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Dia de Finados: Manaus tem praça dedicada à saudade dos mortos das epidemias do século XIX; conheça a história


A Praça da Saudade, localizada no coração de Manaus, resgata a memória das vítimas de epidemias do século XIX, refletindo sobre a vida e a morte em um espaço que, apesar das transformações e desafios, continua a ser um ponto de encontro cultural e de reflexão. Praça da Saudade, no Centro de Manaus
Divulgação/Prefeitura de Manaus
No coração de Manaus, a Praça da Saudade se destaca por seu nome inusitado. Muitos moradores confundem o local com um antigo cemitério, mas a história por trás dessa praça é diferente. O nome foi escolhido a pedido dos manauaras que desejavam um espaço em frente ao antigo Cemitério São José, onde hoje está localizado o Atlético Rio Negro Clube.
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A intenção era criar um ambiente para viver o luto e refletir sobre o equilíbrio entre a vida e a morte. Dessa forma, a Praça da Saudade serve como um tributo à memória e à contemplação, criando um ambiente de respeito e reflexão para a comunidade.
Essa história começa com o Cemitério São José, que está desativado atualmente. Em entrevista ao g1, o mestre em Ciência da Comunicação Gabriel de Andrade explicou que, na época, o cemitério não foi planejado.
Cemitério funcionava onde hoje é a sede do Atlético Rio Negro Clube.
Reprodução
O espaço, com mais de 8 mil m², está localizado entre as ruas Ramos Ferreira, Luiz Antony, a Avenida Epaminondas e o que era conhecido como beco dos Inocentes, agora Rua Simón Bolívar. Ele começou a receber corpos na década de 1850, durante um período em que Manaus enfrentava epidemias de febre amarela, cólera e varíola.
Registros históricos da época indicam que o primeiro sepultamento no local foi de um comerciante cearense, que faleceu aos 44 anos. Antes disso, os mortos eram enterrados perto da Igreja dos Remédios, a primeira igreja construída na capital.
E em meio ao surto de febre amarela que assolava a capital, a Câmara Municipal de Manaus enfrentou a necessidade urgente de criar um espaço apropriado para sepultamentos.
Atendendo ao estado epidêmico da capital, cujos habitantes acometidos de febre amarela e que dela sucumbiam, eram enterrados em lugares impróprios, deliberou por si, como órgão desta corporação, a abertura de um novo cemitério no fim da estrada que vai para a cachoeira grande, do lado esquerdo; que já se acha bento, e havia uma barraca para receber os cadáveres.
Praça surgiu em frente ao cemitério São José.
Reprodução
“Nessa época, muita gente jovem estava morrendo e muitas crianças também, principalmente porque não tinham os anticorpos necessários para viver. Manaus também não tinha um sistema de saúde adequado. No sepultamento, jogavam muita terra em cima dos mortos, porque acreditavam que precisava de muita, senão as doenças poderiam ser propagadas para quem estava vivo”, disse o pesquisador, que continuou:
“As pessoas eram enterradas ali. Era um cemitério espontâneo, que não tinha muro, nem portão. Só simplesmente chegavam e enterravam”, explicou Gabriel.
Com o passar do tempo, familiares e amigos enlutados das vítimas das epidemias que haviam sido enterradas no local começaram a solicitar um espaço dedicado à reflexão sobre a dualidade entre a vida e a morte.
“A praça surgiu de forma espontânea e ela ficava em frente a esse cemitério, servindo para apaziguar a dor que esse campo santo transmitia para as pessoas. Até porque eram pessoas muito jovens que haviam morrido, como crianças, justamente por causa dessas epidemias. Era um local para sentir saudades das pessoas, para chorar pelos seus mortos”, enfatizou Gabriel de Andrade.
Fotografia mostra o gradil do Cemitério São José.
Reprodução/Jornal do Commercio
No entanto, logo no início, a praça não apresentava o aspecto urbanístico que vemos hoje. “Quando foi decretada como Largo da Saudade, em 1865, não tinha nenhuma das características de uma praça como conhecemos hoje, como jardins, corredores ou bancos. Era apenas um terreno vazio, e posteriormente as pessoas começaram a utilizar o local como um espaço de acolhimento”, explicou o especialista.
