Casos ligados ao DENV3 dispararam no Brasil, especialmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Amapá e Paraná. Avanço da transmissão acende um alerta para o serviço de saúde de todo o país após um ano já marcado por recordes de diagnósticos, como foi 2024. O Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue, visto através de microscópio eletrônico na Fiocruz Pernambuco, no Recife.
AP Photo/Felipe Dana
Os casos de dengue ligados ao sorotipo 3 dispararam no Brasil, especialmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Amapá e Paraná.
Segundo dados do Ministério da Saúde, esse crescimento foi mais evidente nas últimas semanas de dezembro de 2024, quando o chamado sorotipo DENV3 começou a se espalhar de forma mais significativa, representando 31,8% dos casos no Amapá, 28,7% em São Paulo, 18,2% em Minas Gerais e 9,3% no Paraná.
Esses estados lideram a circulação do DENV3, que tem mostrado um crescimento preocupante em comparação com os outros sorotipos predominantes, como o DENV1 e o DENV2 (entenda mais abaixo).
E segundo infectoligistas ouvidos pelo g1, essa taxa de crescimento acende um alerta para o serviço de saúde de todo o país já que o avanço do DENV3 pode levar a um cenário alarmante, com um aumento expressivo no número de casos em um curto prazo. E tudo isso após um ano já marcado por recordes de diagnósticos, como foi 2024.
“O aumento dos casos de dengue 3 chama a atenção porque grande parte da população é suscetível, já que o vírus circulou em níveis baixos nos últimos anos e por causa disso, muitas pessoas não desenvolveram imunidade contra esse sorotipo”, explica a professora da USP Maria Anice Mureb Sallum, que atua na área de taxonomia e ecologia de mosquitos vetores de agentes infecciosos há mais de 45 anos.
“Agora, com seu retorno, o risco de infecção cresce, enquanto os sorotipos 1 e 2 continuam presentes”, acrescenta.
Abaixo, entenda o que é o sorotipo DENV3, por que ele registrou esse aumento, quais vacinas protegem contra ele e quais ações estão sendo tomadas para controlar seu aumento.
1. Quais são os tipos de dengue? Por que o aumento do DENV-3?
O vírus da dengue é transmitido pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti e possui quatro sorotipos diferentes: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 — todos podem causar as diferentes formas da doença.
🦟Ou seja, uma pessoa pode ter dengue até quatro vezes ao longo de sua vida. Isso ocorre porque ela pode ser infectada com os quatro diferentes sorotipos do vírus.
No Brasil, são endêmicos os sorotipos 1 e 2, mas em 2024 os quatro tipos do vírus foram identificados no país.
E uma vez exposta a um determinado sorotipo, após a remissão da doença, uma pessoa passa a ter imunidade para aquele sorotipo específico.
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E como desde 2008 o DENV-3 não circulava de forma predominante no país, autoridades e especialistas alertam para o fato de que uma grande parcela da população está suscetível a novas infecções, o que torna o atual aumento de casos ainda mais alarmante.
“Isso é um problema porque a imunidade à dengue é específica para cada sorotipo. Ou seja, quem teve dengue dos sorotipos 1 ou 2 não pode ser reinfectado por esses tipos, mas pode ser infectado pelo sorotipo 3”, ressalta Rosana Richtmann, médica infectologista do Instituto Emílio Ribas e diretora do comitê de imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
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Além disso, como o DENV-1 e o DENV-2 continuam a circular ao mesmo tempo, a chance de infecções múltiplas (por mais de um sorotipo) também aumenta, o que eleva o risco de complicações graves.
“O problema não é o sorotipo 3 em si, mas o fato de que muitas pessoas, especialmente as mais jovens, nunca foram expostas a ele, pois ele não circulava há anos”, acrescenta Richtmann.
Para se ter ideia, em dezembro de 2023, o Brasil apresentava apenas 0,32% de casos de DENV-3, mas em dezembro de 2024 esse percentual saltou para 40,79%
Aliado a isso, o Ministério da Saúde alerta que o fenômeno El Niño que impactou o Brasil no ano passado, junto com a circulação simultânea dos quatro sorotipos do vírus, tem favorecido o aumento de casos de arboviroses, como a dengue.
Isso porque as mudanças climáticas geradas por esse fenômeno criam condições ideais para a proliferação do Aedes aegypti, agravando o cenário.
2. Como funciona a vacina contra a dengue? Ela protege contra o DENV3?
A vacina contra a dengue Qdenga foi incorporada no Sistema Único de Saúde (SUS) em dezembro de 2023.
✅ A vacina é eficaz contra o DENV3 e está disponível no SUS, de forma gratuita, mas somente para crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos.
