‘Maioria das músicas que escrevi são terríveis’, diz Daniel Powter ao g1, ao comentar balada que foi uma das músicas mais tocadas de 2006. Série ‘Quando eu hitei’ tem artistas que sumiram. Quando eu hitei: Daniel Powter diz que ser o Maior One Hit Wonder da Década é uma honra
“Bad Day”, uma das músicas mais ouvidas do mundo em 2006, é o único hit de Daniel Powter. Mas enquanto ele tentava te consolar depois de você ter um dia ruim, na verdade era ele quem estava sofrendo.
O cantor canadense de 51 anos foi diagnosticado com dislexia, o que o fez ter dificuldades para estudar música e ler partituras. Ele também viveu o auge do alcoolismo justamente no auge de “Bad Day”, uma canção da qual ele não é fã.
“Você tem que saber que a maioria das músicas que escrevi até hoje são terríveis”, avisa ao g1 (veja entrevista no vídeo acima). “Sinto que minha forma de compor era realmente juvenil, imatura. Eu me sentia como um falso, como se fosse uma fraude.”
Na série “Quando eu hitei”, artistas do pop relembram como foi o auge e contam como estão agora. São nomes que você talvez não se lembre, mas quando ouve a música pensa “aaaah, isso tocou muito”. Leia mais textos da série e veja vídeos ao final desta reportagem.
O cantor canadense Daniel Powter
Divulgação/Facebook do artista
“Bad day” ficou cinco semanas no primeiro lugar da principal parada americana. Mas os bons dias de Daniel não duraram muito. A revista “Billboard” deu a ele o prêmio de maior cantor de um hit só dos anos 2000.
Como é ser não só one hit wonder, mas o maior one hit wonder da década? “Eu considero esse feito como uma honra. Toda vez que alguém me diz: ‘como você se sente em ser um one hit wonder?’, eu falo: ‘Bem, deixa eu dar uma olhada aqui na minha conta bancária’ e aí eu te conto.”
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Filho de uma pianista, Daniel Richard Powter começou tarde a carreira de cantor e compositor: as primeiras composições dele foram feitas quando tinha 27 anos. Ele morava em Vancouver, no Canadá, onde tocava em um pequeno pub chamado Railway Club.
“Eu tocava minhas músicas e fui vaiado no palco, sabe? Mas o gerente disse que eu poderia voltar na próxima semana e tentei de novo e melhorei um pouco.” Ele continuou voltando e, com o tempo, passou a ser aplaudido. Semanas depois, os ingressos passaram a se esgotar.
Daniel Powter no começo da carreira nos anos 2000 e em foto de 2021
Divulgação/Site Oficial
“Foi assim que aprendi a escrever músicas: pela reação das pessoas. E se eu não tivesse largado a faculdade de música, eu não seguiria minha vida do jeito que eu queria.”
Ele escreveu canções pouco conhecidas para outros artistas, até que compôs “Bad Day”. “Tentei vender essa música e não conseguiam cantar do jeito que eu queria. Então, acabei cantando e a próxima coisa que aconteceu é que fui empurrado para o ‘business’ do pop.”
Daniel sabia compor boas melodias no piano, “Bad day” é prova disso. Mas ele conviveu com dificuldades por ter sido diagnosticado com dislexia. Esse transtorno de aprendizagem o impediu de realizar o sonho de ser pianista clássico, tal qual a mãe dele. “Percebi desde muito novo que nunca seria um músico profissional. Eu não era bom. Eu não era um grande pianista.”
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Capa do primeiro álbum de Daniel Powter, de 2005
Reprodução
“Se você tocar algo para mim, eu posso tocar de volta para você. Com a dislexia, eu lutei… e até hoje não sei ler música. Então… aquelas pequenas notas rabiscadas, sabe? Eu me lembro de praticar tanto que ficava com sangue nas teclas e nos meus dedos. Também me foi dito por um professor que eu nunca seria um artista. E então fiquei com raiva e decidi que usaria isso para me esforçar ainda mais.”
“Bad Day” não foi fruto desse esforço. Segundo ele, a música “se escreveu sozinha em cerca de dez minutos”. “Eu tinha a melodia pronta e estava morando em uma ilha fora da costa de Colúmbia Britânica [província do Canadá], e tive que voltar para Vancouver para gravar o vocal. Então, eu escrevi a letra em um barco viajando da ilha de volta para a cidade. No barco, tinha esse pôster, em um pequeno quadro na parede que dizia: ‘Você está tendo um dia ruim?’ E eu disse: ‘Bem, isso é interessante’.”
“Muitas pessoas pensaram que eu estivesse passando por um momento muito difícil e lutando e esse não é o caso. Eu só queria encontrar uma letra e um tema que todos pudessem se relacionar.”
A balada de arranjo simples e letra mais simples ainda estourou porque foi escolhida para ser a trilha de despedida dos eliminados da quinta temporada de “American Idol”. Toda vez que alguém saía do programa, ela era tocada. Logo depois desse estouro, a vida de Powter começou a piorar…
O cantor canadense Daniel Powter, no clipe de ‘Bad Day’
Reprodução
“Eu estava viajando de país em país sendo entrevistado, gravando programas de TV todos os dias. Eu nunca tinha um momento para mim mesmo. Eu me senti como um falso, me senti uma fraude. Eu me senti como Holden Caulfield de ‘Apanhador no Campo de Centeio’. Eu não sei se você já leu…” O livro de J. D. Salinger, lançado em 1951, conta a história de um adolescente que luta contra tudo que diz ser “fajuto”.
