{"id":17447,"date":"2023-04-24T07:48:32","date_gmt":"2023-04-24T10:48:32","guid":{"rendered":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/abrir\/17447"},"modified":"2023-04-24T07:48:32","modified_gmt":"2023-04-24T10:48:32","slug":"alessandra-korap-a-indigena-brasileira-que-ganhou-o-nobel-do-ambientalismo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/agencia3\/17447","title":{"rendered":"Alessandra Korap: A ind\u00edgena brasileira que ganhou o ‘Nobel’ do ambientalismo"},"content":{"rendered":"

A ativista se tornou uma lideran\u00e7a do povo munduruku e conseguiu evitar a a\u00e7\u00e3o de mineradoras no territ\u00f3rio que ela mora, que ainda n\u00e3o foi demarcado pelo governo brasileiro. Ao longo dos \u00faltimos anos, ela conviveu com amea\u00e7as e ataques. As mem\u00f3rias de inf\u00e2ncia de Alessandra Korap est\u00e3o intimamente ligadas com a sensa\u00e7\u00e3o de liberdade.
\n“Tenho a lembran\u00e7a de ser livre para tomar banho no rio, acompanhar os mais velhos na ro\u00e7a, colher as frutas e tirar cip\u00f3 para fazer as roupas”, relata.
\n“A minha sensa\u00e7\u00e3o \u00e9 a de que pod\u00edamos usufruir e brincar no rio, na floresta e at\u00e9 dentro de casa”, diz ela.
\nHoje, aos 38 anos, Korap \u00e9 reconhecida nacional e internacionalmente como uma das principais lideran\u00e7as ind\u00edgenas da regi\u00e3o que compreende a bacia do rio Tapaj\u00f3s, no Par\u00e1.
\nAtualmente, ela \u00e9 a presidente da Associa\u00e7\u00e3o Ind\u00edgena Pariri, que d\u00e1 suporte \u00e0s comunidades que vivem nesse local.
\nGra\u00e7as ao trabalho dela e de v\u00e1rios grupos, grandes empresas de minera\u00e7\u00e3o \u2014 como a Anglo American e a Vale \u2014 desistiram de projetos para explora\u00e7\u00e3o neste territ\u00f3rio ind\u00edgena, que ainda n\u00e3o \u00e9 oficialmente demarcado e reconhecido pelas autoridades brasileiras.
\nEntre tantas reuni\u00f5es e protestos, Korap sofreu uma s\u00e9rie de ataques e amea\u00e7as de morte. Num dos piores epis\u00f3dios, a casa dela foi invadida e vandalizada.
\nA atua\u00e7\u00e3o em prol do meio ambiente rendeu a ela o Pr\u00eamio Goldman de 2023, considerado um “Nobel verde”, por homenagear e celebrar a hist\u00f3ria de pessoas que atuam em prol do meio ambiente e da preserva\u00e7\u00e3o de recursos naturais.
\nOferecido desde 1989 por uma funda\u00e7\u00e3o sediada em S\u00e3o Francisco, nos Estados Unidos, o reconhecimento s\u00f3 havia sido dado a outros tr\u00eas brasileiros at\u00e9 o momento: Carlos Alberto Ricardo (1992), Marina Silva (1996) e Tarc\u00edsio Feitosa da Silva (2006).
\nO despertarKorap, que trabalhava como professora, diz que a destrui\u00e7\u00e3o de rios e florestas come\u00e7ou a incomod\u00e1-la com mais intensidade a partir de 2014 e 2015.
\n“O principal impacto aconteceu com a chegada de grandes empresas na regi\u00e3o em que vivemos. Ali come\u00e7ou o loteamento de terras e o desmatamento”, conta.
\n“Muitas vezes, \u00edamos a um local onde costum\u00e1vamos ca\u00e7ar ou colher frutas e, de repente, todo o terreno tinha sido limpado pelas m\u00e1quinas. Da\u00ed nos pergunt\u00e1vamos: cad\u00ea o lago onde costum\u00e1vamos pescar e brincar? Ele simplesmente n\u00e3o existia mais.”