Mas, quando o cemitério atingiu sua lotação máxima, foi necessário transferir os corpos para um local maior. Com isso, a praça começou a perder seu significado, já que não havia mais o campo santo nem os túmulos que reuniam familiares e amigos enlutados.
“O cemitério era muito pequeno, então ele chegou ao seu ápice e foi preciso transferir esses corpos para o São João Batista que, ao contrário do Cemitério São José, foi planejado para essa finalidade. Mas também tiveram outros episódios que ajudaram a fazer com que a praça perdesse esse sentido”, comentou.
Prédio da COHAB, na Praça da Saudade.
Reprodução/Manaus de Antigamente
Os eventos, segundo o historiador, são:
A doação do campo santo, onde antes funcionava o cemitério, ao Atlético Rio Negro na década de 1930;
A construção do prédio da Companhia de Habitação do Amazonas (COAH-AM) em 1962, pelo então governador do estado, Gilberto Mestrinho.
“Esses dois eventos eles marcam profundamente a perda de sentido da praça, que são a doação do terreno onde funcionava o cemitério para o Rio Negro e a obra desse prédio na praça, em 1962. Inclusive, as pessoas diziam que o governador da época, o Gilberto Mestrinho, construiu esse prédio porque ele torcia para o Nacional, que era o rival do Rio Negro”, completou.
Conforme relata Gabriel, em 1984, o escritor amazonense Moacir Andrade escreveu uma coluna no antigo Jornal do Comércio, na qual criticava o fim do Cemitério São José e a doação do terreno ao clube. O historiador resgatou esse texto para o g1.
Nosso primeiro campo santo urbano, com seus mausoléus artísticos totalmente esculpidos em mármore de Carrara, a mais antiga necrópole em frente à Praça da Saudade, hostiário de recordações, relicário sagrado, recipiendário intocável dos restos de homens que depois de uma vida inteira dedicada à comunidade, ali foram enterrados e seus túmulos de veneração, ficaram plantados eternamente como sentinelas de seus despojos. Pois bem, essas sepulturas foram brutalmente violentadas, seus túmulos destruídos, ou jogados em vala comum no cemitério São João Batista, isto em decorrência da reação feita por alguns parentes reminiscentes que protestaram através da imprensa, na época. O cemitério São José foi vítima da maior iconoclastia que se tem notícia na história dos absurdos de Manaus, num dos mais hediondos crimes já perpetrados contra a memória e o respeito de um povo, foi doado graciosamente para uma sociedade privada e em seu lugar, construído um clube social esportivo”
Com o passar dos anos, a praça, assim como a capital amazonense, passou por várias transformações arquitetônicas. Na década de 1980, ela se tornou um ponto de encontro para crianças, que se divertiam nos brinquedos e parquinhos instalados no local.
Um avião DC-3, doado por uma das primeiras companhias aéreas do Brasil durante a administração do prefeito Jorge Teixeira, em 1970, também se tornou uma atração turística na praça. Na época, o local foi escolhido por ser um dos de maior movimento na região central de Manaus.
Avião Localizado na praça da saudade
Reprodução/Portal Amazônia
Em 2008, a Praça da Saudade passou por uma revitalização. Em 2009, as obras receberam um aporte financeiro por meio de um convênio entre a prefeitura de Manaus e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
Atualmente, a praça é um espaço para manifestações e feiras culturais, mas enfrenta problemas com falta de segurança e depredação.
Atualmente, a praça é palco de manifestações e feiras culturais, mas sofre com a falta de segurança e a depredação do espaço público.
Matheus Castro/G1 AM
Os corpos sepultados no Cemitério São José foram transferidos para o Cemitério São João Batista, situado no Boulevard Álvaro Maia, que hoje também está com lotação máxima.
Após fiscalização, Praça da Saudade se mantém limpa e sem pichações
Praça da Saudade em Manaus
Reprodução/Portal Amazônia
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