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“Wicked” volta ao passado de Oz para falar de racismo e autoritarismo

“Wicked” volta ao passado de Oz para falar de racismo e autoritarismoLuccas Diaz

Muito além de um simples prólogo de “O Mágico de Oz”, o filme “Wicked” (2024) é uma obra que provoca reflexões interessantes sobre preconceito, poder e manipulação. Ao acompanhar a trajetória de origem de Elphaba (Cynthia Erivo), a famosa bruxa verde que aterroriza Dorothy na terra de Oz, somos convidados a pensar em temas universais que transcendem as cores e músicas desse universo fantástico. O musical que dá origem ao filme – que, por sua vez, é baseado no livro de mesmo nome de Gregory Maguire, de 1995 – é uma festa de analogias a questões sociais e políticas do mundo real.

Assim como outros filmes que, de início, em nada parecem acrescentar aos estudos – como “A Substância” e “Não olhe para cima” –, entenda neste texto como a história de “Wicked” pode ser uma excelente fonte de reflexão para temas pertinentes da atualidade e um ótimo repertório para as redações do Enem e vestibulares.

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O longa conta a história de Elphaba antes da chegada de Dorothy em Oz – ou seja, antes de ela ser a Bruxa Má do Oeste. A jovem, que já nasceu verde e com poderes que não compreende, teve uma infância difícil, vítima de bullying, preconceito e isolamento social. As coisas começam a mudar quando ela é matriculada na Universidade de Shiz e conhece Glinda (Ariana Grande), sua companheira de quarto que é popular, convencida e aspirante à feiticeira.

A amizade entre as duas floresce e Elphaba vê em Glinda a aceitação e afeto que nunca encontrou. Como Elphaba se tornou má e o grande terror da terra de Oz é a narrativa que “Wicked” se propõe a contar. A exemplo de outras histórias de origem de vilões, vemos que a verdade contada pelos mocinhos não é a única.

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Como nasce um líder fascista

Cena do filme
<span class=”hidden”>–</span>Universal/Divulgação

No mundo de “Wicked”, somos apresentados novamente à terra mágica de Oz. Ainda que fiel à versão introduzida no livro de 1900 e na clássica adaptação para os cinemas de 1939, a Oz de “Wicked” é diferente. Para além dos animais falantes, enormes campos de flores coloridos e uma cidade com prédios feitos de esmeralda, Oz sofre com problemas reais e nada fantásticos.

Nessa terra, quem manda é o Mágico, um homem misterioso, reverenciado e que, por mais que ninguém o conheça, tem seu rosto (e suas conquistas) estampado por todos os lados. Pouco se sabe sobre sua origem, apenas que ele chegou voando em um balão em um momento de crise na terra de Oz. A sua aparição foi associada a uma antiga profecia, que anunciava a chegada de um messias que libertaria o povo e guiaria o reino rumo ao progresso.

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O desenrolar da sua chegada até a ascensão como líder de Oz não é o foco do filme. É dito, porém, que foi a sua perseverança durante uma seca que salvou a população da fome e da miséria, o firmando como o líder soberano. Quem já leu ou assistiu ao “O Mágico de Oz” já sabe que de mágico o Mágico não tem nada. O homem é apenas… um homem.

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Toda a sua trajetória na terra fantástica se sustenta pela manipulação da verdade – o seu único verdadeiro poder. Usando de maquinários tecnológicos, truques de psicologia, distorções dos fatos e marketing político, o Mágico propaga uma imagem de força e poder. Diferentemente das adaptações anteriores de “O Mágico de Oz”, “Wicked” dá o tom realista ao caráter fascista do Mágico. E exemplifica como governantes como ele ascendem ao poder ao criar um inimigo comum entre a população.

