Vinicius Villas Boas, de 37 anos, foi preso injustamente por um roubo que não cometeu. Enquanto estava no CDP de São José do Rio Preto (SP), presidiário relatou conhecer os verdadeiros ladrões que praticaram o crime. Justiça reavaliou a sentença e absolveu réu. Carta escrita por detento prova inocência de homem condenado a mais de 7 anos por roubo em José Bonifácio
Arquivo pessoal
O homem que foi absolvido após uma carta escrita por um detento ajudar a provar a sua inocência contou que precisou tomar remédio para conseguir dormir quando foi preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) em São José do Rio Preto (SP).
“Foi um choque, eu não acreditava que estava preso, me tiraram de casa com um filho pequeno. Quando eu cheguei à prisão, fiquei uma semana sem comer nada. Até eu ter coragem, passava noites em claro. Então, pedi atendimento para eu descansar e comecei a tomar Diazepam”, relembra.
Ao g1, o analista de pricing Vinicius Villas Boas relatou que ficou preso injustamente por quase dois anos por um crime que não cometeu. Ele foi confundido com um dos criminosos que participou de um roubo a residência em 2016.
Vinicius sempre negou o crime, mas mesmo assim acabou encarcerado no CDP de Rio Preto, em agosto de 2017. Na prisão, ele conheceu um homem que relatou conhecer os verdadeiros ladrões que praticaram o crime e escreveu uma carta contando a história. A partir disso, a Justiça reavaliou a sentença do analista e, no último dia 21 de março, publicou a decisão que o absolveu.
Vinicius Villas Boas e a família
Vinicius Villas Boas /Arquivo pessoal
Todos os dias, Vinicius lembra que acordava achando que seria o último dia na prisão. Contudo, o advogado de defesa, Nugri Campos, esgotou os recursos disponíveis, em quatro instâncias, para tentar provar a inocência de seu cliente. Inclusive, Vinicius se recorda do dia em que foi julgado e descreve: “Foi o pior dia da minha vida”.
Enquanto cumpria pena por um crime que não cometeu, o analista começou a trabalhar dentro do presídio na limpeza, na distribuição de marmitas e no escritório.
“Ali, para não ficar vulnerável, eu comecei a entender que eu tinha algum propósito. Comecei a trabalhar, saía da cela às 6h e voltava às 18h. Fui responsável pela limpeza, coordenei a reforma do presídio, distribuía marmita. Mas também vi gente querendo morrer. Sem o cuidado, você pira”, afirma.
Na tentativa de progredir ao regime semiaberto, Vinicius explicou que passou pela avaliação médica e pela conversa com a psicóloga. No entanto, ele disse que, por não admitir a ela o crime que não havia cometido, não conseguiu a progressão.
“Tive outra injustiça lá dentro. Na progressão do regime fechado para o semiaberto, tive a conversa com a psicóloga e ela perguntou se eu confessava o crime. Então, o pedido foi indeferido porque eu fui incisivo em dizer que não fiz nada”, pontua.
Sem provas
O roubo pelo qual Vinicius foi condenado ocorreu no dia 17 de fevereiro de 2016, quando quatro homens invadiram uma casa em José Bonifácio (SP) e fugiram com vários objetos.
Segundo o advogado do analista, a vítima do roubo chegou a reconhecer Vinicius como um dos envolvidos no crime, por meio de fotos apresentadas pelos investigadores. Apesar disso, a defesa alega que a aparência dele não batia com a descrição de aparência inicialmente fornecida pela mulher.
De acordo com o processo, no BO, a vítima relatou que o criminoso era um indivíduo forte, pardo e com cabelo “tigelinha”. Já Vinicius é negro e, na época do crime, era obeso e tinha o cabelo raspado.
Vinicius Villas Boas, de 37 anos, foi condenado injustamente por um roubo que ocorreu em 2016 em José Bonifácio
Vinicius Villas Boas /Arquivo pessoal
Durante o andamento do processo, a mulher modificou sua descrição dos criminosos e deixou de reconhecer Vinicius como um dos envolvidos. Para a defesa do réu, a maneira como os investigadores conduziram o reconhecimento, por meio de fotos e, mais tarde, apresentando Vinicius com os trajes da prisão, influenciou a postura da vítima.
Para o analista, a cor da pele dele, uma das únicas semelhanças com o verdadeiro autor do roubo, também influenciou na prisão, mesmo que ele negasse o crime.
“A cor influenciou muito. No primeiro dia, quando eu me mudei de São Paulo para Mendonça, a polícia me abordou na frente do banco achando que eu ia roubar, porque eles nunca tinham me visto na cidade. Engoli isso seco”, afirma.
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Além das características que não batiam com a descrição informada pela vítima, Vinicius tinha um álibi: o depoimento formal de um homem que confirmava que ele estava trabalhando como pintor no dia e horário do crime.
Absolvição
Foi no presídio que Vinicius conheceu o homem que viria a escrever a carta que o ajudou a conseguir a absolvição. O encontro representou uma verdadeira “luz no fim do túnel” pois a defesa dele já havia esgotado todos os argumentos para convencer a Justiça de que as provas no inquérito eram insuficientes.
Advogado de defesa de Vinicius Villas Boas, Nugri Campos
Instagram /Reprodução
Com a possibilidade de apresentar novas provas para a sentença ser reavaliada, o advogado foi ao presídio para conversar com o detento, que afirmou conhecer toda a história de Vinicius, além de saber quem eram os verdadeiros culpados pelo roubo.
Nugri, então, pediu que o preso escrevesse a carta à mão e a entregou à Justiça. Com ajuda da advogada Ingryd Silvério, uma audiência online foi marcada, e o preso contou ao juiz tudo que havia escrito.
Na ocasião, o TJ-SP entendeu, depois de sete anos, que a condenação de Vinicius contrariou o conjunto de provas. Após dois anos e dois meses preso, sendo quase dois anos em regime fechado, ele foi liberado.
Vinicius Villas Boas, de 37 anos, e a esposa se mudaram para Mendonça (SP) em 2013
Vinicius Villas Boas /Arquivo pessoal
Vinicius relembra que até os guardas do presídio comemoraram a absolvição. Com a inocência comprovada, o analista ressalta que, agora, voltou a sonhar. Na lista de próximos planos, enumera: continuar a trabalhar, construir o apartamento que comprou em SP e concluir os estudos.
“Por sete anos, eu levei o título de ladrão. Tive muita revolta, minha esposa perdeu a cabeça, ela escreveu ‘Justiça’ em um papel, colocou no carro e ficava circulando na rua em volta da delegacia. Só me lembro de muito choro, sofrimento. Mas Deus me sustentou até o fim”, conclui.
De acordo com o advogado, o homem apontado na carta como sendo o verdadeiro autor do roubo ainda não foi investigado. Outros dois suspeitos citados foram absolvidos em primeira instância e um terceiro foi condenado na mesma época de Vinicius.
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