Batizado de “sharenting”, h\u00e1bito de compartilhar imagens de crian\u00e7as na internet traz uma s\u00e9rie de riscos. Fran\u00e7a \u00e9 o primeiro pa\u00eds do mundo a propor lei sobre o assunto. Fran\u00e7a quer proibir pais de postar fotos dos filhos
\nUnsplash\/RODNAE Productions
\nO nascimento de um beb\u00ea, seu primeiro sorriso, seus primeiros passos \u2013 os pais geralmente se alegram com esses marcos iniciais na vida de seus filhos. Tais momentos especiais s\u00e3o frequentemente capturados em fotos e apresentados com orgulho a parentes e amigos. Embora possa ser irritante para alguns, isso nunca chegou a ser um problema \u2013 desde que o \u00e1lbum de fotos sumisse de volta na estante. Com o advento das redes sociais, no entanto, cada vez mais fotos de crian\u00e7as s\u00e3o postadas publicamente na internet, algo que pode ter consequ\u00eancias indesejadas no futuro.
\n1.300 fotos antes do 13\u00ba anivers\u00e1rio
\n“Em \u00faltima an\u00e1lise, muitas vezes se trata de reconhecimento por meio de mecanismos como curtidas ou cora\u00e7\u00f5es, por exemplo”, explica Sophie Pohle, consultora de educa\u00e7\u00e3o em m\u00eddia do Fundo Alem\u00e3o para Crian\u00e7as em Berlim.
\n\u00c0s vezes, acrescenta a especialista, compartilham-se desde as primeiras imagens do ultrassom, mas tamb\u00e9m fotos na praia, de festas de anivers\u00e1rio ou do primeiro dia na escolinha. “Em princ\u00edpio, n\u00e3o h\u00e1 nada que n\u00e3o seja mostrado.”
\nH\u00e1 tamb\u00e9m casos em que crian\u00e7as pequenas s\u00e3o comercializadas para fins publicit\u00e1rios, quando influenciadores digitais as usam em an\u00fancios de cosm\u00e9ticos ou roupas de beb\u00ea, por exemplo. E no entanto, todo mundo tem direito \u00e0 sua pr\u00f3pria imagem. E isso se aplica tamb\u00e9m \u2013 e especialmente \u2013 \u00e0s crian\u00e7as.
\nAt\u00e9 os 13 anos de idade, cada crian\u00e7a j\u00e1 possui, em m\u00e9dia, cerca de 1.300 fotos circulando na rede, alertou a ativista pelos direitos infantis Anne Longfield em um relat\u00f3rio de 2018, quando atuava como Comiss\u00e1ria da Inf\u00e2ncia na Inglaterra. O fen\u00f4meno tem at\u00e9 um nome pr\u00f3prio: “sharenting”, formado pelas palavras em ingl\u00eas “to share” (compartilhar) e “parenting” (parentalidade).
\nConsequ\u00eancias da postagem indiscriminada de fotos
\nMas a internet n\u00e3o esquece jamais. Essa frase conhecida pode, de fato, tornar-se um problema. Por exemplo, quando as pr\u00f3prias crian\u00e7as n\u00e3o est\u00e3o satisfeitas com suas fotos.
\n“O que os pais descrevem como fofo, \u00e0s vezes \u00e9 visto pelas crian\u00e7as como incrivelmente embara\u00e7oso”, explica a consultora do Fundo Alem\u00e3o para Crian\u00e7as. “E se algo assim entra em circula\u00e7\u00e3o p\u00fablica, \u00e9 claro que pode se tornar alvo de bullying, insultos ou coment\u00e1rios de \u00f3dio.”
\nEla aponta que as imagens tamb\u00e9m podem ser um problema mais tarde, em processos de sele\u00e7\u00e3o para um emprego, por exemplo, quando o departamento de RH de uma empresa resolve pesquisar no Google sobre determinado candidato e se depara com “fotos realmente desagrad\u00e1veis”.
\nFoi justamente para chamar a aten\u00e7\u00e3o para problemas como esses que a blogueira Toyah Diebel lan\u00e7ou em 2019 o projeto #deinkindauchnicht (seu filho tamb\u00e9m n\u00e3o, em alem\u00e3o). A ideia por tr\u00e1s: “Uma foto sua assim, voc\u00ea jamais postaria. Seu(sua) filho(a) tamb\u00e9m n\u00e3o.”
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\nAl\u00e9m disso, muitas vezes n\u00e3o \u00e9 apenas o rosto da crian\u00e7a que aparece nas fotos, mas tamb\u00e9m seu ambiente privado: o quarto, a casa, o jardim. Tamb\u00e9m \u00e9 comum que tais imagens venham acompanhadas de dados adicionais, como o nome da crian\u00e7a ou sua data de nascimento.
\n“Esses dados acoplados tamb\u00e9m podem ser usados \u200b\u200bpara tirar conclus\u00f5es sobre onde a crian\u00e7a mora”, alerta Sophie Pohle. E isso n\u00e3o \u00e9 um problema somente sob o prisma da prote\u00e7\u00e3o de dados: “Claro que sempre existe o risco de que tais informa\u00e7\u00f5es e imagens caiam nas m\u00e3os erradas e circulem em c\u00edrculos de ped\u00f3filos, por exemplo”.
