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Comunidades tradicionais querem fim de segurança armada de empresa na área da ‘guerra do dendê’ no Pará: ‘insegurança total’, diz quilombola baleado


Quilombola alvo de tiros dentro de fazenda em área de disputa de terras conta detalhes da ação que deixou outras duas pessoas feridas. Entidades de direitos humanos acompanham clima acirrado no Acará. BBF defende que áreas são invadidas e alvo de furtos de frutos. Seguranças armados entram em confronto direto com quilombolas dentro de área de disputa de terras no Pará.
Reprodução
“A sensação é de insegurança total, porque o Estado está lá, mas não a nosso favor”, diz um dos três quilombolas atingidos por tiros de seguranças armados da Brasil BioFuels (BBF) dentro da fazenda Vera Cruz, no Acará, nordeste do Pará. A empresa explora óleo de palma em plantações de dendê na mesma área reivindicada, há mais de dez anos, por comunidades tradicionais, incluindo também indígenas e ribeirinhos, junto ao Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A disputa na região, chamada por especialistas de “guerra do dendê” e que se arrasta desde 2010, é um dos 1.107 conflitos no campo registrados na Amazônia Legal em 2022, segundo relatório “Violência no Campo”, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) na segunda-feira (17). No Brasil, os episódios de violência no campo tiveram aumento de 16,7% em relação ao ano anterior, alcançando 1.572 ocorrências.
Na quarta-feira (12), imagens feitas por quilombolas mostram o avanço dos seguranças armados e as pessoas que ficaram feridas dentro da fazenda. O quilombola, que teve a identidade preservada, relembra a ação – assista ao vídeo abaixo:
Guerra do dendê: Quilombola relembra ação de seguranças armados dentro de fazenda no PA
Após o episódio, uma manifestação de cerca de 50 pessoas interditou o acesso ao Polo Vera Cruz, que é a base da BBF na fazenda. As comunidades reivindicavam o fim do uso de armamentos pesados por parte dos seguranças, além de cobrar agilidade na titulação de terras pelo Incra e pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e estudos de componentes de comunidades tradicionais que seriam afetadas pela exploração dos dendezais.
Um acampamento foi montado na sexta-feira (14) no ramal, reunindo até idosos e crianças, mas foi removido por forças de segurança na noite de domingo (16), incluindo Tropa de Choque da Polícia Militar. Segundo os relatos dos quilombolas, seguranças privados da empresa também acompanhavam o comboio dos agentes do Estado na reintegração da via.
A ação cumpria mandado da Vara de Justiça do Acará, expedido após a empresa relatar via boletim de ocorrência que funcionários estavam dentro do Polo Vera Cruz, dentro da fazenda, sem poder sair devido à manifestação. A BBF também afirmou que eles estavam sem abastecimento de água, comida e combustíveis, além de relatar que o grupo teria recebido ameaças no local por parte dos manifestantes.
A Polícia do Pará não comentou sobre a presença de funcionários da empresa no comboio. A Segup disse que cumpria a decisão judicial com uma ação integrada e que um inquérito vai investigar o caso.
Vídeos, também feitos por quilombolas, mostram o aparato policial que chegou para desmobilizar o protesto. O quilombola afirma que houve “excessos” diante de uma manifestação pacífica, segundo o relato – veja:
Guerra do dendê: Relato traz detalhes de ação policial em protesto de quilombolas no Pará
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Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), houve abuso de poder na ação. “A OAB pede ao Estado que haja equidade, pois de um lado temos quase mil boletins de ocorrência sendo atendidos por parte da empresa, com indício claro do uso de aparato estatal contra essas comunidades tradicionais, que por outro lado, não são ouvidas”.
A ação de seguranças na fazenda Vera Cruz e a ação de reintegração no ramal do linhão ocorreram dentro de área que está sob ação judicial e ainda não foi reconhecida. As comunidades dizem que o conflito se acirra porque há, ao menos, dez anos o Incra ainda não concluiu o pedido de titulação das terras para que elas se tornassem áreas pertencentes às comunidades tradicionais.
O processo corre na Vara Agrária de Castanhal, onde as comunidades e a empresa assinaram acordo para conviverem sem animosidades dentro do território, até a decisão final. O g1 procurou o Incra, responsável pela titulação das terras, e a Funai, responsável por acompanhar a situação dos indígenas, mas não obteve retorno.
A BBF afirma que a fazenda possui ação de interdito proibitório desde julho de 2022, em decisão realizada judicialmente assinada com a presença dos envolvidos e lideranças das comunidades. A empresa diz, também, que registrou 9 boletins de ocorrência desde o conflito envolvendo os seguranças e os quilombolas na fazenda.
Com o acirramento do conflito, o titular da Vara Única de Acará, Giordanno Loureiro Cavalcanti Grilo, determinou o desbloqueio do ramal; proibir o ingresso na fazenda, além da desocupação, sob pena de R$ 500 por pessoa até limite de R$ 50 mil; e vetou novos atos de bloqueio da via de acesso à empresa.
Por outro lado, os quilombolas consideraram “arbitrária” a ordem judicial de reintegração, expedida pela Vara do Acará, já que deveria competir à Vara Agrária de Castanhal, responsável pelo caso, as decisões acerca dos conflitos agrários e a reintegração de posse.
