PEC do Corte de Gastos limita, gradativamente, abono a trabalhadores que recebem 1,5 salário mínimo e reduz alcance de medida da Fazenda que vinculava fundo à educação integral. Antes de ir para o Senado, texto ainda passará por outro turno. Pacote de Corte de gastos entra em votação de temas polêmicos
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (19), em 1º turno, o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria novas regras para o abono salarial e prorroga a desvinculação de receitas da União, que libera recursos antes alocados em determinadas áreas.
🔎Por se tratar de uma sugestão de mudança à Constituição, a PEC ainda precisa ser submetida a um 2º turno de análise, onde são necessários, no mínimo, 308 votos favoráveis.
Antes disso, porém, os deputados ainda votarão os chamados destaques — sugestões de mudança ao texto original. Encerradas as duas etapas, a PEC poderá seguir para análise do Senado. Depois desta etapa, a PEC poderá seguir para análise do Senado.
Com plenário esvaziado, foram 344 votos a 154. Ao todo, 503 deputados registraram presença, que foi flexibilizada por Lira na manhã desta quinta, permitindo registro remoto.
Plenário da Câmara dos Deputados durante a votação de projeto de corte de gastos no dia 18 de dezembro de 2024
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
A PEC compõe o pacote de ajuste fiscal enviado pelo Ministério da Fazenda ao Congresso para equilibrar as contas públicas e economizar, até 2030, R$ 375 bilhões. Um outro texto, que cria “gatilhos” para frear despesas, já foi aprovado pelos deputados nesta quarta.
A votação da proposta estava prevista para esta quarta (18), mas foi adiada depois de o plenário da Casa aprovar a preferência de votação a uma emenda proposta pelo deputado Moses Rodrigues (União-CE).
A aprovação dessa preferência era uma etapa necessária, uma vez que Lira anexou a PEC, apresentada pelo governo federal, a uma proposta antiga, de 2007.
Com a medida, o texto proposto por Moses, que foi escolhido por Lira como relator da PEC, substituiu a íntegra da proposta de 2007. Por risco de falta de quórum na sessão de ontem, o presidente da Casa passou então a votação para a manhã desta quinta.
Durante a análise na Câmara, Moses Rodrigues desidratou parte das medidas previstas no texto.
A de maior impacto diz respeito a um trecho que muda a contabilidade do percentual de recursos da União injetados no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
A proposta discutida pelo Congresso:
define novas regras ao abono salarial
trata dos supersalários
muda contabilidade de repasses da União ao Fundeb
prorroga liberação de parte de recursos que deveriam ser obrigatoriamente destinados a outras áreas
Abono salarial
A proposta restringe, gradativamente, o acesso ao abono salarial — uma espécie de 14º salário pago a trabalhadores de baixa renda.
Para 2025, o texto estabelece que, para ter direito ao benefício, o trabalhador terá de ter recebido dois salários mínimos do ano-base, que será 2023 (equivalente a R$ 2.640).
A partir do ano seguinte, o valor será corrigido pela inflação, enquanto o salário mínimo terá ganho real (acima da inflação, seguindo as regras do arcabouço fiscal).
Com o passar dos anos, o critério de acesso ao abono salarial chegará a 1,5 salário mínimo.
Atualmente, o abono é pago anualmente, no valor de até um salário mínimo, a trabalhadores que:
receberam até dois salários mínimos no ano-base do abono;
trabalharam com carteira assinada por ao menos 30 dias no ano-base.
O Ministério da Fazenda projeta economizar R$ 100 milhões em 2025. Nos próximos anos, a economia subirá para R$ 600 milhões, em 2026; e R$ 2 bilhões em 2027.
Fundeb
O texto aprovado pelos deputados cria uma nova categoria para contabilizar a contribuição da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
O trecho foi o que mais sofreu mudanças do relator Moses Rodrigues, a pedido de lideranças e do setor educacional.
📉Originalmente, o governo estimava que as alterações no Fundeb teriam o segundo maior impacto no pacote em 2025: R$ 4,8 bilhões.
Com as mudanças do parlamentar ao texto do Planalto, a economia deverá ser menor e limitada somente ao próximo ano.
As regras atuais estabelecem que, até 2026, a União passará a contribuir com, no mínimo, 23% do total de recursos dos fundos estaduais de fomento à educação.
Os repasses são feitos com base em três critérios e percentuais diferentes — dois que determinam complementação a estados nos quais o valor por aluno está abaixo do mínimo nacional; e um, que beneficia localidades com evolução em indicadores educacionais.
