País teria produzido 54 milhões de sacas do grão, mas enviado 50 milhões para o exterior. Arrozeiros afirmam que dados do cereal também estão “equivocados”. Prato do Futuro: café torrado no Sítio Berelu, em Cerqueira César (SP)
Stephanie Rodrigues/g1
Após o Brasil fechar 2024 com exportação recorde de 50,443 milhões de sacas de 60 kg de café — não muito distante dos números atuais da safra brasileira estimados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) —, representantes de exportadores avaliaram nesta quarta-feira que os dados oficiais de produção do país devem estar subestimados.
As estimativas governamentais para a safra de café do Brasil, maior produtor e exportador mundial, são historicamente mais baixas do que as apuradas pelo mercado, consultorias e órgãos como o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
Mas a exportação de café do país ficar tão próxima da produção brasileira estimada pela Conab, de 54,8 milhões de sacas, se tornou razão de debate para melhorar os números, disseram dirigentes do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), ao serem instados a falar sobre o tema em entrevista coletiva.
O Cecafé considera que o Brasil poderia ter exportado ainda mais em 2024, considerando 1,6 milhão de sacas que ficaram paradas nos portos por gargalos logísticos.
“Uma projeção de produção de 54 e exportação que poderia ter sido 52 (considerando o volume não embarcado), ou realmente vamos chegar à conclusão de que não estamos consumindo absolutamente nada (de café internamente) ou que o número da Conab está completamente errado”, disse o diretor técnico do Cecafé, Eduardo Heron.
Ele lembrou que o Brasil é o segundo consumidor mundial de café, com demanda em torno de 20 milhões de sacas por ano.
“Acredito que em 2024 será a grande oportunidade de comparar 54 [sacas] e 52 [sacas]. Ou temos estoque de café escondido embaixo dos colchões dos produtores”, acrescentou, em tom de brincadeira
O diretor-geral do Cecafé, Marcos Matos, lembrou que o problema é histórico e citou um caso.
“Fomos chamados pela Conab há alguns anos, eles mostraram uma tabela grande de 2000 a 2020, fazendo um exercício de quanto o Brasil produziu, segundo ela própria, quanto consumiu, segundo a Abic [Associação Brasileira da Indústria de Café], e exportou, segundo o Cecafé. Isso dava uma falta de 103 milhões de sacas. É um problema gravíssimo”, disse Matos.
Segundo ele, os equívocos nos levantamentos de safra de café arábica existem, mas acontecem principalmente nos grãos canéforas, cuja produtividade cresceu nos últimos anos
Ele disse que o Cecafé está liderando um processo para um georreferênciamento do parque cafeeiro e admitiu que em algum momento no futuro poderá ajudar a Conab a melhorar seus números.
O presidente do Cecafé, Márcio Ferreira, disse que é preciso evitar fazer “críticas pejorativas” à Conab, mas destacou que “a metodologia (da estatal) pode estar bastante errada, e os números indicam que está”.
Ferreira afirmou que tem conversado com integrantes do governo e lideranças do setor produtivo para aprimorar os levantamentos estatais.
“Não podemos admitir que uma Organização Internacional do Café (OIC) tenha como base um número para efeito de estatística, uma estimativa do USDA que conversa muito mais com uma realidade do que obviamente os números da Conab.”
Procurada, a Conab afirmou apenas que a estimativa do fechamento da safra 2024 de café do Brasil será divulgada na próxima terça-feira. A estatal costuma fazer quatro levantamentos da colheita brasileira ao longo do ano, e atualiza os números conforme os dados apurados.
Calor deixa o café ‘estressado’, pode derrubar a produção brasileira e encarecer a bebida
Produtores de arroz também questionam
Os comentários dos dirigentes do Cecafé foram feitos no mesmo dia em que integrantes do setor produtivo do arroz do Rio Grande do Sul, maior Estado produtor brasileiro do cereal, divulgaram uma nota reclamando que a estimativa de safra da Conab está superestimada.
“Agora, o mesmo governo divulga, através da Conab, dados equivocados sobre a produção de arroz, superestimando a produção com o intuito claro de intervir nos preços do cereal, o que pode causar mais problemas para produtores, indústrias, varejistas e, principalmente, consumidores”, afirmou a nota da Farsul e da Fedearroz, em referência à estimativa divulgada na véspera.
De acordo com o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), a área plantada com arroz no Estado “efetivamente” cresceu em relação à 2024, “mas 2,69% e não 9,7%, como erroneamente está sendo informado pela Conab”.
“Embora pareça pouco, esse erro pode custar bilhões de reais ao país”, acrescentou o comunicado.
Questionado sobre o tema, a Conab afirmou que “refuta qualquer ilação quanto à manipulação de dados com o objetivo de influenciar o comportamento do mercado agrícola”.
A estatal afirmou que o acompanhamento da safra brasileira, realizado mensalmente pela Conab, reflete a expectativa de produção no mês anterior à publicação do relatório mensal de safra.
“Destaca-se que a semeadura do arroz, no Rio Grande do Sul, finalizou na segunda semana de janeiro. A equipe técnica da Conab voltará a campo a partir da próxima semana. Esses dados serão publicados no relatório de fevereiro.”
A Conab afirmou ainda que tem feito parcerias para aprimorar os números e poderá dirimir quaisquer dúvidas relativas à área plantada de arroz no próximo levantamento.
Saiba também:
Água quente com vinagre pode ser o segredo para arroz soltinho
Cafezinho em risco: como sombra de árvores pode ser solução para aumento da temperatura
Leia também:
Vai ter café para todo mundo? Entenda como calor extremo eleva preço e baixa quantidade e qualidade do grão
De onde vem o que eu bebo: como é o café especial que faz o Brasil ser premiado internacionalmente