Prazo dado para Prefeitura responder à recomendação venceu nesta terça-feira. Prefeitura faz obra para túnel na Rua Sena Madureira, Zona Sul de São Paulo. Promotoria também pede anulação do contrato de 2011 e a compensação ambiental dos impactos gerados. Manifestantes fazem protesto contra obra da Prefeitura que derruba árvores na Rua Sena Madureira
Arquivo pessoal
Após a Prefeitura de São Paulo não responder à recomendação do Ministério Público em parar a obra e o corte de árvores na Rua Sena Madureira, Zona Sul de São Paulo, o órgão instaurou uma ação civil pública pedindo a paralisação da construção do túnel.
Como o prazo para a resposta da Prefeitura venceu nesta terça-feira (12), a Promotoria de Meio Ambiente abriu a ação, que também pede a anulação do contrato de 2011 e a compensação ambiental dos impactos gerados.
Em nota anterior, a Prefeitura afirmou que “aguarda decisão do Judiciário sobre o assunto.”
O Ministério Público considerou “as discussões ambientais, viárias e contratuais que se sobrepõe às obras que estão em andamento, até que se produzam estudos técnicos mais detalhados pelos órgãos públicos competentes acerca dos impactos socioambientais e urbanísticos que eventuais construções e intervenções possam ocasionar na degradação do referido bioma.”
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo também pediu a suspensão das obras do Complexo Viário Sena Madureira, “devido aos impactos causados nas moradias da comunidade Souza Ramos, localizada ao lado do local da construção.”
Protestos
No domingo (10), manifestantes fizeram novo protesto, segurando cartazes, galhos de árvores e acompanhados por um pequeno carro de som.
“Não ao túnel da Sena Madureira! Mais árvores e Justiça social!”, diz uma faixa. “Desmatando adoidado! Deslocando 200 famílias, concretando nascentes de água, zero respeito!”, diz um cartaz.
Uma manifestante foi com uma máscara do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e segurava um desenho de uma motosserra.
Protesto contra obra na Rua Sena Madureira
Arquivo pessoal
Protesto contra obra na Sena Madureira
Arquivo pessoal
Protesto contra obra na Sena Madureira neste domingo, 10/11/2024.
Acervo pessoal
Outros protestos
Na sexta-feira (8), um grupo de ativistas se reuniu para protestar contra o abate das árvores, usando apitos e carregando cartazes com os dizeres: “Não ao corte das árvores”. Equipes da GCM foram acionadas para impedir a aproximação dos manifestantes do local da obra.
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Moradores denunciam corte das árvores na Av. Sena Madureira
Na quinta (7), a vereadora eleita Renata Falzoni (PSB) foi arrastada e imobilizada por guardas civis quando tentava impedir o corte das árvores. Ela relatou ao g1 ter sofrido lesões na coxa esquerda durante o incidente. O ex-deputado federal e ex-secretário municipal do Meio Ambiente Eduardo Jorge (PV) também foi contido por agentes.
Segundo a vereadora, ao chegar ao local, ela e outros manifestantes abraçaram as árvores na tentativa de impedir a derrubada. Mesmo assim, quatro foram abatidas.
Renata descreveu como “indescritível a dor” de ver árvores de grande porte sendo cortadas com motosserras.
“Como cidadã, estou perplexa”, declarou a Renata, criticando o projeto do túnel na área, que, segundo ela, inviabiliza um corredor de ônibus e uma ciclovia, e ainda interrompe o curso de um rio. Ela classificou a obra como um “crime de mobilidade, urbanístico, ambiental e social”.
Durante o protesto, uma pessoa foi detida e levada ao 16º Distrito Policial. Cerca de 30 agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e da Polícia Militar (PM) estão no local para controlar a situação. Aproximadamente 40 manifestantes permanecem na área, incluindo representantes da comunidade local e assessores de políticos que questionam a legalidade dos cortes de árvores.
Vereadora eleita e ex-candidato a presidente são detidos em protesto contra remoção de árvores na Sena Madureira
Reprodução
Obra da prefeitura
A Prefeitura de São Paulo iniciou no dia 6 de novembro a obra para a construção de dois túneis na Rua Sena Madureira, na Zona Sul. Operários começaram a derrubar as árvores do canteiro central apesar de protesto feito por moradores.
Com base num estudo de uma consultoria ambiental, a gestão não reconhece a área como sendo de preservação permanente, diferentemente do que afirmam documentos assinados pelo próprio município.
Do alto, é possível ver o clarão em alguns pontos da rua da Vila Mariana. Os cortes no canteiro central começaram hoje, e os tapumes, que cercam a obra, viraram alvo de protesto de moradores do entorno.
O projeto da gestão Ricardo Nunes (MDB) prevê melhorias para o trânsito na região, mas também o corte de 172 árvores, e a remoção de cerca de 150 famílias que vivem em duas comunidades da região.
A obra vai criar uma ligação entre a Rua Sena Madureira e a Avenida Ricardo Jafet. Para isso, serão construídos os dois túneis que, juntos, somam um 1,6 km de extensão.
