Paulo Costa, concordou com promotor Rogério Zagallo que não denunciou Wesley Dias pelo homicídio de Rafael Garcia em 2023. Para chefe do MP, cabo agiu em ‘legítima defesa’, torcedor ‘se encontrava no local errado, na hora errada’ e disparo na cabeça foi ‘fatalidade’. Imagens acima mostram vídeo que flagrou PM atirando contra torcedores, são-paulino Rafael Garcia, que foi encontrado morto; e saco apreendido pela perícia que pode ter matado ele. Artefato é semelhante a ‘bean bag’, munição menos letal usada pela PM
Reprodução/Arquivo pessoal
Após determinação da Justiça, o chefe do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) revisou neste mês a decisão do promotor que havia pedido anteriormente o arquivamento do caso do policial militar que matou um são-paulino com um tiro de ‘bean bag´na cabeça em 24 de setembro de 2023.
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Num relatório de 14 páginas, o procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira fez a “revisão de promoção de arquivamento” e concordou com o posicionamento de seu colega Rogério Leão Zagallo, que não denunciou o cabo Wesley de Carvalho Dias pelo homicídio do torcedor Rafael dos Santos Tercilio Garcia.
O juiz Guilherme Eduardo Martins Kellner havia determinado em outubro a revisão do caso pela Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) após o promotor do MP ter pedido naquela ocasião o arquivamento do processo. O entendimento do magistrado havia sido de que a solicitação era prematura e precisaria ser melhor apurada (saiba mais abaixo).
A posição do Ministério Público pelo arquivamento do inquérito tinha sido contrária, por exemplo, à conclusão da Polícia Civil e da Polícia Militar (PM). As duas instituições responsabilizaram Wesley criminalmente pela morte de Rafael. O cabo chegou a ser indiciado por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) tanto pela delegacia quanto na Corregedoria da PM.
No entendimento das polícias, o agente da PM não teve a intenção de matar a vítima, mas agiu com negligência, imprudência e imperícia ao usar a arma que dispara “bean bags” para tentar conter o tumulto. Em outras palavras, ele errou na execução. O manual do fabricante da munição orienta nunca atirar na cabeça.
Wesley responde ao processo em liberdade. Em todas as vezes que foi chamado para dar seu depoimento, o cabo se manteve em silêncio. Rafael tinha 32 anos e possuía deficiência auditiva. Não era casado e deixou um filho.
PGJ mantém pedido de arquivamento
Corregedoria da PM acusa policial de homicídio culposo em caso de bean bag
Mas em sua revisão do caso, Paulo Oliveira manteve e reforçou a decisão do MP de pedir à Justiça para arquivar o processo que apurava o agente da PM pela morte do são-paulino. À época, policiais militares usaram munições menos letais, como ‘bean bags’, para conter a torcida do São Paulo Futebol Clube (SPFC) do lado de fora do Estádio do Morumbi, Zona Sul da capital paulista.
“Beans bags” ou “sacos de feijão”, numa tradução literal do inglês para o português, são na prática pequenas esferas de chumbo envoltas por plástico que ficam dentro de sacos de tecido sintético.
Os torcedores queriam comemorar o título do São Paulo sobre o Flamengo pela Copa do Brasil numa rua interditada e entraram em confronto com a PM. Câmeras de segurança e vídeos gravados por testemunhas mostraram parte do tumulto, mas não gravaram o momento em que Rafael é atingido pelo disparo de “bean bag”.
Em sua manifestação pelo arquivamento do caso, entregue à Justiça em outubro, Zagallo havia considerado que o cabo agiu em “legítima defesa” ao usar uma arma para atirar a munição na direção dos são-paulinos. Também tinha dito que o torcedor “se encontrava no local errado, na hora errada” e que o tiro que atingiu sua cabeça foi uma “fatalidade”.
O juiz Guilherme, que recebeu o pedido do MP para arquivar o caso, entendeu, no entanto, que a Procuradoria-Geral de Justiça revisasse o posicionamento do promotor.
“Antes de se determinar o arquivamento, entendo que os fatos devem ser melhor apurados a fim de afastar qualquer dúvida sobre as investigações”, escreveu o magistrado em sua decisão pela revisão da manifestação do Ministério Público pela PGJ.
“Entendo necessário que os fatos sejam melhores apurados, para a verificação de que o comportamento do investigado tenha se dado efetivamente em legítima defesa e não em dolo ou culpa com excesso de força policial”, havia determinado o juiz.
MP diz que torcedor estava no lugar ‘errado, na hora errada’
Rafael dos Santos Tercilio Garcia, torcedor morto em confusão com a PM em SP
Reprodução
Mas, além de concordar com Zagallo de que Rafael estava “no local errado, na hora errada” e que a morte dele foi uma “fatalidade”, Paulo Sérgio lembrou outras palavras ditas anteriormente pelo promotor. O procurador-geral escreveu na revisão que o disparo dado por Wesley, que tirou a vida do torcedor, foi um “infortúnio” e “lastimável acaso”.
“A análise feita pelo doutor promotor de Justiça está adequadamente fundamentada, mostra-se razoável e não discrepa do conteúdo dos autos, de modo que não há de se falar em decisão teratológica ou ilegal, passível de revisão por remessa do Poder Judiciário, como erroneamente entendeu, com a devida vênia, o nobre julgador”, escreveu o procurador-geral.
“Rafael apenas se encontrava no local errado, na hora errada, e que, mesmo percebendo o tumulto que se criava, permaneceu no local, instante em que acabou sendo atingido, por um infortúnio”, continuou Paulo Sérgio na revisão do caso.
“Não se identifica justa causa para revisão de sua manifestação”, sugeriu o chefe do Ministério Público estadual. “Insiste-se na promoção de arquivamento”.
O processo retornará para o juiz do caso analisar novamente a decisão do Ministério Público, que manteve a posição de pedir o arquivamento. O magistrado poderá concordar ou não com o MP.
O g1 procurou Tiago Ziurkelis, advogado que defender os interesses da família de Rafael, para comentar o assunto, mas não teve retorno. A reportagem também aguarda um posicionamento do advogado João Carlos Campanini, que faz a defesa de Wesley.
Fotografia do laudo mostra onde “bean bag” ficou alojada na cabeça de torcedor Rafael Garcia
Reprodução