\nKorap nasceu no munic\u00edpio de Itaituba, no Estado do Par\u00e1. A cidade \u00e9 um dos principais centros do territ\u00f3rio ind\u00edgena Sawr\u00e9 Muybu do povo munduruku, que possui 178 mil hectares ao longo do trecho central do rio Tapaj\u00f3s.
\nEsse territ\u00f3rio ainda n\u00e3o foi formalmente reconhecido e demarcado pelo Estado brasileiro \u2014 o que aumenta as vulnerabilidades, a possibilidade de invas\u00f5es ou a a\u00e7\u00e3o de madeireiros e garimpeiros.
\n“Em 2015 eu decidi que acompanharia os caciques na luta pela nossa terra. At\u00e9 porque quando o povo munduruku sai do territ\u00f3rio, ele nunca vai sozinho. As lideran\u00e7as s\u00e3o acompanhadas por crian\u00e7as, e gr\u00e1vidas. Com isso, mostramos que h\u00e1 toda uma gera\u00e7\u00e3o voltada para o futuro que vive aqui”, diz Korap.
\nPrimeiras barreirasA ativista admite que n\u00e3o foi f\u00e1cil conquistar uma posi\u00e7\u00e3o de lideran\u00e7a logo de in\u00edcio.
\n“Eu enfrentei muitas resist\u00eancias porque sou mulher, tenho marido e filhos”, comenta.
\n“Muitas vezes, quando aconteciam as reuni\u00f5es, eu sempre ia para a frente. As mulheres me diziam: ‘Alessandra, esse \u00e9 o lugar dos homens’. E eu respondia: ‘S\u00f3 estou aqui para escutar melhor’… Sempre fui muito teimosa”, brinca.
\nKorap alega ter questionado os motivos de s\u00f3 os homens poderem falar ou liderar as atividades.
\n“O papel da mulher sempre foi o de fazer ro\u00e7a, cuidar dos filhos e do marido. Elas n\u00e3o iam para as reuni\u00f5es”, observa.
\nCom o passar do tempo, por\u00e9m, a atua\u00e7\u00e3o dela foi ganhando a aceita\u00e7\u00e3o \u2014 e os convites para participar de encontros e coordenar atividades se tornaram mais frequentes.
\n“E isso \u00e9 um grande privil\u00e9gio. Se eu tivesse desistido naquela \u00e9poca, hoje n\u00e3o estaria aqui”, raciocina.
\n“\u00c9 claro que eu pessoalmente n\u00e3o tenho mais a liberdade de antigamente. Mas a liberdade do meu povo, de poder ver as crian\u00e7as brincando e as mulheres felizes, \u00e9 o maior pr\u00eamio que eu posso receber”, complementa.
\nUma advogada entre n\u00f3sKorap tamb\u00e9m percebeu aos poucos que precisava buscar uma forma\u00e7\u00e3o acad\u00eamica.
\n“Parecia que n\u00f3s sempre depend\u00edamos dos brancos. Precisamos aprender as leis, a falar e a escrever bem em portugu\u00eas, para que assim possamos dizer \u00e0s empresas que n\u00e3o aceitamos os projetos que elas tinham dentro de nossos territ\u00f3rios”, diz.
\nFoi assim que a ativista come\u00e7ou a cursar Direito em 2018 na Universidade Federal do Oeste do Par\u00e1, localizada na cidade de Santar\u00e9m.
\nA ideia dela era a de poder representar o povo munduruku em a\u00e7\u00f5es legais contra garimpeiros e outras empresas interessadas em explorar os recursos da regi\u00e3o.
\n“Eu fui toda feliz conversar com os caciques, mas eles disseram que eu n\u00e3o deveria estudar, que eles precisavam de mim ali”, lembra.
\n“Mas depois eles foram convencidos de que precis\u00e1vamos de uma advogada munduruku”, completa.
\nOs planos acad\u00eamicos de Korap, por\u00e9m, foram interrompidos em 2019, com a chegada de Jair Bolsonaro (PL) \u00e0 Presid\u00eancia da Rep\u00fablica.
\nDurante a campanha, o ex-presidente repetiu diversas vezes que n\u00e3o demarcaria nenhum territ\u00f3rio ind\u00edgena enquanto estivesse no cargo \u2014 promessa que ele de fato cumpriu.
