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Casa pendurada, carcaças de animais, sofá na árvore: Mariante convive com cenário apocalíptico 7 meses após enchente no RS


Distrito invadido pelas águas do rio Taquari segue tomado por um rastro de sujeira e destruição. A sensação dos moradores é de que Mariante foi abandonada pelo poder público, que justifica localização em área de risco. Mariante se transforma em vila fantasma 7 meses após destruição com enchentes no RS
Uma casa pendurada, outra arrastada, carcaças de animais espalhadas e um sofá na copa de uma árvore. O cenário apocalíptico é a realidade dos moradores da vila gaúcha de Mariante, mais de 7 meses após a maior enchente da história do Rio Grande do Sul. O tempo parece que congelou depois da inundação.
O g1 esteve em Mariante logo após as enchentes atingirem a região, mostrou os impactos das inundações e o sofrimento das pessoas atingidas pela tragédia (relembre aqui). Sete meses depois, série de reportagens mostra a realidade da vila, dividida entre a destruição e o desafio de um novo recomeço.
“Em vez de fazer a curva, o rio veio reto. Só tem destroços da casa”. Walmor Machado Mariante, de 66 anos, descreve os estragos e o que sobrou do casarão onde viveram seus antepassados, fundadores do distrito no século 19. A construção resistiu a décadas de cheias do rio Taquari, mas sucumbiu à enchente recorde de maio de 2024.
Casa segue torta no meio da vila meses depois da enchente
Fábio Tito/g1
Muitas casas do vilarejo eram de madeira e saíram do lugar com a força da enchente: uma delas tombou com a passagem das águas e segue até hoje pendurada a ponto de desabar.
Outra casa mudou de um lado para o outro da estrada, e uma ultrapassou a cerca e invadiu o terreno vizinho. Outras residências desmoronaram por completo e, em muitas, a única coisa que restou no lugar foi o banheiro, normalmente feito de alvenaria — construção mais resistente.
Destroços da casa dos fundadores da vila. Ao fundo, um descendente dos Mariante
Fábio Tito/g1
Uma porção pequena dos quase 5 mil moradores de Mariante e entorno voltaram para suas casas. Quem não está mais ali vive em casas alugadas e pagas pela Prefeitura de Venâncio Aires até que sejam construídas pelo município mais de 200 residências em três terrenos. Nenhuma das casas fica em Mariante, todas são em outros distritos.
Sofá segue pendurado na copa de uma árvore na vila gaúcha de Mariante meses após a enchente que atingiu o Rio Grande do Sul.
Fábio Tito/g1
A sensação dos moradores da vila é de que Mariante foi abandonada por Prefeitura, estado e União. O pedido mínimo de apoio do poder público é pela volta da escola estadual e do posto de saúde.
“Ainda tem pessoas que precisam. Tem gente idosa que tem que ir até a estância para poder consultar e o colégio era uma das coisas principais que tinha que dar vida ao lugar”, diz Taís, dona do único restaurante da vila. “E eles não querem colocar mais aqui, não querem investir. É o que a gente sabe”.
Placa alerta para o risco de alagamento na região de Mariante
Fábio Tito/g1
A justificativa do prefeito, Jarbas da Rosa (PDT), é de que o poder público não pode construir casas ou equipamentos públicos na região de Mariante porque leis ambientais o impedem. Segundo ele, não se pode investir dinheiro do contribuinte em áreas de risco para alagamentos, como é o caso do distrito como um todo.
“Nos últimos 20 anos, o Ministério Público Ambiental regional do Vale do Taquari cobra que não haja mais construções novas em áreas de APP (Áreas de Preservação Permanente) junto ao rio Taquari. E isso vem se respeitando. Inclusive, aqueles que constroem inadvertidamente são responsabilizados judicialmente. Município também. Essa é uma responsabilidade muito grande”, afirma o prefeito.
Marcas da enchente no banheiro de uma casa de Mariante
Fábio Tito/g1
Um dos locais escolhidos para receber as famílias atingidas pelas enchentes é o antigo presídio de Mariante, que fica a 10 km do centro da vila e não foi atingido pela inundação. Serão 72 residências construídas do zero e têm obras previstas para começar ainda em dezembro de 2024.
Destroços do que antes era uma casa de Mariante
Fábio Tito/g1
Outros dois terrenos abrigarão 82 casas, e a Prefeitura conta com um programa do Governo Federal, o Compra Assistida, para que os moradores afetados escolham casas já prontas e as indique para que o governo adquira via Caixa Econômica Federal e as passe para sua posse.
Como contrapartida, quem for contemplado pelas casas (novas ou já construídas) terá que dar a antiga propriedade para o poder público — uma forma de evitar que se construa em áreas de risco ou, então, que a pessoa ganhe um local e comercialize o outro com venda ou aluguel.
Marcas da enchente em uma casa de Mariante
Fábio Tito/g1
Animais mortos seguem intactos
A imagem é forte: duas vacas mortas presas às madeiras de um curral enquanto tentavam fugir da maior enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em toda a história. Os corpos dos animais permanecem no mesmo lugar desde a tragédia de maio e se somam a dezenas de outros.
Animais seguem mortos e intactos sete meses depois da tragédia
Fábio Tito/g1
Cerca de 80 animais morreram na fazenda visitada pela reportagem, e outros restos mortais seguem intactos nos mesmos locais onde morreram, enquanto se decompõem. E em meio à situação mórbida e de devastação, outros animais são criados a metros de onde os cadáveres estão.
Questionada, a prefeitura de Venâncio Aires afirmou que ofereceu ajuda para os moradores limparem suas casas e os produtores, as fazendas. Contudo, é preciso solicitar o serviço, o que diz não ter ocorrido naquela área. O dono do local não foi encontrado para comentar a situação.
A pecuária era parte vibrante da economia de Mariante e começa a se reerguer após as enchentes. Dois frigoríficos da região voltaram a funcionar após passarem por reformas. Parte dos moradores que retornaram à Vila trabalham nesses locais, e algumas fazendas salvaram parte dos animais e tentam recomeçar a criação de antes da enchente.
Destroços do que antes era uma casa de Mariante
Fábio Tito/g1
“A gente pensa em voltar a ser como a gente era”, conta Taís de Souza, de 34 anos, a dona do único restaurante de Mariante. Ela aposta no recomeço:”Ver a vila cheia como era antes, ter as pessoas caminhando, ver mais alegria na vila porque está meio morta, sabe?”, lamenta.
Ao g1, o governo do Rio Grande do Sul afirmou que promoveu ações na região de Venâncio Aires “desde os primeiros dias da enchente”, com repasses que somam R$ 7,9 milhões em recursos para a cidade, entre benefícios sociais às famílias, apoio a empresas locais, reformas de hospitais, unidades de saúde, de educação e infraestrutura.
O governo federal, gerido por Lula (PT) afirmou que destinou até o dia 13 de dezembro mais de R$ 200 milhões em recursos para Venâncio Aires (RS), entre valores para o cuidado com as pessoas, apoio às empresas e medidas gerais para o município.
O governo Lula estima em R$ 58,5 bilhões o total de verbas destinadas para a reconstrução do Rio Grande do Sul após as enchentes de maio.
Veja fotos da destruição em Mariante:
Casa na Vila Mariante abandonada após as enchentes de maio
Fábio Tito/g1
Casa foi levada pela água e “atravessou a rua” com a enchente
Fábio Tito/g1
Sala de uma casa segue com barro, móveis e eletrodomésticos fora do lugar
Fábio Tito/g1
Marca da água na parede de uma das casas da vila
Fábio Tito/g1
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