A chuva já benzia a Praça Santos Dumont, em Florianópolis, quando a “Missa do Enem” (Exame Nacional do Ensino Médio) começou na Igreja da Santíssima Trindade, às 19h de quinta-feira (31). Ansiosos, os jovens seguravam as canetas com firmeza à espera da bênção.
Anny Luiza, de 21 anos, perdeu a conta de quantas vezes prestou o Enem. A estudante sonha em cursar Medicina na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), que é vizinha da igreja, no bairro Trindade.
“Depois da bênção, acho que agora vai”, confia. Ela participa da paróquia desde criança, quando era coroinha, e trouxe a mãe Susana para assistir à Missa do Enem.
Anny usa um colar com três pingentes, que representam cada um dos arcanjos. A jovem acredita que Deus só vai abençoar “quem faltou um monte de rolê com os amigos” para se dedicar aos estudos.
“Eu estudei, mas tenho certeza que vem gente aqui falando: ‘vou receber a bênção de Deus e agora vai dar tudo certo’. Mas se tu não estudou, azar o teu, meu querido. Deus é justo. Quem não se esforçou, não vai passar”, afirma.
Metade da plateia se levantou quando o frei Maurício Aparecido Solfa, 47 anos, convidou os candidatos do Enem a se aproximarem do palco. “Agora vocês vão tomar um banho”, preveniu, antes de respingar água benta nos cerca de 30 fiéis com a ajuda de ramos verdes.
Até mesmo as duas coroinhas se apressaram para ficar na frente, vestidas de um traje vermelho e branco, com as canetas de tinta preta em mãos. “As coroinhas também vão fazer o Enem? Três canetas, tem muita coisa para escrever, hein?”, se surpreendeu o frei.
No Dia das Bruxas, Igreja da Santíssima Trindade promove a Missa do Enem pela primeira vez
Isabela Ribeiro, 18 anos, foi a última da fila a receber a bênção sobre as seis canetas que levou para a Missa do Enem. “Estou nervosa, mas vai dar tudo certo”, torce.
A estudante vai fazer o exame pela segunda vez, na expectativa de uma vaga no curso de Engenharia Civil na UFSC e de Fisioterapia na Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina).
“Eu fiquei sabendo da missa porque sigo o Instagram da paróquia e porque o meu avô trabalha na secretaria”, conta um pouco mais confiante após a bênção.
A cerimônia havia começado como uma missa comum, com louvores e salmos. No último banco do amplo salão, uma fiel lixava as unhas enquanto murmurava a letra da música “bendito seja o Senhor, meu rochedo”.
Mais à frente, uma adolescente repousava a cabeça no ombro do namorado, de cenho franzido, que ouvia atentamente o sermão do frei Maurício. Já os jovens na rua fugiam da chuva para não borrar a maquiagem de zumbi no Dia das Bruxas.
Aquela, no entanto, era uma noite especial. A Paróquia da Santíssima Trindade promoveu pela primeira vez a “bênção da caneta” para os candidatos que prestarão o Enem no domingo (3). A iniciativa partiu dos próprios freis, diante da inquietude dos jovens com a chegada das provas.
“Eu acompanho na paróquia um grupo de adolescentes de 13 até 17 anos e vejo muita ansiedade, pressão, medo e angústia, tanto no Enem quanto nos vestibulares. Pensando na dificuldade que eles têm com isso e conversando com os outros freis, tivemos essa ideia”, observa o frei Bruno Lira, de 25 anos.
“O objetivo deles participarem dessa missa é justamente para confiar em Deus neste momento e aproveitar a celebração para buscar serenidade e confiança na prova”, explica.
A angústia só aumenta às vésperas do grande dia. Cerca de 4,3 milhões de candidatos farão a prova do Enem 2024 nos domingos de 3 e 1o de novembro, em todo o Brasil.
Apenas em Santa Catarina, são mais de 94 mil inscrições confirmadas. Além de avaliar o desempenho dos estudantes ao fim do ensino médio, o exame é a principal porta de entrada em universidades públicas e privadas.
‘Tome chá de camomila e confie em Deus’, recomenda o frei
O frei Maurício conduziu a Missa do Enem na noite de quinta-feira e compartilhou sua própria experiência como estudante. Ele contou que uma vez, quando cursava Teologia, só lembrou que teria uma prova ao chegar na faculdade e não pôde se preparar.