\n“Esse foi o momento em que eu cursava a faculdade e pensava que n\u00e3o era hora de estar dentro de uma sala de aula. N\u00e3o podia ficar trancada em quatro paredes, ouvindo os professores falarem coisas que n\u00e3o serviriam para mim”, diz a ativista.
\nDepois de pausar o sonho de virar advogada, Korap se viu diante de um novo dilema. “Eu tinha sa\u00eddo do territ\u00f3rio ind\u00edgena e n\u00e3o sabia mais se podia exercer o papel de lideran\u00e7a ou falar por aquelas pessoas”, resume.
\n“Os caciques me disseram: Alessandra, voc\u00ea saiu para estudar e pode, sim, seguir falando pela gente. Foi a\u00ed que eu comecei a organizar todo o movimento.”
\nGarimpo de foraUma das principais conquistas do grupo do qual Korap faz parte foi a de conseguir barrar a a\u00e7\u00e3o de mineradoras no territ\u00f3rio Sawr\u00e9 Muybu.
\nSegundo informa\u00e7\u00f5es compiladas pela organiza\u00e7\u00e3o do Pr\u00eamio Goldman, entre 2011 e 2020, 97 pedidos de minera\u00e7\u00e3o nessa regi\u00e3o foram realizados por empresas ao governo.
\nS\u00f3 a Anglo American, uma companhia de origem brit\u00e2nica, tinha 13 solicita\u00e7\u00f5es para avaliar a explora\u00e7\u00e3o de cobre na terra munduruku \u2014 e cinco desses pedidos foram protocolados entre 2017 e 2019.
\nEm reuni\u00f5es, Korap alertou sobre esses projetos e o que eles poderiam representar para a comunidade. Ela tamb\u00e9m organizou as estrat\u00e9gias para transformar o assunto numa pauta priorit\u00e1ria e liderou os esfor\u00e7os para arrecadar fundos.
\nEm dezembro de 2020, a ativista tamb\u00e9m esteve numa assembleia com 45 lideran\u00e7as e 200 participantes, que assinaram uma declara\u00e7\u00e3o oficial contra o garimpo e o desmatamento em toda a Amaz\u00f4nia.
\nAp\u00f3s uma intensa campanha, em maio de 2021 a Anglo American desistiu oficialmente de fazer 27 pesquisas explorat\u00f3rias que j\u00e1 estavam aprovadas em territ\u00f3rios ind\u00edgenas da Amaz\u00f4nia. A lista inclui os 13 pedidos que aconteceriam em \u00e1reas Sawr\u00e9 Muybu.
\nOs organizadores do Pr\u00eamio Goldman tamb\u00e9m destacam que, ap\u00f3s a decis\u00e3o da Anglo American, outra gigante do setor tomou uma decis\u00e3o parecida: a Vale anunciou que retiraria todos os pedidos de investiga\u00e7\u00e3o sobre min\u00e9rios em terras ind\u00edgenas do Brasil.
\nNo ano passado, um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Minera\u00e7\u00e3o (Ibram) revelou que, pela primeira vez em d\u00e9cadas, nenhuma das 130 empresas filiadas tinha protocolado pedidos para explorar min\u00e9rios em territ\u00f3rios ind\u00edgenas do pa\u00eds.
\nAmea\u00e7as constantesO trabalho de ativismo de Korap veio acompanhado de alguns epis\u00f3dios de persegui\u00e7\u00e3o e constrangimentos.
\n“Comecei a ser seguida na rua, vinha gente de fora pedir informa\u00e7\u00f5es sobre mim e at\u00e9 recebi mensagens de \u00e1udio em que as pessoas diziam: ‘Precisamos dar um jeito naquela \u00edndia de Itaituba porque, se ela j\u00e1 est\u00e1 dando trabalho agora, imagina quando virar advogada'”, relata.
\nA ativista disse que esses foram sinais claros de que o trabalho dela come\u00e7ava a incomodar.
\nEm novembro de 2021, Korap participava da Confer\u00eancia do Clima das Na\u00e7\u00f5es Unidas (COP 26) em Glasgow, na Esc\u00f3cia, quando foi abordada por um sujeito n\u00e3o identificado, que disse para ela “deixar de misturar pol\u00edtica e meio ambiente”.