Isso porque essa faixa etária, depois dos idosos, é a que mais registra hospitalizações por dengue. Vale lembrar que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não liberou o imunizante para pessoas acima de 60 anos, e o Ministério da Saúde informou que NÃO há planos, por enquanto, para ampliar o público-alvo.
Isto é, mesmo que a vacina possa ser aplicada em pessoas de 4 a 59 anos, no SUS, a prioridade é o grupo de 10 a 14 anos. Isso acontece porque não há estudos suficientes que comprovem a eficácia do imunizante em quem tem mais de 60 anos.
Aliado a isso, Richtmann ressalta que, caso o sorotipo 3 mantenha uma circulação mais intensa, a eficácia dessa vacina será maior somente contra os sorotipos 1 e 2.
Isso acontece porque na vacina Qdenga, da Takeda, o sorotipo que apresenta menor eficácia em pessoas que nunca tiveram dengue é justamente o 3. Ou seja, para quem já teve dengue, a proteção contra esse sorotipo é eficaz, mas para quem nunca teve, a cobertura é mais fraca em relação aos outros três tipos.
3. O que esperar para 2025?
Segundo o Ministério da Saúde, os padrões registrados em 2023 e 2024 indicam que São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Paraná devem liderar os casos de dengue em 2025. E nessas regiões, a incidência deve superar os números do ano passado, que já foram bastante altos.
“O que a gente pode esperar para 2025? A gente continua com o efeito do El Niño e, portanto, com altas temperaturas e com esses extremos de temperatura. Também temos o problema da seca, que faz com que as pessoas armazenem água, muitas vezes, em locais inadequados. E isso também faz com que a proliferação de mosquitos possa acontecer”, explicou a secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Ethel Maciel.
A pasta, porém, já afirmou que ainda não sabe ao certo como o sorotipo 3 vai se espalhar de fato pelo país.
Por isso, a professora do departamento de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, Maria Anice Mureb Sallum, diz que o Ministério da Saúde, os estados e os municípios precisam se concentrar agora em uma vigilância mais ampla, não apenas monitorando os casos de dengue, mas também estudando os mosquitos transmissores.
“Compreender a dinâmica e a intensidade da transmissão do vírus é essencial para a epidemiologia e o controle da doença”, pontua Sallum.
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Arte g1/Dhara Assis
4. Os sintomas são diferentes pro DENV3?
Não. Os sintomas costumam ser os mesmos para todos os sorotipos.
Agora nem sempre a infecção apresenta sintomas. O indivíduo pode ter uma dengue assintomática ou ter um quadro leve.
E é preciso ficar atento se a pessoa tiver febre alta (39ºC a 40ºC), de início repentino, acompanhada por pelo menos outros dois sintomas:
Dor de cabeça intensa
Dor atrás dos olhos
Dores musculares e articulares
Náusea e vômito
Manchas vermelhas no corpo
❗O ministério alerta ainda que é importante procurar um serviço de saúde para diagnóstico e tratamento adequados ao apresentar possíveis sintomas de dengue.
“A maioria das pessoas tem a forma clássica da doença. Uma pequena porcentagem é que tem a forma grave, que pode levar à dengue hemorrágica”, explica a infectologista Rosana Richtmann.
A forma grave é a que preocupa. Após o período febril, o indivíduo deve ficar atento aos sinais de alarme:
Dor abdominal intensa e contínua
Vômitos persistentes
Acúmulo de líquidos em cavidades corporais
Sangramento de mucosa
Hemorragias
Sintomas da dengue
arte/g1
5. Como prevenir?
A vacina é uma das ferramentas contra a dengue, mas não é a principal. A forma mais eficaz continua sendo a adoção de medidas de prevenção, com a eliminação dos criadouros do mosquito Aedes aegypti.
Evite qualquer reservatório de água parada sem proteção em casa. O mosquito pode usar como criadouros grandes espaços, como caixas d’água e piscinas abertas, até pequenos objetos, como tampas de garrafa e vasos de planta.
Coloque areia no prato das plantas ou troque a água uma vez por semana. Mas não basta esvaziar o recipiente. É preciso esfregá-lo, para retirar os ovos do mosquito depositados na superfície da parede interna, pouco acima do nível da água. Isso vale para qualquer recipiente com água.
Pneus velhos devem ser furados e guardados com cobertura ou recolhidos pela limpeza pública. Garrafas pet e outros recipientes vazios também devem ser entregues à limpeza pública. Vasos e baldes vazios devem ser colocados de boca para baixo.
Limpe diariamente as cubas de bebedouros de água mineral e de água comum. Seque as áreas que acumulem águas de chuva. Tampe as caixas d’água.
Além de eliminar mosquitos adultos que já podem estar transmitindo o vírus, é crucial acabar com criadouros, atacando larvas e ovos. Isso vai além do uso de venenos; é preciso remover ou limpar reservatórios como caixas d’água e outros pontos que acumulam água.
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