Ensaio ‘Entre a vida e a morte nas ruas’ levou sete meses para ficar pronto e aborda dificuldades enfrentadas por quem sobrevive segregado no Rio de Janeiro. Homem carrega bonecas coletadas no lixo
Fábio Teixeira
O fotógrafo Fábio Teixeira, de Piracicaba (SP), foi premiado por um ensaio fotográfico de pessoas em situação de rua que trabalham com reciclagem no Rio de Janeiro (RJ). Para o trabalho, ele passou sete meses nas ruas acompanhando os personagens.
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Fábio ganhou o Prêmio Portfólio FotoDoc 2024 do Festival de Fotografia Documental. O ensaio “Entre a vida e a morte nas ruas” reuniu 13 registros do cotidiano dessas pessoas. A coletânea ganhou o principal prêmio do festival, que teve 2.465 inscrições de brasileiros e estrangeiros divididas nas categorias Portfólio, Ensaios e Imagem Destacada.
Homem com tampão em olho carrega resíduos recicláveis
Fábio Teixeira
Realidade e registros sensíveis
As fotos de Fábio se destacam por conta do contexto em que foram feitas. É o que diz o próprio fotógrafo. Como morador do Rio de Janeiro, Fábio percebeu movimentação de pessoas que trabalhavam com reciclagem nos arredores da Bahia de Guanabara, Zona Sul da cidade.
Mas não só. O mesmo grupo se organizava em outras áreas e era facilmente identificável, pelo menos por quem escolhesse ver. Homens, mulheres e crianças. Todos em situação de rua. A maioria preta e, em muitos casos, doente.
“A situação mais complicada é a morte e as doenças. Havia pessoas que estavam com doenças nos olhos. Uma espécie de bactéria que eles pegam por trabalhar com lixo. Algumas perderam a visão e outras morreram. Elas falecem por infecção bacteriana, tuberculose, pneumonia e o pessoal, Estado e pessoas ali, não se importam muito. Cerca de uma vez por semana o IML [Instituto Médico Legal] busca um corpo e fica por isso mesmo”, conta Fábio Teixeira.
“Para mulheres é pior ainda. Elas sofrem muito abuso de pessoas desconhecidas que param o carro de madrugada ali. Ainda têm os policiais, que pedem dinheiro para eles trabalharem na região. É como se fosse uma nova escravidão, até porque a maior parte são pessoas negras”, detalha.
Homem cuida de mulher doente
Fábio Teixeira
Sete meses nas ruas
De acordo com Fábio, foram sete meses nas ruas para fazer as fotos. O primeiro período consistiu na aproximação e conquista de confiança dos personagens. Ato comum para documentaristas. O tempo serviu também para que o fotógrafo frequentasse e entendesse a realidade local. Depois, vieram os clicks. Clicks com consentimento e de forma espontânea.
Passando pelo ensaio, é comum ver pessoas enfaixadas. Isso porque, segundo Fábio, elas moram nas margens da Avenida Brasil, maior via expressa do município Rio de Janeiro. Esses trabalhadores não usam as passarelas, por conta da agilidade, e são frequentemente atropelados. Mesmo durante o processo de recuperação, continuam a trabalhar. Alguns com a esperança de algum dia sair da rua. Outros, optando por ficar ali.
“Apesar disso tudo, tem o momento de esperança. Eles trabalham na função de sair da rua, querem sair. Procuram por cooperativas. Mas também tem gente que quer ficar na rua. É outro mundo. Tem gente que julga, mas é uma diversidade de pessoas. Só quem está no meio pode entender”, afirma Fábio.
Daniel [nome fictício] posa para foto. Em decorrência de um atropelamento, ele utiliza pinos no braço, está com pé enfaixado e utiliza muleta para andar.
Fábio Teixeira
‘Formação da opinião pública’
Mônica Bento, vice-presidente da Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos no Estado de São Paulo (Arfoc-SP), relata a importância desse tipo de trabalho documental.
“O jornalismo tem como papel fundamental a formação da opinião pública, se atendo aos fatos. Então, esse tipo de narrativa aprofundada traz mais elementos para que as pessoas possam pensar, refletir, ter uma consciência sobre essa realidade e agir”, informa Mônica Bento.
É possível conferir o ensaio completo neste link.
Pessoa descansa em lençol com coleção de bonecas
Fábio Teixeira
Como surge um fotodocumentarista
Fábio nasceu em Piracicaba. Começou a carreira em 1998, aos 19 anos, como assistente fotográfico de estúdio e eventos. Mas migrou para o fotojornalismo, que utiliza a foto como reforçador da notícia, ao trabalhar no Jornal Tribuna Piracicabana.
Anos mais tarde, iniciou na fotografia documental, que se diferencia do fotojornalismo ao desenvolver um trabalho mais aprofundado e interpretativo sobre um tema. Isso ocorreu depois de assistir aos filmes “Abaixando a Máquina: Ética do Jornalismo Carioca” (2007) e “Vivendo o Outro Olhar” (2010), ambos com realização do documentarista Guillermo Planel.
“Assistindo a esses filmes, vi minha esposa, que é documentarista, dando depoimento. Na época, eu não a conhecia. Fui adicionando todo mundo na internet, porque queria fazer amizade e conversar. Me conectei com ela e fomos conversando. Assim, adentrei nessa área, que é que mais gosto de fazer”, diz.
A cerimônia de celebração ocorre nesta terça-feira (26), a partir das 18h, na escola Panamericana de Arte e Design em São Paulo (SP). Haverá exposição das fotografias vencedoras até 5 de janeiro de 2025, com entrada gratuita. É possível saber mais neste link.
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