículos de combate de infantaria aerotransportados, conhecidos pelas iniciais russas BMD, que foram usados em sucessivas batalhas.
Inicialmente, quando o 331º regimento fazia parte de uma força-tarefa das Forças Aerotransportadas russas avançando para Kiev, tivemos dificuldade em identificar seus veículos em vídeos dos combates. Um “V” pintado foi usado para identificar veículos de todas as várias unidades que participavam da força-tarefa, e um símbolo de triângulo invertido com um “3” no centro também foi usado por outro regimento além do 331º.
À medida que a guerra avançava, os soldados do 331º regimento adicionaram mais uma marcação nas laterais de seus veículos — eles pintaram um ponto de exclamação ao lado do V. Podem ter feito isso justamente para que seus comandantes pudessem distinguir seus blindados de outros regimentos.
Consequentemente, fomos capazes de identificar BMDs do 331º regimento sendo transportados em vagões de trem em março de 2022, após sua retirada da Ucrânia. Depois, eles reapareceram em Donbas durante os combates do último verão.
Veículo de combate BMD rastreado de Belarus e Dombas
BBC
Analistas de código aberto também identificaram pelo menos 25 BMDs destruídos marcados dessa maneira, vasculhando perfis de rede social de militares ucranianos. Assim como acontece com os soldados mortos, esta perda visível não representa o todo, uma vez que muitos outros BMDs pertencentes ao regimento de Kostroma provavelmente foram perdidos fora do alcance das tropas ucranianas.
Uma reportagem transmitida em fevereiro de 2023 pela rede russa NTV mostra um “grupo blindado” do 331º regimento em ação em Lugansk. Mas isso só tende a confirmar a impressão que obtivemos a partir de outras fontes de que o regimento sobrevive com pequenos destacamentos capazes de liderar certas missões. Pelas imagens exibidas, este elemento consiste em apenas três veículos blindados BMD.
Veículos de combate BMD do 331º regimento destruídos
WARSPOTTING
Assim, a longa guerra do regimento continua. Você vai obter poucas informações sobre os efeitos mais amplos do conflito sobre a população ucraniana por meio da mídia russa, e não há nenhuma cobertura franca das denúncias de crimes de guerra.
O 331º regimento foi acusado de massacrar centenas de soldados ucranianos durante os combates em 2014. Para muitos ucranianos, as últimas baixas russas podem parecer nada mais do que os paraquedistas recebendo o castigo que merecem.
Enquanto isso, no cemitério de Kostroma há muitas evidências do preço do fracasso da invasão da Rússia. Enterrados ali também estão a reputação do regimento como “o melhor dos melhores” — e seus sonhos de uma vitória fácil.

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