Biomimética é a ciência que tem como princípio imitar estratégias da natureza para o desenvolvimento de produtos e soluções Você já parou para pensar como a natureza inspira a indústria e as inovações tecnológicas? Na coluna Histórias Naturais o biólogo Luciano Lima, que faz parte da equipe do TG, explica como os inventores aproveitam os milhões de anos de evolução dos seres vivos para criar maravilhas que vão do velcro ao trem-bala.
Biomimética é a ciência que tem como princípio imitar estratégias da natureza
Dave Newman/BBC
Das bactérias aos seres humanos, das algas as araucárias, dos fungos aos albatrozes, todo organismo é um vencedor. O simples fato de existir no presente, dá a qualquer ser vivo a medalha de vitorioso no maior e mais antigo “reality show”: a evolução da vida. No ar há pelo menos 4 bilhões de anos, os dois principais objetivos desse desafio são manter-se vivo e reproduzir-se. Para ajudar nessas tarefas cada “brother” vivo conta com uma enorme quantidade de adaptações que foram sendo testadas e aprimoradas ao longo de sua permanência na “casa”.
Algumas adaptações, como mitocôndrias, cérebros, olhos e patas, são compartilhadas por muitos seres, outras como ecolocalização, asas e penas são mais exclusivas. Mas independentemente da adaptação, elas estão continuamente sendo testadas. Aquelas que funcionam são mantidas, passadas para as futuras gerações e aprimoradas com passar do tempo. As que deixam de ser úteis por algum motivo, desaparecem. Ou seja, cada ser vivo é um laboratório que acumula soluções exitosas que foram exaustivamente testadas ao longo dos últimos bilhões de anos. Esse é o princípio base da biomimética.
A biomimética é uma ciência multidisciplinar que tem como princípios fundamentais aprender e imitar estratégias já presentes na natureza para o desenvolvimento de produtos, tecnologias e outras soluções para os seres humanos. É bem possível que você esteja agora utilizando algo desenvolvido com base na biomimética. O velcro, por exemplo, foi criado por um engenheiro suíço que, em 1941, ao passear com seu cachorro notou que algumas sementes de carrapicho ficaram aderidas ao seu pelo e começou a estudar o mecanismo que permitia as sementes fazer isso.
Histórias Naturais é a coluna semanal do biólogo Luciano Lima no Terra da Gente
Arte/TG
Apesar de biomimética e sua conceituação como ciência sejam termos relativamente recentes, com origem na década de 1950, a criação de soluções inspiradas na natureza é algo ancestral nos seres humanos. Por exemplo: diferentes povos originários por todo o mundo utilizam penas na ponta traseira das flechas para estabilizar sua trajetória e aumentar a sua velocidade. É muito provável que a idéia de fixar penas nas flechas tenha surgido ao observar as próprias aves em voo, “flechando” o ar com suas asas.
Atualmente, as aves continuam sendo uma grande fonte de inspiração “tecnológica” e um dos exemplos mais emblemáticos e repetidos da biomimética é baseado em duas partes de duas diferentes espécies de aves: as penas das corujas e bico dos martins-pescadores. Os trens-bala japoneses são bastante conhecidos por sua velocidade, mas para poderem atingir até 350km/h em ambientes urbanos eles tiveram que vencer um outro desafio além da velocidade, o barulho. O atrito de partes específicas do trem com o ar e a explosão de barulho que acontecia toda vez que o trem entrava em um túnel, estão entre os principais causadores de ruído pelos trens balas.
Em 1990, Eiji Nakatsu, engenheiro responsável pelo departamento de desenvolvimento tecnológico dos trens balas japoneses, viu em um jornal um pequeno anúncio sobre uma palestra promovida pela Sociedade de Aves Silvestres do Japão, cujo tema seria a aerodinâmica das aves. A palestra seria proferida por um engenheiro de aviação e, interessado pelo tema, Eiji resolveu assistir.
As penas das corujas foram usadas como inspiração para a criação de novas tecnologias
Ananda Porto/TG
Estimulado pela palestra, Eiji colocou seu time de engenheiros para pensar como estruturas microscópicas presentes nas bordas das penas das corujas, que permitem que elas voem no mais absoluto silêncio, poderiam ajudar a diminuir o barulho causado pelo atrito dos pantógrafos com o ar. Pantógrafo é a peça que fica na parte superior do trem e o conecta com a rede de energia. Estimulado pelo sucesso do novo pantógrafo projetado, Eiji começou então a pensar no problema do túnel e lembrou então dos martins-pescadores que toda vez que mergulham saem de um ambiente menos denso (ar) para um muito mais denso (água). Ele projetou então um “bico” de trem baseado no bico dos martins-pescadores. As duas soluções somadas não apenas reduziram drasticamente o barulho dos trens-bala, como os deixaram ainda mais rápidos.
Geralmente, quando pensamos nas aves, não pensamos em animais velozes em terra, mas sim no ar e é nos céus que está um dos principais legados da biomimética das aves. Não é exagero algum argumentar que sem observar aves nós nunca teríamos “inventado” o voo. De Leonardo da Vinci a Santos Dumont, todas as idéias de protótipos que buscaram lançar o ser humano aos céus foram de certa forma inspiradas nas aves. Aliás, você já parou para pensar qual a origem da palavra “avião”? Foi criada pelo inventor francês Clément Ader que patenteou uma máquina voadora como “avion”, que literalmente quer dizer “ave grande”. A máquina de Clément nunca voou, mas seu nome decolou.
Voo das aves sempre inspirou novas criações
Rodrigo Ferraz/Acervo Pessoal
Segundo o poeta Carlos Drummond “O homem vangloria-se de ter imitado o voo das aves com uma complicação técnica que elas dispensam”. É poético, mas não é bem assim, as aves contam com uma grande quantidade de adaptações para serem capazes de voar. Desde o formato das asas a aerodinâmica do seu corpo, muitas, muitas mesmo, dessas adaptações das aves inspiraram e continuam inspirando engenheiros aeronáuticos a desenvolverem aviões mais eficientes e seguros.
Da próxima vez que você olhar para o céu e ficar em dúvida se “é um pássaro ou é um avião”, não se preocupe, é praticamente a mesma coisa.
*Luciano Lima é biólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente
Aprendendo com a natureza: como as aves inspiram a criação de novas tecnologias?
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