“Não deu tempo de ficar tenso nem preocupado. Seja o que tiver que ser”, lembra. “Moral da história, me saí muito bem na prova, tirei nove e não precisei fazer recuperação. Por quê? Porque me mantive, com a graça de Deus, em paz”.
O pároco aconselhou os candidatos a rezar e relaxar nos últimos dias antes da prova, para evitar a ansiedade excessiva no domingo. Destacou também a importância de confiar em si mesmo e no preparo que tiveram.
“O frio na barriga é natural, é normal nos assustar com isso. Mas o principal é manter a calma, a confiança, o equilíbrio mental e emocional. Toma um chazinho de camomila, que pode ajudar, e confie em Deus”, indicou.
O depoimento foi seguido do coro “Cristo, ouvi-nos. Cristo, atendei-nos”. Uma moça na casa dos 20 anos se ajoelhou no genuflexório e cobriu o rosto com as mãos entrelaçadas. Imersa em suas preces, ela segurava um terço cor-de-rosa.
Apesar da entrada ser gratuita, alguns fiéis se levantaram após a eucaristia para depositar o dízimo em pequenas caixas de madeira, espalhadas pelo salão da igreja, sempre acompanhadas de um recipiente de álcool em gel.
O diácono Ricardo Marques, da Pastoral da Educação, também passou um recado aos estudantes: “A caneta é apenas um símbolo da preparação que vocês fizeram e que agora também consagram, colocam diante de Deus, para que Deus os abençoe e fortifique. E assim será, nós temos certeza”, incentiva.
Maria Eduarda Gonzaga de Andrade, 18 anos, deixou a Missa do Enem chorando. Ela está no terceiro ano do ensino médio e vai participar do exame pela primeira vez.
“Estou bem nervosa e ansiosa, mas acho que depois da missa de hoje vou ficar mais tranquila”, diz enxugando as lágrimas.
A adolescente tenta uma aprovação em Relações Internacionais na UFSC ou na FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), em São Paulo, e aposta na fé para guiá-la durante a prova do Enem.
“Sempre que eu rezo, me sinto muito mais confiante porque sei que Deus vai fazer eu confiar mais em mim no dia da prova. Eu me sinto muito bem quando estou na igreja rezando e para esse momento é o melhor que eu poderia fazer”, considera.
Comunidade se reúne para ‘acalmar o coração’ dos candidatos do Enem em Florianópolis
O frei Bruno ressalta ainda que a Missa do Enem é uma oportunidade da família demonstrar amparo aos candidatos. “É um momento de presença dos pais e amigos dos estudantes, uma forma de apoio e suporte com a comunidade reunida”, aponta.
Maria Eduarda veio acompanhada da mãe Lenise, 54 anos, e da irmã Maria Fernanda, 15 anos, que está no primeiro ano do ensino médio e também vai fazer a prova como teste.
“A ideia foi da Maria Eduarda. Elas já foram coroinhas nessa paróquia, a gente sempre está aqui, aí ela quis vir fazer a bênção das canetas”, conta a mãe. “Eu acho que acalma um pouco o coraçãozinho delas”.
“Fico mais nervosa por minha filha que está no terceiro ano, porque a do primeiro ano ainda é só experiência”, completa Lenise.
Anny Luiza chegou a passar em uma faculdade particular de Medicina na metade do ano, mas decidiu disputar uma vaga na UFSC mais uma vez.
“Claro, a gente tem expectativas. Eu moro aqui, então óbvio que a UFSC é meu maior objetivo. Mas eu simplesmente estarei muito agradecida e feliz se eu passar em qualquer uma”, deseja.
A jovem se conecta com a religião desde a infância e encontra refúgio nas orações. “Deus é o meu porto seguro para tudo. Toda vez que eu me ajoelho no chão do meu quarto e rezo, é o momento em que eu penso: tudo está valendo a pena”, descreve a estudante.
Para garantir, ela vai levar uma caneta para a redação, uma para o gabarito e outras três para a resolução da prova no domingo. “Se uma caneta falhar, não tem problema. Só não quero que falhe a minha cabeça”, espera.