“(Enquanto o processo corre) A gente fica receoso em ação como essa de domingo, com todo aquele aparato, onde o Estado deslocou um aparato muito grande. Isso tudo na véspera do aniversário do Massacre de Eldorado dos Carajás (quando 21 camponeses foram mortos por ação policial no Pará). Além disso, a empresa ainda nos acusou de manter pessoas em cárcere privado, o que não é verdade, e nós temos como comprovar”, afirma o quilombola.
Imagens que circularam pelas redes sociais mostram funcionários da empresa deitados no chão. Segundo o quilombola, a estrada foi interditada como forma de protesto contra a ação dos seguranças. “Até registramos boletim de ocorrência, mas a polícia não fez nada. Nós estamos no nosso direito de se manifestar pacificamente, isso é legal. Não estamos mantendo ninguém refém, nem cárcere privado”.
“Eles estavam com as armas e nós desarmados. Como é que pode alguém desarmado manter alguém em cárcere privado?”
Já a BBF afirma que a fazenda Vera Cruz e as demais fazendas ao redor foram adquiridas da antiga empresa Biopalma, que pertencia à (Vale, “como parte da operação de aquisição realizada em novembro de 2020”. “A BBF possui as escrituras de compra e venda, títulos de posse e registro desta área em conformidade com os órgãos competentes do Estado do Pará”, afirma.
Sobre o tiroteio na quarta-feira, a BFF disse, em nota, que o grupo de quilombolas “‘estava armado e foi surpreendido pela equipe de segurança da empresa quando roubavam frutos de dendê na fazenda”.
“Ao serem abordados, ameaçaram de morte os funcionários da empresa que trabalhavam no local, ao mesmo tempo em que tentaram invadir as instalações do Polo Vera Cruz, com o objetivo de destruir equipamentos e maquinários da empresa”. O grupo de quilombolas contesta.
A respeito da desintegração, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informou que, no domingo, foi emitida uma ordem judicial determinando a desocupação e o desbloqueio da fazenda Vera Cruz e que equipes especializadas, por meio de ação integrada, cumpriram o mandado judicial, realizando a desocupação e desbloqueio das vias de acesso à fazenda.
De acordo com a Segup, um inquérito será instaurado para apuração dos fatos. A secretaria, nem as polícias Civil e Militar, responderam aos questionamentos sobre a presença de veículos da empresa no comboio.
Extração de frutos
Lideranças das comunidades quilombolas do Alto Acará são alvo de centenas de boletins de ocorrência registrados pela BBF. Entre os registros estão “invasão de terras” e, principalmente, “roubo de frutos”.
O quilombola ferido por tiros confirma que o grupo estava extraindo frutos de dendê no dia do ataque na quarta-feira (12).
Segundo o relato, os camponeses não estavam armados, enquanto os seguranças estavam com armamentos pesados. “Eles vieram fortemente armados para cima da gente, enquanto a gente extraía dendê dentro da fazenda. A nossa arma é só os ‘cacetetes’. Acabou que eu fui ferido, e graças a Deus não foi mais grave. Eu sofri ali uma tentativa de homicídio, o ferimento foi na minha costela, na altura do coração, e se tivesse pego no meio, com certeza não estaria hoje aqui para contar”.
“Me senti com muito medo naquela hora ali, tinham vidas ali, imagine só, um grupo de pessoas desarmadas contra um grupo que tinha armas de calibre 12, de repetição; pistola de 9mm; revólver de calibre 38. Filmamos toda a ação muito deles que, na verdade, são milicianos, todos encapuzados, é muito triste, porque eles alegam que estamos furtando o furto, o que não é verdade”.
Segundo o quilombola, “a empresa se implantou dentro do território, não fez estudo de componentes, além de causar impactos ambientais”. “Depois que a gente resolveu retomar o nosso território, eles contrataram essa empresa de segurança. Aí quando a gente passa pela estrada a vai lá na delegacia e registra boletim dizendo que a gente está furtando dendê”.
“A empresa tem obrigação de compensar pelos danos ambientais que causou, mas infelizmente nunca fez isso, por isso a gente resolveu, como forma de compensação, extrair o fruto do dendê e comercializar para investir nas comunidades, em benefício da população tradicional”.
Outro lado
Em nota, a BBF defende que a fazenda teria sido invadida e que registrou, somente na última semana nove ocorrências na delegacia de Polícia.
“A área em questão possui ação de interdito proibitório em favor da BBF desde julho de 2022 e proíbe judicialmente a presença e/ou aproximação de quilombolas e indígenas no local, em decisão da Justiça com a presença dos envolvidos e lideranças das comunidades. Houve concordância e assinatura do termo judicial em questão. Porém a decisão judicial não é respeitada e as invasões, roubos, furtos, ameaças, incêndios criminosos, desmatamentos e agressões contra trabalhadores continuam ocorrendo”, afirma a empresa.
A BBF ressaltou, ainda, que já registrou mais de 750 boletins de ocorrência contra moradores da região e disse que “acredita no poder público e continua com seu propósito de gerar empregos e renda no estado e mesmo com a situação crítica enfrentada segue garantindo a manutenção dos mais de 5 mil empregos diretos e 18 mil empregos indiretos gerados no Pará”.
Procurada, a empresa não comentou sobre a presença de veículo, equipamentos e pessoal do empreendimento junto aos policiais na ação de domingo (16).

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