A PEC cria uma quarta categoria de distribuição, que poderá abocanhar até 10% do total de recursos injetados pela União no Fundeb em 2025. Na prática, a mudança reduz a complementação nos critérios já existentes.
O novo critério, que poderá ser criado com a eventual promulgação da PEC, será voltado a incentivar o tempo integral na educação básica pública.
Nesse ponto, o governo havia proposto que a categoria poderia ter até 20% do total de repasses, por tempo indeterminado. O texto aprovado pela Câmara reduz, portanto, o alcance da medida.
Segundo técnicos, ao colocar recursos para educação em tempo integral no Fundeb, a PEC possibilita que o governo redirecione recursos do orçamento do Ministério da Educação que antes eram destinados para essa finalidade.
A Consultoria de Orçamento do Senado afirma que a “economia efetiva” dessa mudança dependerá da “não utilização do espaço fiscal liberado”.
O deputado Moses Rodrigues também alterou o repasse dos recursos injetados por estados e municípios no Fundeb.
Pelo texto, a partir de 2026, um mínimo de 4% do montante deverá ser destinado à criação de vagas de ensino em tempo integral.
Supersalários
A proposta reforça que o Congresso deverá aprovar uma lei para combater supersalários no funcionalismo público.
💵 A regras tem o objetivo de barrar dribles ao teto de vencimentos no serviço público — fixado em R$ 44 mil neste ano e em R$ 46,3 mil para 2025.
O texto estabelece que verbas indenizatórias terão de ser contabilizadas dentro do limite de salários.
Também determina que eventuais exceções somente poderão ser definidas por meio de uma lei comum, aprovada pelo Congresso, com alcance nacional, e aplicada a todos os Poderes e órgãos autônomos.
A proposta enviada pelo governo havia proposto que as exceções teriam de ser estabelecidas por meio de uma lei complementar — de mais difícil aprovação pelo Congresso.
A estratégia foi adotada para aproveitar um projeto de lei comum sobre o tema que já foi aprovado pela Câmara e aguarda votação no Senado.
Atualmente, a Constituição define que as ressalvas também podem ser decididas por lei comum, sem proibir que outros entes legislem a respeito.
💲As verbas indenizatórias ficaram conhecidas popularmente como penduricalhos. Abrangem uma série de benefícios e auxílios concedidos a servidores, como o auxílio-moradia.
💲Ao serem classificados nesta categoria, os valores não estão sujeitos ao teto remuneratório e ao Imposto de Renda. Para inflar salários de servidores acima do limite, em um “truque”, órgãos públicos concedem penduricalhos.
Para atender a pleitos dos servidores, que fizeram campanha contra a medida proposta pelo governo, Moses Rodrigues propôs uma medida para assegurar que beneficiários dos supersalários sigam recebendo os penduricalhos enquanto não for sancionada uma lei com as exceções.
Outros pontos
O texto prorroga, até 2032, a desvinculação de parte das receitas da União. A medida possibilita que o governo use livremente recursos que, antes, deveriam ser obrigatoriamente alocados em determinadas áreas.
A PEC mantém o percentual de desvinculação em 30% da arrecadação de impostos e contribuições sociais. Mas amplia a desvinculação às receitas patrimoniais do governo, que incluem, por exemplo, dividendos, royalties e concessões.
A desvinculação das receitas deixaria de valer no fim deste ano. Em 2023, o Congresso já havia renovado até 2032 a medida para estados e municípios.
Outro instrumento previsto na PEC prevê que, até 2032, a criação ou prorrogação vinculação constitucional de receitas terá de seguir a regra de crescimento de despesas do arcabouço fiscal — entre 0,6% e 2,5% acima da inflação.
🔎Para entender: vinculação constitucional é obrigação de que um piso de recursos deve ser destinado a uma determinada área. É o que ocorre, por exemplo, com o piso da educação e da saúde.
A medida, proposta pelo governo e aprovada pelos deputados, prevê que, por exemplo, mudanças futuras nesses pisos não poderão elevar os gastos acima do limite do arcabouço.
Também está previsto na PEC que:
o governo poderá limitar subsídios e benefícios financeiros durante a execução orçamentária;
e que, para fins de comprovação de renda para acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), somente poderão ser deduzidos valores autorizados por lei — o que, na avaliação do Planalto, deve reduzir concessões do benefício por meio de ordens judiciais.