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De ‘Feliz Ano Velho’ a ‘Ainda Estou Aqui’: como Campinas pavimentou a jornada literária de Marcelo Rubens Paiva


Autor do livro que inspirou o filme que estreia nesta quinta-feira (7), Paiva iniciou a carreira literária após um trauma vivido nos anos que estudou na Unicamp. Como Campinas pavimentou a jornada literária de Marcelo Rubens Paiva
Escritor, dramaturgo e jornalista, Marcelo Rubens Paiva tem a jornada marcada por lutas e traumas, dentre as quais, parte aconteceu em Campinas (SP), especialmente na Unicamp. A universidade, o acidente que o deixou tetraplégico, a recuperação do movimento das mãos e braços e o lançamento do primeiro livro, foram as primeiras etapas de uma trajetória literária com prêmios e adaptações para o teatro e cinema.
Nesta quinta-feira (7), chega aos cinemas a adaptação do 12º livro de Paiva, “Ainda Estou Aqui”, que mostra a infância do escritor, quando o pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva, cassado em 1964 pela ditadura militar, foi sequestrado e morto no início da década de 1970.
A obra já conquistou prêmios internacionais em festivais como o de melhor roteiro no Festival de Veneza e agora está concorrendo a vaga de melhor filme estrangeiro no Oscar.
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Anos depois dos eventos narrados no filme “Ainda Estou Aqui”, em 1977, Marcelo Rubens Paiva foi estudar engenharia agrícola na Unicamp. No entanto, a passagem pela universidade foi interrompida em 1979, quando, em uma festa, sofreu mais um grande trauma que marcaria a vida, o acidente que o deixou, por um período, sem os movimentos de braços e pernas.
E foi durante a recuperação após o acidente que escreveu experiências e reflexões que o levariam ao primeiro livro e ao primeiro grande sucesso literário: “Feliz Ano Velho”. Depois dele, já foram lançados outros 15 livros, além de 11 peças de teatro e cinco roteiros de filmes.
Nesta reportagem, o g1 remonta as vivências de Marcelo Rubens Paiva em Campinas a partir de uma entrevista com um colega de faculdade do escritor, o produtor cultural Álvaro Tucunduva Gregori, conhecido como Tucum, além de registros históricos da Unicamp e do próprio livro de Marcelo Rubens Paiva.
Marcelo Rubens Paiva
Felipe Bezerra/Unicamp
Nessa matéria você encontra 👀
“O tesouro no fundo do lago”
“Campinas não tinha televisão”
Vida universitária
A missa de sétimo dia
Nunca distante
“O tesouro no fundo do lago”
“Subi numa pedra e gritei:
– Aí Gregor, vou descobrir o tesouro que você escondeu aqui embaixo, seu milionário disfarçado.
Pulei com a pose do Tio Patinhas, bati a cabeça no chão e foi aí que ouvi a melodia: biiiii” – trecho do livro Feliz Ano Velho.
Assim começa “Feliz Ano Velho”, livro lançado em 1982 com incentivo de Luis Travessos, amigo de Paiva que morreu meses antes do livro chegar às livrarias e ao qual o autor o dedicou. Outra pessoa importante foi o editor da Brasiliense, Caio Graco Prado (1931- 1992), que convidou Paiva para publicar a história.
O relato literário feito durante os primeiros anos de recuperação logo conquistou os leitores e no ano seguinte ganhou o Prêmio Jabuti. Por causa do sucesso, em 1983 foi transformado em uma peça de teatro e, em 1986, o espetáculo teve participação da banda Legião Urbana na Unicamp. Em 1987, a história chegou aos cinemas.
“Feliz Ano Velho” é narrado em primeira pessoa e, de uma forma não linear, recupera momentos anteriores ao acidente do autor sobre a vida que tinha em Campinas e na Unicamp. Ele conta que escolheu viver longe da família em São Paulo, o descontentamento que teve com o curso logo nos primeiros semestres e como os amigos e a música o moviam.
Marcelo Rubens Paiva em entrevista para o Jornal da Unicamp em 1987
Siarq/Unicamp
“Campinas não tinha televisão”
Nas páginas de “Feliz Ano Velho”, é possível encontrar fragmentos que reconstroem a Campinas de fins da década de 1970 e a intensidade da vida universitária, como conta em uma entrevista para a Unicamp.
“Campinas absolutamente não combinava com televisão. Às vezes ela fazia falta. Por exemplo, na Copa do Mundo de 78, ninguém em Campinas tinha televisão. Alguns acompanhavam o jogo pelas lojas de eletrodomésticos. Eu acompanhava no 437, um restaurante bastante fuleiro na minha rua, mas com comida barata”, trecho do livro Feliz Ano Velho.