\nNaquele mesmo m\u00eas, a ativista descobriu que sua casa havia sido invadida e vandalizada. Documentos e equipamentos eletr\u00f4nicos foram roubados.
\nCerta noite, a eletricidade da resid\u00eancia foi subitamente cortada, o que deixou ela pr\u00f3pria e todos os familiares ainda mais alarmados \u2014 e todos precisaram passar um tempo na casa de amigos.
\nEsses eventos levaram at\u00e9 a publica\u00e7\u00e3o de uma manifesta\u00e7\u00e3o oficial da ONU sobre o caso. No texto, a entidade mostra-se preocupada com os fatos e pede que o Estado brasileiro tome provid\u00eancias para proteger Korap.
\n“Quando invadiram o meu terreno em Santar\u00e9m, meu filho mais novo me abra\u00e7ou e disse: ‘M\u00e3e, eu n\u00e3o quero que eles te matem’.”
\n“Eu fiquei em p\u00e2nico e fui para a aldeia fazer uma reuni\u00e3o. As mulheres choravam e ficaram preocupadas, achando que eu iria desistir. Mas eu disse que n\u00e3o deixaria de falar, at\u00e9 porque a minha voz vai muito al\u00e9m ao representar a luta de um povo e a defesa de nosso territ\u00f3rio”, diz.
\n“E \u00e9 isso o que acontece em v\u00e1rios outros lugares da Amaz\u00f4nia. S\u00f3 que a gente \u00e9 uma sementinha, que cresce cada vez mais. N\u00f3s somos um projeto de vida, de caciques e de mulheres que querem construir o futuro para seus filhos junto com a floresta e os animais”, completa.
\nO que vem por a\u00ed?Questionada pela BBC News Brasil sobre o que espera do novo governo Lula, Korap adota um tom de cautela e cobran\u00e7a.
\n“O presidente anterior [Jair Bolsonaro] deixava muito claro o que queria: ele falava diretamente em n\u00e3o demarcar e explorar os territ\u00f3rios ind\u00edgenas”, avalia.
\n“Mas, com o novo governo, precisamos continuar a nossa luta. Porque sabemos que eles tamb\u00e9m est\u00e3o conversando com as empresas [interessadas na explora\u00e7\u00e3o da Amaz\u00f4nia]”, diferencia.
\nPara a ativista, os povos ind\u00edgenas n\u00e3o devem ficar satisfeitos com a concess\u00e3o de cargos de alto escal\u00e3o, ou a cria\u00e7\u00e3o de um minist\u00e9rio pr\u00f3prio, liderado por S\u00f4nia Guajajara (PSOL).
\n“Isso n\u00e3o significa que ficaremos calados e achando que est\u00e1 tudo bem. N\u00e3o est\u00e1 tudo bem se o nosso territ\u00f3rio n\u00e3o foi demarcado e est\u00e1 cheio de invasores, se os rios est\u00e3o contaminados com merc\u00fario, se h\u00e1 projetos para legalizar o garimpo\u2026”, lista.
\n“Precisamos lembrar que os ataques n\u00e3o acontecem s\u00f3 com as armas. Alguns s\u00e3o feitos com canetas. E as canetas que assinam leis em Bras\u00edlia podem ser a principal causa de morte do nosso povo”, complementa.
\n“Ser\u00e3o mais quatro anos em que continuaremos a resistir para proteger o nosso territ\u00f3rio”, conclui Korap.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

A ativista se tornou uma lideran\u00e7a do povo munduruku e conseguiu evitar a a\u00e7\u00e3o de mineradoras no territ\u00f3rio que ela mora, que ainda n\u00e3o foi demarcado pelo governo brasileiro. Ao longo dos \u00faltimos anos, ela conviveu com amea\u00e7as e ataques. As mem\u00f3rias de inf\u00e2ncia de Alessandra Korap est\u00e3o intimamente ligadas… Continue lendo → <\/span><\/a><\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":17448,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"class_list":["post-17447","post","type-post","status-publish","format-standard","has-post-thumbnail","hentry","category-sem-categoria"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/17447","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=17447"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/17447\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/17448"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=17447"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=17447"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/agencia3.jornalfloripa.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=17447"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}