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Mulher é eliminada em ‘entrevista coletiva’ de emprego após indicar que tinha filho


Um grupo de quatro mulheres entrou na Justiça após o episódio, que aconteceu em outubro de 2018, mas, até o momento, apenas uma conseguiu ganhar o direito de ser indenizada. Mulher entrou na Justiça alegando ter sido discriminada por ser mãe durante um processo seletivo para emprego na unidade
Arquivo Pessoal
Uma empresa franqueada da rede de fast-food McDonald’s em Peruíbe, no litoral de São Paulo, foi condenada a pagar uma indenização de R$ 10 mil por danos morais a uma mulher desclassificada na seleção de emprego por ser mãe. Ao julgar o caso em favor da autora do processo, a juíza relatora Mari Angela Pelegrini, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, com sede em Campinas (SP), citou na decisão: “O que importa é que mulheres que tivessem filhos não tiveram sequer oportunidade de participar do processo seletivo”. A companhia vai recorrer da decisão.
Ao g1, Juliana Edla contou, nesta sexta-feira (14), que estava em um grupo de mulheres que recebeu um “tchauzinho” do recrutador após informar sobre a maternidade. De acordo com ela, a situação aconteceu em outubro de 2018, durante processo seletivo realizado pela empresa Elecebe Comércio de Alimentos, que detém a franquia na cidade da Baixada Santista.
Na ocasião, conforme relata, ela e outras mulheres ergueram as mãos ao serem perguntadas se tinham filhos e, depois, foram desclassificadas. Os homens que eram pais, segundo a candidata, teriam avançado na “etapa”.
“Fiquei sentada com umas quatro ou cinco meninas em uma mesa, quando o gerente [recrutador] falou: Para o processo de entrevista ser mais rápido, vou fazer algumas perguntas e, quem não se encaixar, pode ir embora”. Ela lembrou que nas primeiras perguntas o homem desclassificou candidatos com menos de 18 anos e sem o Ensino Médio completo.
“Só que então ele veio com a ‘surpresa’ e perguntou: ‘Mães?’. E deu um ‘tchauzinho’ com a mão. O primeiro sentimento foi de confusão. Algumas meninas se levantaram, mas me senti com vergonha”, desabafou.
Juliana Edla tem uma filha de 7 anos; ela afirma ter sido discriminada durante um ‘processo seletivo’
Arquivo Pessoal
A mulher relatou também que, na dúvida, preferiu questionar. “Demorei para me levantar porque estava me sentindo humilhada de ter que pagar esse vexame […]. Parei na frente do gerente e perguntei: E homens que têm filhos, também vão? E ele disse: Não, os homens continuam aqui”.
Juliana contou ter se encontrado com outras candidatas na saída da seleção. “As meninas estavam com o mesmo sentimento, muito tristes, bravas e indignadas com a situação”, explicou. Ela disse ter registrado um Boletim de Ocorrência (BO) sobre o caso com mais algumas mulheres que teriam sido discriminadas. Além de Juliana, outras três entraram na Justiça contra a empresa.
O que diz a empresa?
O g1 entrou em contato com a Elecebe Comércio de Alimentos, franqueada da marca em Peruíbe (SP), mas a companhia não se posicionou. A defesa da empresa, porém, com base no conteúdo da decisão do 15º TRT, negou qualquer ato discriminatório.
A defesa da Elebece alegou que foi realizada uma entrevista no dia 17 de outubro de 2018 com diversos candidatos, e que foram feitas perguntas como em qualquer entrevista. Os advogados da empresa ressaltaram que a indagação sobre as mulheres que tinham filhos seria para alertá-las de que o trabalho seria realizado no turno da madrugada.
“Em momento algum o gerente solicitou que as mulheres com filhos se retirassem do estabelecimento”, apontou a defesa da Elebece, conforme consta na sentença do 15º TRT. Ainda de acordo com os representantes da empresa, o quadro de funcionários é composto por mais mulheres do que homens.
O McDonald’s não é parte no processo, e, em nota, a rede de fast-food afirmou que “não comenta detalhes de processos em andamento”. Disse ainda que Elebece está recorrendo da decisão do TRT da 15ª Região.
Na Justiça
Juliana e mais três mulheres entraram na Justiça pouco depois do episódio, em outubro de 2018. Elas participaram de uma audiência em maio de 2022, quando a Vara do Trabalho de Itanhaém (SP) – responsável pelos casos de Peruíbe (SP) e outras cidades da região – julgou, em primeira instância, os quatro processos como “improcedentes”.
O juiz da Vara do Trabalho de Itanhaém (SP) Luciano Bisola, responsável pela decisão à época, apontou que as mulheres se referiram ao ato do recrutador para desclassificá-las de maneiras diferentes. De acordo com ele, algumas citaram que o homem deu um ‘tchauzinho’ com a mão, enquanto outras usaram expressões como: “tchau, vaza” e “quem tem filho pode sair”.