Nos breves anos entre 1977 e 1979, antes do fatídico dia do acidente em 14 de dezembro de 1979, Paiva contou em entrevista para Unicamp que produziu contos, letras de música, poemas e textos para fanzines.
Amigo de faculdade, Tucum falou que o acidente abalou todos os colegas e revelou que a festa onde a tragédia aconteceu foi em um sítio próximo da Rodovia Anhanguera que era da sua família.
“Inclusive, o acidente foi na minha casa, foi numa festa de encerramento do ano da Engenharia Agrícola em 1979 e ele se acidentou”, diz.
Elenco da peça Feliz Ano Velho na apresentação da Unicamp em 1986
Unicamp
Vida universitária
Tucum contou que Marcelo tinha entrado em engenharia civil e o conheceu durante o ciclo básico, pois todas as engenharias faziam o mesmo ciclo de aulas no primeiro ano.
“Depois do básico não tinha o curso de engenharia civil em Campinas, era Limeira. Eu recordo acho que um dia, numa lanchonete conversando, ele falou ‘eu vou ter que ir para Limeira, não sei se estou muito afim’. Eu falei para ele pedir remanejamento interno e assim que ele veio para Engenharia Agrícola”, lembra Tucum.
Paiva contou em entrevista para Unicamp que a engenharia agrícola ainda não tinha um prédio próprio na época e as aulas eram junto com a engenharia de alimentos. Além disso, o prédio da matemática, ainda em construção, servia para reunir os amigos e ver o pôr do sol.
Inconformado com o calor da cidade, ele lembrou que ainda não existia piscina na faculdade, então, como fã de natação, frequentava as piscinas no Parque do Taquaral. O futuro escritor também ia ao Centro de Convivência, onde aconteciam palestras e debates políticos.
Paiva viveu em Campinas o embrião do movimento estudantil e a formação do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unicamp, um grupo que começou a ser reorganizado com muita dificuldade ainda na época da ditadura enfrentando os perigos da perseguição.
Mesmo enfrentando problemas com a “sociedade campineira”, como preconceito pelo cabelo grande ou ser “expulso de uma boate por não estar vestido corretamente”, Marcelo Rubens Paiva sempre fala da Unicamp com boas lembranças.
A missa de sétimo dia
Tucum contou ao g1 que os três anos que antecederam o acidente foram intensos e geraram boas histórias. Uma delas aconteceu no “bandejão”, o restaurante universitário, em 1978. O grupo de amigos transformou a intoxicação alimentar causada por uma maionese estranha em um evento alguns dias depois.
“ A gente decidiu fazer uma missa de sétimo dia para a disenteria generalizada.
Nós fizemos musiquinha, cântico de entrada e tereré. Bolamos que íamos sair do curso básico, atravessar a praça em direção ao restaurante e entrarmos como uma procissão. Reunimos umas 50 pessoas e tal. Tudo muito engraçado, tínhamos até frases em latim”
‘Feliz Legião’ apresentação do Legião Urbana na adaptação da peça ‘Feliz Ano Velho’ em 1986
Unicamp
Nunca distante
O escritor viveu anos difíceis e nunca terminou o curso de engenharia agrícola. Após a recuperação, ele acabou escolhendo cursar a Escola de Comunicação e Artes (ECA) na USP, mas a história com a Unicamp não tinha terminado.
Um dos primeiros grandes retornos foi a adaptação de “Feliz Ano Velho” no recém-construído Ginásio da Unicamp, em 1986, com o espetáculo “Feliz Legião”. Foi uma apresentação que contou com a participação da banda Legião Urbana e reuniu 5 mil pessoas.
A mesma peça foi para o Centro de Convivência com participação de outras bandas e cantores de rock junto com o grupo de Brasília. Todas apresentações com debates entre o público e o elenco. Segundo Marcos Kaloy, o idealizador da montagem da apresentação, foi necessária a liberação do Corpo de Bombeiros para que todos que estavam na fila entrassem.
Imagem aérea de Campinas entre 1976 e 1985
Centro de Memória da Unicamp
Outro momento importante na biografia de Paiva relacionado à Unicamp foi a pós-graduação no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Entre 1991 e 1994, ele estava de volta aos corredores da universidade. No entanto, também não terminou o curso porque aceitando um convite de bolsista de um ano na Universidade Stanford (EUA).
O tema do mestrado não concluído era sobre os tempos de guerrilha do capitão Carlos Lamarca (1937-1971) no Vale do Ribeira. Estudo que se transformou em outra obra literária, “Não És Tu, Brasil”, publicado em 1996.
Desde então, ele já voltou à Unicamp para palestras em algumas ocasiões, como a participação no papel de professor no Programa “Hilda Hilst”, do Artista Residente do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp.
Vista aérea do campus da Unicamp, em Campinas (SP)
Reprodução/EPTV
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