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‘Tour da propina’ de PMs no RJ recolhia dinheiro, cerveja, vodca e até frutas de comerciantes: veja o que se sabe sobre o caso

A Corregedoria da PM e do MPRJ deflagraram a Operação Segreto, com o objetivo de prender policiais que cobravam propina de comerciantes na Baixada Fluminense. Diálogos gravados revelam estratégia para não serem pegos e competição pelo ‘arrêgo’. Vinte e um policiais militares são presos acusados de extorquir dinheiro e produtos de comerciantes na Baixada Fluminense
Vinte e dois policiais militares do Rio de Janeiro estão sendo investigados por suspeita de integrar uma quadrilha de extorsão de comerciantes na Baixada Fluminense.
Na última quinta-feira (7), 21 PMs foram presos pela Corregedoria da Polícia Militar e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Até a última atualização desta reportagem, 1 PM seguia foragido.
Segundo os promotores, homens que então serviam no 20º BPM (Mesquita) faziam um “tour da propina” em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense — e além de dinheiro, recolhiam cerveja, vodka e até frutas.
Diálogos gravados durante o ‘tour da propina’ indicam competição entre grupos de PMs pelo ‘arrêgo’
Os casos investigados aconteceram entre junho de 2023 e fevereiro de 2024. Os envolvidos são acusados de corrupção e associação criminosa: Um subtenente, 11 sargentos, seis cabos e quatro soldados.
Sextou da PM
Segundo os investigadores, a sexta-feira era o dia mais esperado pelos policiais que trabalhavam no 20º BPM no ano passado e começo desse ano. Esse era o dia do patrulhamento especial para uma tropa de 22 policiais.
Corregedoria da PM prende 21 policiais por ‘tour da propina’ na Baixada Fluminense
Os suspeitos de integrar a quadrilha realizavam o ‘sextou da PM’, o que foi batizado pelos investigadores de ‘tour da propina’.
A quadrilha fardada é acusada de percorrer lojas e extorquir dinheiro de 54 comerciantes da região entre Nova Iguaçu e Belford Roxo. Segundo a denúncia, quem se recusava a colaborar com a “caixinha” da corrupção sofria ameaças.
A investigação foi realizada pela corregedoria da PM e começou depois de uma denúncia anônima. A partir daí, os policiais começaram a ser monitorados.
Cada um dos envolvidos no caso tinha uma câmera corporal presa ao uniforme. O equipamento é de uso obrigatório no Rio de Janeiro e não utilização é considerada falta grave.
Contudo, na hora da extorsão, os PMs achavam que eram espertos o suficiente para evitar o flagrante das câmeras. Mas não foi bem assim que aconteceu.
Estratégia para não ser pego
Ainda de acordo com os investigadores, os PMs retiravam a câmera do uniforme ou obstruíam a lente do equipamento para evitar serem gravados durante a prática criminosa. Ou seja, a ideia dos suspeitos era, sempre que fossem cometer um crime, a câmera era retirada ou suas lentes obstruídas.
Apesar da técnica de camuflagem, as câmeras continuavam registrando os diálogos.
A denúncia do Ministério Público transcreve os áudios das câmeras corporais, como a conversa entre dois PMs durante um deslocamento.
Em uma das conversas, eles mostram que não tinham pudor e falavam abertamente sobre a prática de corrupção.
“(…) Pra eu cobrar alguém, eu tenho que andar certo. Pra eu falar que eu vou usar câmera, eu tenho que estar certo, ciente que não tô cometendo nenhum crime, entendeu”, diz um sargento mais experiente dentro da viatura.
“Se eu vou fazer m*, eu não vou usar a câmera. Eu vou filmar o meu próprio crime? Que p* é essa! Idiotice, cara. Não tem coerência”, completa.
Percebendo que o colega poderia falar alguma coisa irregular, o outro sargento que estava no veículo fez alerta: “Não tem que estar falando isso”.
Tranquilo quanto a sua impunidade, o sargento que abriu a conversa o ensina:
“Por isso que eu to usando câmera. Eu não tô cometendo nenhum crime. O dia que eu for cometer um crime, eu não vou usar câmera. Que idiotice”, afirmou.
