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Complexo de Israel: entenda como a violência dominou a área que, nos anos 60, recebeu os removidos de favelas no Leblon e na Gávea


A região é dominada com mão de ferro pelo traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, chefe do TCP. Fazem parte do complexo as comunidades Vigário Geral, Parada de Lucas e Cidade Alta. Entenda como surgiu o Complexo de Israel
O Complexo de Israel é um conjunto de favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro dominadas pelo Terceiro Comando Puro (TCP), uma facção criminosa que controla grande parte da cidade. Contudo, a região que antes era uma grande área rural, começou a ser ocupada no final da década de 1960. Na época, moradores da Zona Sul do Rio, desabrigados após incêndios criminosos, foram levados para os conjuntos habitacionais que começavam a ser construídos no local.
A região conta com três grandes comunidades: Vigário Geral, Parada de Lucas e Cidade Alta, além das secundárias Pica-Pau e Cinco Bocas.
O traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, de 37 anos, conhecido como Peixão, é o idealizador e chefe do Complexo de Israel. Atualmente, ele é um dos criminosos mais procurados do Rio de Janeiro.
O RJ2 conversou com historiadores e antigos moradores da região para entender como a antiga área rural pacífica e isolada se tornou um espaço livre para a criminalidade e palco de guerras entre traficantes e milicianos.
De acordo com a polícia, a união dessas cinco comunidades forma o Complexo de Israel
Reprodução TV Globo
Construída para receber desabrigados na década de 1960, a Cidade Alta só ganhou seu primeiro posto de saúde após mais de 20 anos. A primeira escola na região só ficou pronta em 1972.
Desabrigados da Zona Sul
A área batizada pelo crime como Complexo de Israel é na verdade uma parte importante do subúrbio da Leopoldina. Segundo o historiador Rafael Mattoso, a região era ocupada por atividades portuárias e integrada a Baia de Guanabara.
“Originalmente essas áreas eram ocupadas por atividades portuárias, (…) Então está logística foi integrada a Baía de Guanabara e a expansão da cidade. E essas mesmas características que hoje fazem essa área ser disputada, foram características que fizeram a região da Leopoldina crescer”, explicou Mattoso.
A Cidade Alta recebeu famílias removidas das favelas da Praia do Pinto, no Leblon, e Marques de São Vicente, na Gávea.
Reprodução TV Globo
A localidade era uma grande zona rural e que começou a ser urbanizada na década de 1960. O objetivo do governo na época era construir conjuntos habitacionais para receber famílias de baixa renda.
A Cidade Alta, em Cordovil, recebeu famílias removidas das favelas da Praia do Pinto, no Leblon e Marques de São Vicente, na Gávea. A suspeita é que incêndios criminosos destruíram as duas comunidades localizadas na Zona Sul do Rio.
“Me recordo chegando na Cidade Alta, em 69, acho que era um domingo Dia das Mães (…) A memória que eu tenho é que você ia pra administração (onde ia saber qual bloco ou apartamento receberia)”, contou o ex-morador Carlos Guimarães.
Ao todo, eram 10 blocos, com 64 prédios. Um total de 6,6 mil famílias que foram levadas para o local e abandonadas pelo poder público.
Polícia presente e escola ausente
De acordo com os moradores da Cidade Alta da época, o único equipamento público que tinha na região no final da década de 1960 era a polícia.
“Tinha a polícia presente no local. Isso a gente tinha. Desde o início. Agora colégio, médico, supermercado, ponto de ônibus, nada”, comentou Denise Nonato do Nascimento.
A polícia era a única representação do estado na Cidade Alta em 1970.
Reprodução TV Globo
O historiador Mário Brum explicou que a ideia dos políticos era criar uma área industrial. Contudo, faltou dar o básico para que os moradores tivessem uma vida digna.
“O plano original do Governo da Guanabara na época, e do Governo federal, era criar uma área industrial na Zona Norte, perto da Baixada Fluminense. Isso não aconteceu”, explicou.
“A primeira escola da Cidade Alta foi construída em 1972, três anos depois da remoção (…) Posto de saúde foi construído só na década de 90”, acrescentou o historiador.
A professora e ex-moradora Denise lembrou que no começo até mesmo atravessar a rua era um sacrifício e um risco de vida.
“Era aquela pista enorme de mão dupla. Você ia aglomerando, 10, 15, 20 pessoas. E simplesmente o pessoal invadia a pista”, contou.
No alto da Cidade Alta, na Zona Norte do Rio, os criminosos colocaram uma estrela de Davi
Reprodução
Carlos Guimarães, o Carlinhos, foi o primeiro presidente da Associação de Moradores da Cidade Alta, entre 1977 e 1980. Na época, as lutas eram por iluminação, creche comunitária e transporte.
Enquanto faltava a presença do estado nos novos conjuntos habitacionais, sobrava poluição e violência. Para muitos moradores, a coisa ficou ainda pior com a chegada da cocaína e o aumento do tráfico da região.
“Década de 1980, com a entrada da cocaína, a coisa foi ladeira abaixo (…) Começou a entrar gente estranha, criminosos estranhos a comunidade. Você tava na rua e do nada a bala comia”.
“A primeira vez que eu dei de cara com fuzil eu quase surtei (…) Eu tinha uns 12 anos de idade”, completou Denise.
Complexo de Israel
Reprodução TV Globo
Para Rafael Mattoso, a crise econômica do Rio de Janeiro nos anos de 1980 aconteceu ao mesmo tempo da expansão da marginalidade, da criminalidade na região. Contudo, ele lembra que os conflitos entre criminosos só começaram a ser mais frequentes no século XXI.
“Foi a partir da primeira década do século XXI que começa a ter um acirramento de conflitos entre tráfico, facções do tráfico, milícia tentando invadir a Cidade Alta”, contou Mattoso.
“Não que não existisse antes, mas a partir dos anos 2006, 2007 que começam cotidiano muito pesado e particularmente nos últimos 10 anos isso piorou de uma maneira sensível”, explicou o historiador.
Reflexo da violência
Quando o processo de formação do Complexo de Israel foi concluído, em 2020, Denise já tinha saído da Cidade Alta, mas seguia como professora se escolas da região.
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Segundo ela, os efeitos da violência estão muito presentes, quase todos os dias, nas salas de aula da rede pública, onde ela trabalha.
“É um comentário constante na sala dos professores. Nós professores sentimos isso o tempo todo, essa apatia, essa entrega deles, (…) Eles (os alunos) não sonham, eles não têm planos para o futuro. É imediatismo, é o aqui e agora”, disse Denise.
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“Essas pessoas de um modo geral, passaram por uma série de provações ao longo da vida (…) e eu torço, tenho esperança que a cidade como um todo consiga superar alguns desafios atuais da segurança”, comentou Brum.
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