‘IA do job’ \u00e9 como se chama a cria\u00e7\u00e3o de v\u00eddeos de conte\u00fado adulto com modelos virtuais. Atividade tem sido divulgada no TikTok e no Instagram como fonte de renda f\u00e1cil. Capa do curso ‘Cafet\u00e3o Digital’ do ‘Gui do Hot’
\nReprodu\u00e7\u00e3o
\n“Curtir a festa enquanto minha modelo do job faz vendas no autom\u00e1tico pros veio tarado.” \u00c9 assim que um curso chamado “Cafet\u00e3o digital” divulga a tend\u00eancia de cria\u00e7\u00e3o de mulheres virtuais para conte\u00fado adulto.
\nA pr\u00e1tica faz parte de uma tend\u00eancia conhecida como “IA do job” ou “garota do job”, que vem ganhando espa\u00e7o em redes como Instagram e TikTok, como o g1 j\u00e1 mostrou.
\n\ud83d\udd0e A palavra inglesa “job”, que significa “trabalho”, \u00e9 usada por jovens, especialmente nas redes sociais, como g\u00edria para se referir a garota de programa ou prostitui\u00e7\u00e3o.
\nPara chamar a aten\u00e7\u00e3o, os criadores de cursos para quem quer entrar nesse nicho usam informa\u00e7\u00f5es vagas e promessas de renda f\u00e1cil: “Imagine um modelo de neg\u00f3cio que funciona sem voc\u00ea precisar levantar um dedo, gerando renda enquanto voc\u00ea dorme”.
\nCursos de ‘IA do job’ prometem dinheiro e ensinam a usar fotos de modelos sem autoriza\u00e7\u00e3o
\nA ideia \u00e9 que fotos e v\u00eddeos gerados por intelig\u00eancia artificial (IA) sejam comercializados em plataformas como OnlyFans, Privacy e Fanvue.
\nMas quem conseguiu levantar alguma grana com esse tipo de conte\u00fado diz que o dinheiro n\u00e3o vem t\u00e3o f\u00e1cil assim.
\nAl\u00e9m da ideia de faturamento alto, um dos cursos ensina a usar a t\u00e9cnica de deepfake, incentivando alunos a aproveitarem v\u00eddeos de mulheres reais retirados do Instagram para trocar apenas seus rostos por outros, usando IA.
\nConte\u00fados curtos e vagos
\nO g1 encontrou ao menos nove cursos sobre o tema e teve acesso a tr\u00eas deles, todos com conte\u00fado por escrito ou em v\u00eddeos pr\u00e9-gravados e bem curtos. Eles custaram entre R$ 30 e R$ 48.
\nGuilherme Kupke \u00e9 um dos mais conhecidos criadores de conte\u00fado sobre o assunto. \u00c9 dele o material “Cafet\u00e3o digital \u2014 do zero ao avan\u00e7ado”, que custa R$ 47,90.
\nEm seu site, o criador afirma que seus alunos podem faturar entre R$ 100 e R$ 500 por dia com as “IAs do job”.
\n‘Gui do Hot’ divulga seus supostos ganhos no TikTok
\nReprodu\u00e7\u00e3o\/TikTok
\nMas o curso n\u00e3o fala nada sobre faturamento e nem ensina como criar e editar uma “garota do job”.
\nA maior parte s\u00e3o dicas gen\u00e9ricas, como: “Homens mais velhos n\u00e3o s\u00e3o como qualquer outro p\u00fablico. Eles t\u00eam suas pr\u00f3prias camadas de experi\u00eancias, de hist\u00f3rias n\u00e3o contadas, de desejos reprimidos. O segredo est\u00e1 em entrar nesses recessos obscuros, onde eles se escondem, e ativar aquilo que eles nem sabem que ainda desejam”.
\nNo site Reclame Aqui, uma pessoa disse “que o conte\u00fado [do ‘Gui do Hot’] \u00e9 insatisfat\u00f3rio, com falas vagas, sem cumprir a promessa de ensino efetivo”.
\n“Me senti enganada, pois n\u00e3o cumpre o prometido. O m\u00e9todo n\u00e3o ensina nada, n\u00e3o tem aulas explicativas, somente 4 v\u00eddeos”, disse outro consumidor.