“O que me deixava mais empolgado com a música era estar no estúdio, criar. Quando ‘Bad Day’ explodiu, eu estava na estrada por dois anos e não estava mais fazendo música”, lamenta, um pouco emocionado. “Eu só ficava sendo entrevistado e sorrindo e tipo: ‘faça isso, faça aquilo, não faça isso, não diga isso’. Eu me tornei tão desconectado do que me fez querer ser cantor e me perdi. Eu estava apenas na frente das câmeras, naqueles tapetes vermelhos.”
A correria da turnê, vivendo em aeroportos e hotéis, fez com que ele se sentisse solitário, por estar longe da família e dos amigos. Por causa desse trauma, ele garante que nunca mais fará turnês ou grandes projetos. Das entrevistas, ele foge sempre que pode… “Essa para você é uma exceção e estou grato e feliz por fazer.”
Ele diz que vê nos clipes dos anos 2000 “um cara que talvez não exista mais”. “Eu não sentia que era eu e isso me levou para um lugar de depressão. Acho que eu me voltei para o álcool e as drogas para meio que fugir nisso não foi uma boa decisão.”
Daniel Powter em foto de 2021
Divulgação/Site oficial
O cantor descreve como era uma das centenas de vezes que teve que tocar e cantar “Bad Day” em shows e programas de TV: “Quando eu cantava aquela música, eu nunca estava presente. Era quase como se alguém colocasse um escudo em cima de mim e eu sequer conseguia me conectar com o que estava fazendo.”
Agora ele está desconectado por vontade própria. Powter aparece pouco em redes sociais, por exemplo. Ele segue compondo músicas e trilhas, a mais recente para um documentário em parceria com a fotógrafa americana Annie Leibovitz.
Após se divorciar, ele se mudou para uma casa perto de Portland, no noroeste dos Estados Unidos. Fica a uns 500 quilômetros de Vancouver, onde ele tem vários amigos e amigas. Antes morava mais longe, em Los Angeles. Ele diz que trocou a praia e a vida noturna pelo isolamento e pelas montanhas. Concilia essa vida isolada com a paternidade: tem três filhos.
Daniel Powter toca piano no início da carreira, nos anos 2000
Reprodução/Facebook do cantor
“Hoje, é completamente diferente. Estou sempre presente”, compara. “Desacelerar e meio que me aposentar e dizer ‘não’ para a proposta de assinar com uma gravadora novamente foi o que salvou minha vida. Minha mãe e minha família foram tão solidárias dizendo: ‘Se você não ama mais isso, você tem que parar’. Isso tudo foi meio dark.”
Agora, ele diz que só aceita projetos que o deixam empolgado. “As coisas que eu faço agora, que eu espero que você ouça em algum momento, não se parecem mais Daniel Powter de antes, é algo completamente diferente. É mais como David Bowie ou algo assim.”
Dentre essas músicas mais recentes, há muitas parcerias. Uma delas é com o brasileiro Zeeba, voz do megahit eletrônico “Hear me now”, de Alok. Em 2021, Powter lançou dois feats, um com a japonesa Ayaka Hirahara; e outro com a espanhola Patricia Kelly, que tem carreira voltada para a música tradicional irlandesa.
Capas de seis dos principais álbuns e singles de Daniel Powter
Reprodução
Daniel tentou repetir o sucesso de “Bad Day”, mas nem passou perto disso. O que une “Bad Day”, “Best me” e as outras músicas da carreira de Daniel Powter é que todas são meio… bregas. Não de uma forma pejorativa, é claro. É comum ele falar de amor de forma direta, ao som de arranjos melosos e melodiosos. Tudo bem ser meio brega, né?
“Acho que componho com uma sensibilidade old school no sentido de que eu… cresci ouvindo Billy Joel, Elton John. Vim um lugar muito tradicional no que diz respeito à composição. Sim, eu definitivamente entendo o que você quer dizer sobre ser brega, muitas das músicas que eu escrevi naquela época eram um pouco bregas. Mas toda vez que ouço uma música de Billy Joel, percebo que minha música viverá para sempre em um mar de mediocridade.”
“Não tenho muito orgulho da maioria das músicas que eu tenho que estão por aí. Eu não sabia como escrever fora dessa caixa.”
No fim da entrevista, Daniel contou que quer vir ao Brasil não só para cantar, mas para passear. “Sempre quis estar no Brasil. Seria uma honra. Eu sei que as pessoas aí são, incluindo você, gentis e bonitas. Espero conseguir viajar até aí. Então, se eu fizer isso, gostaria que você e eu saíssemos para tomar um café ou algo assim. Ou você pode tomar uma cerveja e eu vou tomar um café.”
VÍDEOS: QUANDO EU HITEI
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Cantor de ‘Bad Day’ detona próprio hit e diz que sucesso o levou ao alcoolismo: ‘Me senti uma fraude’
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