Eliane Marques criticou declaração de Airton Ortiz, que destacou as culturas alemã e italiana do RS diante de outros locais do país, com maior presença de negros escravizados. Autor reconheceu que fala teve ‘cunho racista’. Escritora Eliane Marques publicou discurso sobre fala de teor racista em evento da Academia Rio-grandense de Letras
Reprodução/Instagram
A cerimônia de entrega do Prêmio da Academia Rio-Grandense de Letras (ARL), realizada na quinta-feira (12), em Porto Alegre, foi marcada por uma fala de teor racista que gerou indignação e manifestações antirracistas no evento. Durante seu discurso de encerramento, o presidente da instituição, Airton Ortiz, atribuiu o pioneirismo cultural do Rio Grande do Sul à imigração alemã e italiana, sugerindo que o restante do país teria sido predominantemente “colonizado” por pessoas negras escravizadas.
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A escritora Eliane Marques, premiada com o troféu Alcides Maya na categoria Narrativa Longa pelo livro “Louças de família”, reagiu ao discurso no momento, subindo ao palco para manifestar sua indignação (veja, abaixo, a íntegra da manifestação da autora).
“Não é mais possível, senhor presidente, acadêmicos, acadêmicas, que ouçamos em silêncio afirmações como essa, de que o Rio Grande do Sul é então pioneiro nas suas academias de letras em razão da imigração alemã, da imigração italiana, e que o restante do país não teria seguido esse pioneirismo em razão da sua predominância escrava, quer dizer, negra” , protestou a autora.
Nesta sexta-feira (14), Ortiz publicou uma nota de retratação. O escritor reconheceu que sua fala teve “cunho racista” e que o discurso improvisado resultou em uma “conotação distorcida” do que ele pretendia dizer (confira, abaixo, a nota completa do escritor).
“Ao fazer um histórico do surgimento precoce das instituições culturais no Rio Grande do Sul, falei que isso em muito se devia aos imigrantes alemães e italianos, pois eles tinham liberdade para se reunirem em associações, publicarem seus jornais e praticarem suas culturas. Enquanto isso, nas regiões colonizadas por escravos, infelizmente eles não tiveram liberdade para esse tipo de atividade. Por culpa, obviamente, de quem os escravizava”, justificou Ortiz.
Escritor Airton Ortiz
Luiza Carneiro/G1
Em suas redes sociais, Eliane detalhou o episódio e criticou a postura de silêncio dos presentes diante do teor racista das falas.
“Com o peso de seus fardões e de sua importância, acadêmicos e acadêmicas permaneceram brancamente imantados em suas cadeiras, calados, recebendo elogios e tapinhas nas costas”, afirmou.
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Eliane Marques
Divulgação/ Eliane Marques
Leia o discurso da escritora Eliane Marques:
“Eu peço a esta Academia de Letras uma retratação pública por escrito em razão de uma fala não apenas inadequada, mas racista do senhor presidente, racista e etarista. Não é mais possível, senhor presidente, acadêmicos, acadêmicas, que ouçamos em silêncio afirmações como essa, de que o Rio Grande do Sul é então pioneiro nas suas Academias de Letras em razão da imigração alemã, da imigração italiana e que o restante do país não teria seguido esse pioneirismo em razão da sua predominância escrava, quer dizer, negra.
Nós sabemos que o fundador da Academia Brasileira de Letras é o Machado de Assis, que tivemos grandes nomes na letra do Maria Firmina dos Reis, Luiz Gama, Lima Barreto. No Rio Grande do Sul, temos Ronaldo Augusto, como contemporâneo, Luiz Maurício, Fernanda Bastos, Natália, Oliveira Silveira, Oliveira Silveira!
Então como é que nós escutamos poemas e uma história e a branquitude não se levanta em razão dessa afirmação? Por que precisa uma pessoa negra estar contida, pedir retratação em razão de uma fala totalmente racista, senhor presidente? Eu não entendo isso. Os senhores premiaram uma mulher negra, um livro que fala de todo um trabalho da população negra na construção de uma sociedade e ao mesmo tempo ficam em silêncio em razão de uma fala racista dessas?
Não era para os senhores se levantarem? Não é para a branquitude agora começar a se levantar em razão disso? Eu estou tremendo aqui. Me pediram que eu fosse calma, mas não tenho como ser calma, pessoal. Como é que uma mulher negra vai ouvir isso? E a branquitude vai ouvir e vai ficar calada, sentada.
Não é possível. Me desculpe, senhor presidente. Me desculpe, mas é preciso uma retratação curta, por favor. É preciso uma retratação curta. Me desculpe, mas é preciso uma retratação curta, por favor.”
Veja a nota de retratação de Airton Ortiz:
“Ontem [quinta, 12], durante a entrega do Prêmio Academia Rio-Grandense de Letras, ao fazer um histórico do surgimento precoce das instituições culturais no Rio Grande do Sul, falei que isso em muito se devia aos imigrantes alemães e italianos, pois eles tinham liberdade para se reunirem em associações, publicarem seus jornais e praticarem suas culturas. Enquanto isso, nas regiões colonizadas por escravos, infelizmente eles não tiveram liberdade para esse tipo de atividade. Por culpa, obviamente, de quem os escravizava.
Dito de improviso e sem completar o raciocínio acima exposto, minha fala teve cunho racista. Assumo a responsabilidade pelo meu erro, pois acabei dando uma conotação distorcida do que eu queria dizer. Reconheci tão logo me foi chamada a atenção e imediatamente pedi desculpas diante do mesmo público que ouviu o que eu havia falado. É óbvio que eu condeno toda e qualquer manifestação racista, tenho um histórico de vida que comprova isso, e por isso essa retratação pessoal, que em nada envolve a Academia Rio-Grandense de Letras.”
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