Estudo da Defensoria Pública de SP que norteou decisão aponta que mais de 90% dos detentos em saída temporária que foram recolhidos de volta ao presídio em março deste ano não estavam cometendo crimes; em 61% dos casos, eles estavam fora do horário nas ruas. Policiais participam de cerimônia da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
Divulgação/GESP
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) declarou a nulidade de trecho de uma portaria do Tribunal de Justiça de São Paulo que permitia a prisão de detentos em saída temporária sem a necessidade de decisão judicial.
Na prática, o julgamento em plenário virtual ocorrido na última sexta-feira (19) decidiu que as prisões de mais de 150 detentos ocorridas durante a “saidinha” de março deste ano, efetuadas pelas polícias Civil e Militar, foram ilegais e não devem se repetir.
O parágrafo 2º do artigo 7º da portaria 2/2019 do TJ-SP, trecho anulado pelo CNJ, previa o seguinte:
“§ 2º As Polícias Civil e Militar deverão fiscalizar o cumprimento das condições estabelecidas nesta Portaria e, constatando o descumprimento pelo sentenciado, deverão conduzi-lo ao presídio, onde permanecerá custodiado, como medida acautelatória em proteção à sociedade, comunicando-se o ocorrido à Unidade Regional competente (ou ao plantão judicial, se o caso) imediatamente em seguida, para apreciação do caso, mediante decisão jurisdicional a ser prolatada a respeito”.
Na decisão, o relator José Rotondano apontou que “a ‘custódia’ promovida no Estado de SP como medida acautelatória […] se distancia das normas de regência, notadamente pelo aspecto de que essa restrição de liberdade (prisão) ser exercida à revelia de decisão judicial”.
O g1 procurou o Tribunal de Justiça e a Secretaria da Segurança Pública (SSP) para comentarem a decisão, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Prisões ilegais, diz Defensoria
Em maio deste ano, o g1 publicou um levantamento da Defensoria Pública do Estado de SP que apontava que mais de 90% dos detentos em saída temporária que foram recolhidos de volta ao presídio naquela data não estavam cometendo crimes.
Em 61% dos casos, segundo o relatório, os detentos estavam apenas fora do horário nas ruas.
A Defensoria apontou que, em diversos casos, os custodiados em saída temporária foram abordados por estarem em ponto de ônibus, vendendo água numa rua limítrofe entre os municípios de SP e Osasco ou simplesmente indo visitar a mãe de criação.
“No caso nº 103, o acusado foi preso logo depois de sair do hospital, enquanto aguardava o ônibus para retornar à sua residência, conforme os documentos apresentados pela Defensoria Pública. Uma mulher, do caso nº 137, foi presa dentro de sua residência, não podendo se falar em qualquer violação de horário. Algo semelhante ocorreu com a pessoa do caso nº 145, que, de acordo com o B.O da PM, foi presa caminhando na via pública dentro do horário permitido”, exemplificou o órgão.
Na decisão desta sexta (19), o CNJ fixou como norma a seguinte tese:
“O descumprimento das condições da saída temporária não pode implicar na custódia do sentenciado em presídio por decisão de autoridade administrativa, porquanto a restrição de liberdade (prisão) depende de ordem judicial, salvo os casos de flagrante delito”.
Isso significa que a polícia não pode prender mais sem ordem judicial, como estava fazendo, a não ser a prisão aconteça em flagrante.
O assunto foi parar no CNJ depois que o ministro Messod Azulay Neto, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), , pediu que o CNJ se pronunciasse. Ele foi o sorteado como relator no pedido de habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria de SP contra a norma do TJ-SP e a ação das polícias de SP, que permitia o recolhimento desses detentos para o presídio sem flagrante ou ordem judicial.
Saída temporária: regras
Pela Lei de Execução Penal, as saídas temporárias são concedidas aos detentos em cinco datas ao longo do ano. Geralmente elas ocorrem perto de feriados, mas não somente. A legislação permite o benefício a presos que cumprem diversos pré-requisitos. Entre eles:
Estar em regime semiaberto;
Ter cumprido pelo menos 1/6 da pena, se for réu primário;
Ter cumprido pelo menos 1/4 da pena, se for reincidente;
Tiver comportamento adequado no presídio.