\nEste foi o \u00fanico dos tr\u00eas cursos que n\u00e3o estava hospedado em nenhuma plataforma de aulas. Os quatro v\u00eddeos com menos de 10 minutos cada e um PDF, que comp\u00f5em o material, foram acessados por meios de links do Drive \u2014 a nuvem do Google.
\nO g1 tentou contato com Guilherme pelo e-mail divulgado no curso, mas n\u00e3o teve retorno.
\nO mesmo aconteceu com “Thiago do Hot”\u2014 o curso dele custa R$ 39,90 e dura apenas 9 minutos e 33 segundos. Thiago recomenda baixar um v\u00eddeo real de uma mulher no Instagram e utiliz\u00e1-lo como base para criar um “clone”, alterando exclusivamente o rosto (veja na imagem abaixo).
\nEm nenhum momento o curso indica a import\u00e2ncia de ter o consentimento dessas mulheres, apesar de alertar para um risco e dar uma “dica” para reduzir a possibilidade de algu\u00e9m reclamar.
\n“Pegue uma modelo de fora do Brasil, porque, se voc\u00ea pegar uma brasileira, pode dar problema para voc\u00ea. Ent\u00e3o, escolha um perfil de fora, pois o risco \u00e9 menor, mas ainda assim pode gerar dor de cabe\u00e7a”, diz ele na aula.
\nCurso ensina a usar conte\u00fado real para criar uma ‘IA do job’
\nReprodu\u00e7\u00e3o
\n O uso de fotos de terceiros para criar avatares, especialmente em contextos sexuais, pode violar direitos de imagem, honra e privacidade, alerta Vinicius Padr\u00e3o, advogado de direito digital da Renn\u00f3 Penteado Sampaio Advogados.
\n“\u00c9 uma exposi\u00e7\u00e3o indevida que pode trazer consequ\u00eancias jur\u00eddicas s\u00e9rias para quem produz ou distribui esse tipo de conte\u00fado”, completa Vinicius.
\nO material de “ensino” de Thiago est\u00e1 hospedado na Cakto, uma plataforma de aulas. Ele tamb\u00e9m recomenda disponibilizar os “packs” (pacotes de v\u00eddeos) de “IA do job” nesse mesmo site.
\nA Cakto disse ao g1 que conte\u00fados envolvendo nudez ou pr\u00e1ticas que violem direitos de imagem n\u00e3o s\u00e3o permitidos em seu site. A empresa informou que a conta de “Thiago do Hot” infringiu as normas da plataforma, “tendo sido bloqueada imediatamente”.
\nOutro destino citado por ele para os v\u00eddeos er\u00f3ticos de IA \u00e9 a Kirvano, al\u00e9m do OnlyFans.
\nA Kirvano disse que “n\u00e3o compactua com esse tipo de pr\u00e1tica e, se h\u00e1 algum ensinamento indevido, ele \u00e9 imediatamente descartado”.
\nN\u00e3o \u00e9 a primeira vez que Cakto e Kirvano se envolvem em pol\u00eamicas. Em novembro de 2024, o g1 revelou que a Cakto enviava kits com bebidas alco\u00f3licas para influenciadores mirins, que desdenhavam da educa\u00e7\u00e3o e diziam ganhar mais que m\u00e9dicos vendendo cursos para ser influenciador.
\nEm dezembro do mesmo ano, Ruyter Poubel, um dos fundadores da Kirvano, foi alvo de uma opera\u00e7\u00e3o da Pol\u00edcia Civil de SP. Ele vendia cursos sobre como faturar com o “jogo do tigrinho” e lucrava com as perdas dos seguidores recebendo um tipo de comiss\u00e3o paga pela casa de apostas, segundo as investiga\u00e7\u00f5es.
\nO OnlyFans s\u00f3 permite postar conte\u00fado er\u00f3tico com modelos de IA se os usu\u00e1rios forem avisados disso. Mas, para criar um perfil, \u00e9 preciso ser uma pessoal real. Alguns criadores falam sobre burlar essa regra criando uma IA a partir da foto da pessoa.
\nProcurada pelo g1, a plataforma disse que seus sistemas s\u00e3o projetados para detectar imagens adulteradas ou modificadas, impedindo a aprova\u00e7\u00e3o dessas contas.