O primeiro vai da Rua Botucatu até a altura da Rua Mairinque. E o segundo, da Rua Mairinque até a Rua Embuaçu, passando por baixo da Rua Domingos de Morais. De acordo com a Prefeitura, a construção vai reduzir os congestionamentos e beneficiar mais de 800 mil pessoas que circulam pelos bairros da Vila Mariana, Ipiranga e Jabaquara.
Para abrir caminho para os carros, 78 árvores nativas devem desaparecer, além de outras 94 espécimes exóticas. Os cortes foram autorizados, mediante compensação ambiental, pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, mas moradores do entorno estão fazendo uma série de protestos contra o desmatamento.
Imagem mostra Renata Falzoni abraçada a árvore para evitar remoção
Reprodução/ Arquivo pessoal
A arquiteta e urbanista Elisa Ramalho Rocha, integrante do Conselho de Meio Ambiente da Vila Mariana, conta que essas árvores fazem parte de um corredor verde que interliga os parques Ibirapuera e da Aclimação:
“Importante para ave-fauna, importante para manter a temperatura, importante para promover a biodiversidade entre essas duas áreas verdes. Deveria ser valorizada a existência desse corredor. A gente precisa preservar e enriquecê-lo com outras árvores nativas, em vez de removê-lo”, afirmou.
O túnel também vai passar por uma área que, desde a revisão da Lei de Zoneamento, no ano passado, é reconhecida como ZEPAM (Zona Especial de Proteção Ambiental).
Em um mapa de 1930 da cidade, disponível no site Geosampa, é possível ver que, por ali, passa o Córrego Embuaçu. O próprio estudo de impacto ambiental, que serviu como base para Prefeitura liberar a obra, destaca a “relevância dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos na área”.
O documento ressalta ainda “a importância de preservar os espaços verdes próximos a corpos d’água, que tem papel vital na manutenção da biodiversidade, no controle de temperatura e na melhoria da qualidade do ar”.
O Córrego Embuaçu era um dos últimos a céu aberto na cidade, mas, já no início da obra, parte dele foi concretada.
A Prefeitura não reconhece a área como APP (Área de Proteção Permanente). Para Elisa Ramalho Rocha, um erro: “Existe uma nascente e um curso d’agua no local. De acordo com a legislação federal, não há dúvidas de que nós temos sim uma APP naquele local”, explicou.
Polêmica também na habitação
A obra também prevê a remoção de duas comunidades instaladas há pelo menos quatro décadas na região: a Souza Ramos e a Luiz Alves. Segundo os moradores, 150 famílias vão ter que se mudar. Elas reclamam que não foram avisadas oficialmente, e que ninguém apresentou um plano de remanejamento.
“Foi pela chegada dos tratores que a gente viu que estava acontecendo alguma coisa”, disse a babá Márcia de Lima, que vive há 35 anos no local. Ela tinha a esperança de, na verdade, ver a casa regularizada, já que a revisão da Lei de Zoneamento também reconheceu a área como de Interesse Social. “Nosso sentimento é de desespero. Nossa habitação é a única coisa que a gente tem”, completou ela.
Contrato já foi alvo de denúncia de corrupção
A obra tinha sido contratada em 2011, pela gestão de Gilberto Kassab. Era para ter ficado pronta em 2012, mas não ficou, e o prefeito seguinte, Fernando Haddad, largou mão do projeto quando assumiu, em 2013.
Desde então, a obra estava parada. Nesse meio tempo, veio à tona uma denúncia de corrupção envolvendo a construção. Em 2018, em um desdobramento da operação Lava-Jato, o ex-presidente da empresa Galvão Engenharia, Dario Queiroz Galvão Filho, revelou ter pagado R$ 1 milhão em propina a Gilberto Kassab para ganhar a licitação e o contrato. Kassab sempre negou.
O caso foi investigado e arquivado pelo Supremo Tribunal Federal, por falta de provas. É este mesmo contrato que a gestão Ricardo Nunes retomou no mês passado. A continuidade do acordo, com adequações e atualizações, foi discutida na Câmara Municipal e aprovada pelo Tribunal de Contas do Município. O argumento da Prefeitura é de que a entregar a obra novamente à Galvão Engenharia sai mais barato do que fazer uma nova licitação. Em valores atualizados, o túnel deve custar R$ 531 milhões – 140% a mais que o valor original da obra, que continua exposto no canteiro da Rua Sena Madureira.
O que diz a Prefeitura
A gestão Ricardo Nunes garante que nenhuma família ficará desalojada, e que os moradores terão duas opções: receber uma indenização ou aceitarem a realocação em uma nova moradia. O local dessa nova habitação não foi revelado, na nota enviada à TV Globo. A Prefeitura disse também que vai preservar 362 árvores existentes no local, e compensar os cortes previstos com o plantio de 266 mudas, dentro do perímetro da obra. Segundo a administração municipal, não foi confirmada a existência de nenhuma nascente hídrica na área, o que implicaria na preservação permanente do espaço.