A defesa das quatro mulheres, que é feita pelos advogados Rafael Felix e Aline de Oliveira Angelin, entrou com recursos. O TRT da 15ª Região, em Campinas (SP), condenou a empresa a pagar R$ 10 mil em indenização por danos morais para Juliana. Os processos das outras três vítimas não foram julgados.
TRT tira peso de divergências nos discursos
A juíza relatora Mari Angela Pelegrini, do TRT da 15ª Região, comentou sobre os diferentes depoimentos prestados em audiência em 1ª instância. “É natural que elas não se lembrem precisamente das palavras ou gestos, e também se confundam quanto ao local onde foi realizada a entrevista [na área interna ou externa], tendo em vista que os depoimentos foram prestados mais de três anos depois.”
“Embora as quatro reclamantes envolvidas na situação narrada na inicial tenham apresentado versões um pouco diferente dos fatos, no ponto que interessa houve consenso, ou seja, [o recrutador] responsável pela seleção, dispensou da entrevista as mulheres que tivessem filhos, seja dando um “tchauzinho” ou “tchau, vaza” ou dizendo “quem tem filho, pode sair”, ressaltou a juíza.
Empresa dona de filial do McDonald’s foi condenada a pagar R$ 10 mil a mulher
Reprodução
O advogado Felix repercutiu a decisão. “É com grande satisfação que recebemos o resultado do julgamento do recurso em favor dessa primeira cliente, pois o Tribunal [Regional do Trabalho] corrigiu uma grande injustiça ocorrida em primeira instância ao julgar improcedente o pedido das autoras discriminadas.”
A defesa pediu R$ 67 mil em indenização por danos morais a Juliana, porém, recebeu a confirmação de R$ 10 mil. “O valor da indenização ficou um aquém das expectativas. Contudo, o sentimento de Justiça por essa primeira vitória se sobressai. Temos a certeza que essa condenação servirá como um grande passo no avanço do direito das mulheres.”
Especialistas em Direito do Trabalho
O g1 ouviu dois advogados especialistas em Direito do Trabalho. Segundo Thyago Garcia, pós-graduado na área e que já foi diretor da Associação dos Advogados Trabalhistas de Santos e Região (AATS), a desclassificação de uma candidata pelo fato de ser mãe “revela uma prática absolutamente ilegal, em seu sentido mais amplo, por parte da potencial empregadora”.
O profissional ressaltou também que o Art. 1º da Lei 9.029/95 proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória ou limitativa de acesso ao trabalho ou de sua manutenção, “seja por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, idade, dentre outros critérios”.
O advogado Caio Pariziani, que é membro da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), apontou que não é exagero dizer que a conduta patronal da empresa que fez a seleção vai na contramão do Estado Democrático de Direito, fundado a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.
Ele explicou também que não há dúvidas da gravidade da ofensa, “que certamente afeta o âmago psicológico e a dignidade da pessoa que busca, incessantemente, uma forma de sustento para si e para sua família”.
Especialistas em RH
O g1 conversou também com dois profissionais da área de Recursos Humanos (RH) sobre processos seletivos. Segundo Alberto Roitman, que é consultor de carreiras e sócio da Escola do Caos, empresa de educação corporativa especializada em Desenvolvimento de executivos, Liderança e Inovação. Para ele, não existe justificativas para a desclassificação de uma candidata que tenha filhos. “De fato, é uma aberração.”
Roitman acrescentou que, em casos do tipo, a companhia deve ser responsabilizada. “O problema é da empresa. Costumamos culpar o colaborador, o entrevistador, mas nos esquecemos de que alguém o fez ser ‘viável’ dentro da empresa.”
Fabio Sartori, diretor do Grupo Sartori DHO, explica que a “triagem” de perfis de candidatos deve ser feita antes da entrevista e, para isso, o profissional a conduzir o processo deve ter profundo entendimento do cargo e de suas necessidades.
“[O recrutador] precisa ter uma metodologia muito bem estruturada para obter o resultado que ele deseja, e todas as informações necessárias”. O passo seguinte, segundo Sartori, deve ser a divulgação da vaga. “Deverá constar todas as condições de contratação, bem como a descrição das atividades, horários de trabalho, entre outros.”
Ele complementa que, baseado nessa divulgação, a empresa passa a receber os perfis de candidatos e, então, começa a avaliação dentro dos pré-requisitos que são essenciais, classificando alguns para as etapas de entrevista ou testes. Uma vez “pré-selecionados”, os candidatos vão para as etapas finais e o considerado ‘mais preparado’ para a vaga é contratado.
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