Ainda preocupado com a exposição e sabendo que estava sendo gravado, o colega volta a tentar se proteger de possíveis irregularidades.
“Nem vai estar de serviço com o sargento **** (cita o próprio nome). O sargento **** não iria permitir isso.
O diálogo segue:
Sargento 1: “Eu vou usar câmera sempre que eu não estiver cometendo crime. Vou usar, vou trocar a câmera sempre que eu não estiver cometendo crime”.
Sargento 2: “Tá enfatizando muito isso”.
Sargento 1: “É pra eles que eu tô falando. Tem que saber essa p*, que a gente não é idiota. Acha que o policial é idiota”.
Sargento 1: “Eles podem até parar de ficar me olhando, que não adianta. Eu não vou cometer crime com eles me olhando”.
Em determinado momento da conversa, o sargento menos preocupado comenta como ele imagina que é feito o monitoramento da corregedoria nas câmeras corporais dos policiais.
Para o PM, os fiscais não conseguem ver todas as câmeras ao mesmo tempo e que ele só seria pego se desse “o azar da câmera te ver na hora errada”.
Sargento 1: “Esse negócio aí, que ficam olhando lá no monitor, eles olham por amostragem. Não tem como olhar 50 mil. Vamos botar, 20 polícia, 10 mil. Não tem como olhar 10 mil polícia”.
Sargento 2: “O foco estava sendo Zona Sul, até porque as pessoas de maior poder aquisitivo estão lá. Só que agora eles abriram mais o leque para a Baixada e Niterói”.
Sargento 1: “Mas não tem como olhar todo mundo. É olhar por amostragem. ‘Vamos lá olhar o (cita o próprio nome) que tá bacana’. Olha aí três minutos e olha outro polícia”.
Sargento 1: “O f* é quando alguém dá o azar, esse é que o problema. Dá o azar da câmera te ver na hora errada. Não vão botar uma tropa, botar 10 mil polícia para olhar 10 mil polícia”.
Cerveja e vodka de propina
Em uma outra transcrição de câmera corporal, um dos sargentos presos nesta quinta-feira escolhe o que vai levar do estabelecimento comercial como propina.
Comerciante: “Vai levar um packzinho?”
Policial: “Pode ser aquela Império”.
Além de receber cerveja como pagamento de propina, alguns dos PMs investigados também aceitaram garrafas de vodka como contribuição ilegal.
A denúncia do MP aponta que três PMs receberam de um deposito de bebidas dois engradados de bebidas alcoólicas, um de cerveja e outro de vodka.
Outro policial usa uma expressão curiosa para definir o trabalho de mais uma sexta-feira na Baixada Fluminense.
“Vou aqui no meu arrêgo”, diz o PM.
Arrêgo é uma palavra muito usada por bandidos, que significa propina.
Segundo a denúncia, os policiais envolvidos são suspeitos de ter praticado os crimes de corrupção passiva, recusa de obediência e associação criminosa.
O que diz a PM
A porta-voz da Polícia Militar, tenente-coronel Cláudia Moraes, disse ao RJ2 que as denúncias estão sendo investigadas pela corporação e que as acusações causam constrangimento.
“A gente se sente constrangido, porque não é a forma, não é nada que a instituição apregoa, nada que a instituição ensina. Essa situação tá sendo investigada, essa operação que a gente tá tendo hoje da Corregedoria foi fruto de uma investigação de um período importante de investigação da nossa Corregedoria”.
“Esse tipo de conduta não condiz com o que se espera de uma Polícia Militar, que se espera de uma corporação. Então, é uma atividade muito importante, é uma ação contundente da nossa Corregedoria, do comando da corporação em relação a esse tipo de prática que, como eu disse, não representa.
“A gente precisa que a população faça como esses comerciantes que se viram, de alguma maneira, ali, ameaçados. Extorsão é uma coisa muito séria. Denunciar de forma anônima para que a Polícia Militar possa chegar nessas pessoas que não são, não refletem a maioria da nossa corporação. Isso é muito importante”.
“A esmagadora maioria da nossa Polícia Militar são de homens e mulheres honestos, trabalhadores, que dão a sua vida pela sociedade fluminense”.
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