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Dê ao povo um inimigo comum

Antes da chegada do Mágico em Oz, animais falantes viviam livremente pelo reino: ocupavam cargos, exerciam funções e contribuíam como parte integral da sociedade – a própria Elphaba teve uma ursa como babá durante a infância. Na Oz do presente, no entanto, as coisas são diferentes: cada vez menos animais dividem espaços com humanos ou ocupam posições de relevância. Marginalizados, são poucos os que ainda trabalham e vivem livremente. Elphaba, uma pessoa que sabe bem como é ser inferiorizada, se interessa em entender essa mudança.

Na universidade, a jovem passa a investigar o que está por trás da crescente segregação dos animais na sociedade – incluindo a de Dillamond, um bode professor que é demitido e preso na frente de todos os alunos. Ao longo da história, ela descobre que essa nova configuração social não é nada natural, como se acredita, mas sim um plano estrutural. Durante a crise influenciada pela seca em Oz, anos antes de Elphaba nascer, o Mágico utilizou como parte de sua estratégia de ascensão um velho truque conhecido por tiranos e governantes autoritários.

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Cena do filme
<span class=”hidden”>–</span>Universal/Divulgação

O líder concentrou nos animais a razão de todos os problemas na terra de Oz. Antagonizou, marginalizou e transformou os animais falantes em inimigos da pátria. Como se o grupo, por simplesmente ser como é, fosse a razão das crises no reino. Ao demonizar os animais e criar uma divisão artificial entre humanos e não-humanos (até então inexistente), o Mágico conseguiu desviar a atenção das verdadeiras injustiças de Oz, fragmentando a sociedade e eliminando uma potencial resistência.

A estratégia, como bem sabemos, não é exclusiva da ficção. Regimes autoritários, como o da União Soviética, da Alemanha nazista ou das ditaduras da América Latina, recorreram à criação de um inimigo, um vilão que deve ser detido, para justificar suas ações. Essa manipulação pela propaganda e preconceito ajuda a enfraquecer qualquer oposição, mantendo a autoridade intacta enquanto justifica a opressão como uma medida necessária para a ordem social.

E é exatamente isto que o Mágico deseja fazer com Elphaba.

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Nasce uma bruxa

Cena do filme
<span class=”hidden”>–</span>Universal/Divulgação

A verdade é que Elphaba nunca foi má. A única maldade é a que projetam nela, baseada puramente em sua pele verde – cor frequentemente associada à “anormalidade” ou “perigo”. É inevitável não fazer uma analogia com as práticas racistas ao longo da História. Desde o nascimento, ela é vista como “outra” e, portanto, não merecedora dos mesmos direitos ou respeito que os demais.

Ao descobrir o plano maléfico do Mágico, a jovem – que, ao contrário dele, é a única com poderes de verdade –, deseja contar toda a verdade para o mundo de Oz. Glinda, a garota privilegiada e amada por todos, não compreende a vontade da amiga: seu status quo, de alguém que nunca sofreu qualquer tipo de segregação, lhe impede de enxergar para além do véu.

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Para fugir da prisão eminente, Elphaba não tem outra opção a não ser se tornar uma fugitiva. O seu senso moral fala mais alto quando o Mágico lhe convida a conviver com toda a farsa e liderar Oz ao lado dele – diferentemente de Glinda, que aceita a função sem grande relutância. Subindo em sua vassoura, a jovem incorpora o papel que lhe impuseram durante toda a vida: com chapéu pontudo na cabeça, foge voando pelos céus de Oz. Na Cidade das Esmeraldas, a voz retumbante do líder ressoa: cuidado com a Bruxa Má.

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Assim, em “Wicked”, a história de Elphaba não é apenas a de uma bruxa má, mas a de uma mulher que se torna aquilo que a sociedade julga que ela seja enquanto os verdadeiros vilões estão no poder. Sua existência é manipulada por terceiros para construir um monstro que ela nunca foi. Ao olhar para a figura da bruxa verde, devemos não apenas ver uma personagem de ficção, mas um espelho das lutas contra o preconceito, a marginalização e a construção de inimigos externos.

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