\nEm 2019, um relat\u00f3rio do portal online jugendschutz.net, criado por meio de uma parceria entre os governos federal e estaduais da Alemanha, apontava que o Instagram era usado por uma rede de “pessoas com interesse sexual em crian\u00e7as”. Redes do tipo, conta a especialista, pegam fotos de crian\u00e7as e as compartilham acompanhadas de hashtags ou coment\u00e1rios sexuais.
\nPoucos se d\u00e3o conta do alcance do material compartilhado. “Os pais t\u00eam uma no\u00e7\u00e3o relativamente boa de que postagens p\u00fablicas no Facebook, TikTok ou Instagram s\u00e3o problem\u00e1ticas”, afirma Pohle. “Ao mesmo tempo, eles veem [aplicativos como] Messenger e Whatsapp como algo mais ou menos privado e, acabam compartilhando l\u00e1 de forma ainda mais desinibida.” Por meio da fun\u00e7\u00e3o de status, por exemplo, todo o c\u00edrculo de conhecidos pode ter acesso \u00e0s fotos.
\n“O cerne da quest\u00e3o \u00e9 qu\u00e3o grande \u00e9 o senso de responsabilidade dos pais neste assunto e como isso se reflete, por exemplo, nas configura\u00e7\u00f5es de privacidade nas redes. Eu realmente compartilho as fotos publicamente ou apenas com meus seguidores?”, pontua Pohle, lembrando que nem mesmo em um chat privado se pode ter absoluta certeza de que uma foto n\u00e3o ser\u00e1 repassada sem permiss\u00e3o.
\nCompartilhar imagens de crian\u00e7as pode ser proibido por lei
\nPara coibir a divulga\u00e7\u00e3o particularmente excessiva de imagens com potencial de ferir a dignidade, a Fran\u00e7a segue agora um caminho \u00fanico no mundo: quer proibir os pais de compartilhar fotos de seus filhos nas redes sociais sem a permiss\u00e3o dos menores.
\nUm projeto de lei sobre o tema prev\u00ea que, em caso de diverg\u00eancias entre os pais, possam ser adotadas inclusive a\u00e7\u00f5es legais, como proibir um dos pais de postar ou compartilhar fotos de seus filhos sem a permiss\u00e3o do outro. Em casos extremos, os pais poderiam at\u00e9 perder o direito de controlar os direitos de imagem de seus filhos.
\nA nova proposta d\u00e1 tamb\u00e9m especial aten\u00e7\u00e3o \u00e0 “explora\u00e7\u00e3o de imagens infantis em plataformas online”. Nesses casos, a renda adquirida atrav\u00e9s do uso comercial de fotos de crian\u00e7as deve ser depositada em uma conta que os jovens tenham acesso a partir dos 16 anos.
\nO texto prev\u00ea ainda um “direito ao esquecimento”, segundo o qual as crian\u00e7as poderiam ter suas pr\u00f3prias fotos e v\u00eddeos removidos da internet posteriormente, se assim o desejarem.
\nNo geral, Pohle avalia o projeto de lei franc\u00eas de forma positiva. Ele refor\u00e7a, afinal, os direitos individuais dos menores j\u00e1 consagrados na Conven\u00e7\u00e3o das Na\u00e7\u00f5es Unidas sobre os Direitos da Crian\u00e7a.
\n“A quest\u00e3o n\u00e3o \u00e9 que a postagem de fotos de crian\u00e7as na internet deva ser proibida como um todo, mas evitar o uso excessivo e desrespeitoso delas nas redes sociais”, diz Pohle.
\n“O direito \u00e0 pr\u00f3pria imagem significa que cabe a cada pessoa decidir por si mesma que imagens suas podem ou n\u00e3o ser publicadas. E \u00e9 por isso que \u00e9 absolutamente importante, do ponto de vista dos direitos da crian\u00e7a, envolv\u00ea-las na decis\u00e3o e tamb\u00e9m aceitar um ‘n\u00e3o’ em vez de simplesmente ignor\u00e1-lo.”
\nO projeto legislativo franc\u00eas \u00e9 in\u00e9dito no mundo. Sendo assim, avalia Pohle, a educa\u00e7\u00e3o ainda \u00e9 o principal meio de proteger as crian\u00e7as das consequ\u00eancias indesejadas do compartilhamento de imagens. Em creches, escolas, plataformas de m\u00eddia social, mas tamb\u00e9m e principalmente com os pr\u00f3prios pais.
\nEm primeiro lugar, as fam\u00edlias “devem desenvolver um entendimento comum de como tratar fotos com respeito e responsabilidade”, diz Pohle . “Isso porque, o mais tardar quando as crian\u00e7as ganham seu primeiro smartphone, elas mesmas entram nas m\u00eddias sociais, onde, \u00e9 claro, tamb\u00e9m s\u00e3o fortemente influenciadas pela maneira como isso era abordado pela fam\u00edlia.”<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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