\n“Qualquer tentativa de contornar essas verifica\u00e7\u00f5es \u00e9 estritamente contra nossas pol\u00edticas e tomamos medidas r\u00e1pidas para fazer cumprir nossos termos”, acrescentou o OnlyFans.
\nO terceiro curso de “IA do job” ao qual o g1 teve acesso custa R$ 29,90 e estava hospedado em outra plataforma de aulas, a Hotmart.
\nMas o site afirmou que identificou que o produto em quest\u00e3o viola os termos de uso da plataforma e o removeu. “A empresa reitera que conta com um canal de den\u00fancia de produtos que possam vir a infringir nossas pol\u00edticas”, completou a Hotmart.
\nO respons\u00e1vel por esse curso \u00e9 identificado como Jorge Wellington, segundo a plataforma. No YouTube, onde tamb\u00e9m d\u00e1 aulas sobre cria\u00e7\u00e3o de “IA do job”, ele se apresenta como “O Polimorfo”.
\nO g1 procurou o YouTube, mas n\u00e3o obteve retorno at\u00e9 a publica\u00e7\u00e3o da reportagem.
\nAs aulas s\u00e3o disponibilizadas semanalmente \u2014 de oito v\u00eddeos no total, s\u00f3 foi poss\u00edvel assistir a dois at\u00e9 a publica\u00e7\u00e3o da reportagem.
\nJorge Wellington n\u00e3o aparece nos v\u00eddeos e utiliza uma mulher virtual criada por intelig\u00eancia artificial para explicar como ganhar dinheiro com “IAs do job” (veja na imagem abaixo).
\nCurso de ‘IA do job’ de Jorge Wellington (“O Polimorfo”) \u00e9 liberado uma vez na semana.
\nReprodu\u00e7\u00e3o\/Hotmart
\nAs duas primeiras aulas dispon\u00edveis t\u00eam pouco conte\u00fado e s\u00e3o apenas introdut\u00f3rias, mencionando uma plataforma de IA que ser\u00e1 utilizada nas aulas seguintes.
\nWellington chegou a retornar o contato do g1, mas n\u00e3o respondeu \u00e0s perguntas enviadas at\u00e9 a publica\u00e7\u00e3o da reportagem.
\nMuita promessa, pouco retorno
\nAt\u00e9 quem j\u00e1 fatura nesse ramo alerta que as promessas desses cursos podem levar \u00e0 frustra\u00e7\u00e3o. O g1 conversou com Elaine Pasdiora e Elisabete Alves, que t\u00eam suas “garotas do job” e afirmam trabalhar corretamente nesse universo.
\nElas disseram que, embora muitas pessoas estejam investindo e pesquisando sobre as “IAs do job”, o retorno financeiro n\u00e3o \u00e9 imediato. “Quando algo vira tend\u00eancia, todo mundo quer seguir essa onda, e \u00e9 a\u00ed que surgem esses gurus com a promessa de ganhar muito dinheiro, mas n\u00e3o \u00e9 bem assim”, disse Elisabete.
\n“Muita gente est\u00e1 desistindo. Vi em um grupo v\u00e1rias pessoas desmotivadas porque n\u00e3o est\u00e3o vendendo ou porque o retorno est\u00e1 demorando. Em compensa\u00e7\u00e3o, est\u00e1 crescendo a procura por criar garotas como influenciadoras para vender produtos”, disse Elaine Pasdiora.
\nEla entrou no universo das IAs em janeiro de 2025. Desde ent\u00e3o, afirma ter faturado R$ 651 com a “Talita”, sua “IA do job”, no site brasileiro LinkPriv e US$ 338 (cerca de R$ 2 mil) no Uncove. Mas disse que a maior parte do que obteve, R$ 17.300, veio da venda de seu curso para criar uma personagem.
\nMorando em Portugal, Elisabete, designer gr\u00e1fica e profissional de TI, tamb\u00e9m n\u00e3o obt\u00e9m muito dinheiro nesse tipo de neg\u00f3cio. A assinatura da sua “garota do job” custa apenas US$ 7 por m\u00eas (cerca de R$ 40), o que contrasta com as promessas de altos ganhos feitas pelos cursos.
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